O Último Sacrifício

A mineradora começou por proibir a circulação dos indígenas pelas terras sagradas de Ch'Ayna Chaupin.

- O governo vendeu toda essa área - avisavam os seguranças vestidos de preto, que circulavam pela região em camionetas 4X4 portando espingardas de grosso calibre. - Vocês não tem mais o direito de entrar em Ch'Ayna Chaupin.

- Nosso povo vive aqui há centenas de anos - protestou Qucha Rimayhuaman, o líder dos ticahuanca. - O governo não poderia ter lhes vendido o que não lhes pertence!

Os seguranças, contudo, faziam ouvidos moucos. A questão não lhes dizia respeito, estavam ali apenas cumprindo ordens, alegavam.

- É melhor pedir ao povo para não entrar em Ch'Ayna Chaupin - alertou Yurak Pinchi, um ticahuanca que havia estudado entre os brancos e conhecia suas leis. - Esses guardas só querem uma desculpa para provocar um banho de sangue.

- Isso não pode ficar assim! - Retrucou Qucha Rimayhuaman. - Não temos ninguém que nos defenda junto ao governo?

- Creio que não - admitiu gravemente Yurak Pinchi. - Mas sei o que a mineradora quer em Ch'Ayna Chaupin: cobre. Debaixo daquelas montanhas, estão algumas das maiores reservas do mundo.

- E a mineradora vai esburacar e destruir tudo! - Desesperou-se Qucha Rimayhuaman.

- Creio que ainda temos uma última chance de expulsá-los de lá - ponderou Yurak Pinchi. - Dê-me algum tempo para colocar meu plano em prática.

Qucha Rimayhuaman ouviu o que Yurak tinha a dizer, e depois reuniu seu povo. Disse-lhes que em nenhuma hipótese deveriam aproximar-se de Ch'Ayna Chaupin, mesmo que fosse apenas para ver o que a mineradora estava fazendo do outro lado das cercas de arame farpado.

- Ch'Ayna Chaupin vai se vingar e tirar todos de lá! - Prometeu, punho erguido para o alto.

Certa noite nublada, quando a mineradora já havia instalado seus equipamentos e pessoal dentro do perímetro cercado em Ch'Ayna Chaupin, uma violenta tempestade elétrica abateu-se sobre a região. Os raios, aparentemente atraídos pela massa de cobre que jazia sob as montanhas, espalharam a destruição sobre as instalações. Na manhã seguinte, quando os ticahuanca acercaram-se das cercas de arame farpado para ver o que havia acontecido aos invasores, não foram impedidos por nenhum guarda armado; aliás, não avistaram ninguém vivo dentro do perímetro cercado.

- Ch'Ayna Chaupin precisava de um último sacrifício, e nós lhe demos isso - observou Yurak Pinchi. - Nosso recado aos brancos foi dado.

De fato, pouco depois o governo mudou de ideia sobre a venda das terras dos ticahuanca. As cercas e todo o material remanescente da mineradora foi retirado das terras sagradas, para nunca mais voltar.

- [18-01-2021]