A casa em chamas

Adriana não conseguiria voltar a trabalhar. Depois da gravidez ela não pudera mais controlar os próprios nervos. Sofria de crises de ansiedade e estresse pós-parto. O marido, entendendo a situação da esposa, falou com alguns amigos e arranjou uma vaga numa cidadezinha isolada de tudo. Um lugar sossegado em que a mulher pudesse também ter um pouco de sossego. Estava tudo certo, até mesmo a casa já estava arrumada para que eles se mudassem.

A casa, pelo tamanho, havia sido um achado, ainda mais com aquele preço. Tão perfeita que Ricardo, o marido de Adriana, achara estranho a princípio. Mas o corretor assegurou que era um preço normal naquelas circunstâncias, naquela época do ano, numa cidade como aquela. Convenceu, assim, Ricardo.

Eles se mudaram e Adriana se surpreendeu logo de cara e não conteve o entusiasmo. A casa, o lugar, tudo parecia perfeito. A casa era imensa e um pouco isolada. Tinha um grande jardim que, com alguns reparos, ficaria lindo. Ela cuidaria disso assim que estivesse totalmente instalada.

Haviam muitos quartos na casa e o casal escolheu o maior para eles. Ao lado o quarto do bebê. Ainda tinha uma pessoa que ajudaria nas obrigações domésticas. Era uma mulher de meia-idade, que falava pouco, mas era bastante prestativa.

Nos primeiros dias tudo correu perfeitamente. Ricardo saía cedo para o trabalho e quando Adriana acordava encontrava tudo pronto. O único trabalho real que ela tinha era com o filho, o que ela fazia com um desvelo extremo. Dir-se-ia, os de fora, que havia algo de lunático naquele cuidado. Mas ninguém se atrevia, nem mesmo o marido. Não queria mexer ainda mais com os nervos da mulher.

Adriana não deixava o filho em momento algum, quando acordado estava sempre em seus braços; quando dormindo, ela velava o sono da criança ao lado do berço, lendo um livro qualquer sem prestar atenção à história, pois seus olhos ficavam pousados a maior parte do tempo no recém-nascido que dormia.

Era um comportamento estranho, que ela tinha como normal, por estar de fato perturbada. O marido não sabia o que fazer, por isso agia como se nada estivesse acontecendo. O que ele poderia fazer já havia feito, mudar-se para aquele fim-de-mundo.

Aqui começam os fatos que terminaram de enlouquecer Adriana. Ou ela já estava louca antes de tudo isso acontecer? Ninguém saberia dizer.

O primeiro incidente deu-se no dia em que ao acordar e dirigir-se para o berço do filho, ela o encontrou vazio, sem sinal da criança. Adriana soltou um grito estridente e saiu em desespero a procura da empregada que acorreu sem saber o que estava acontecendo.

Adriana gritava de forma histérica perguntando sobre o filho e a mulher, a princípio, não compreendia o que a patroa falava. Chorando convulsivamente, Adriana tentava se fazer entender, mas não conseguia conter os soluços e o choro.

Antes mesmo da mulherzinha, que já estava ficando nervosa, entender o que Adriana dizia, as duas ouviram um choro vindo de cima, do quarto do bebê. Adriana disparou em desabalada carreira e chegando novamente ao quarto do filho, viu ele mexer-se dentro do berço. O pegou nos braços e o embalou freneticamente, beijando a criança enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto transtornado.

Adriana, depois de acalmar-se, pediu que a mulher nada contasse ao marido. Ela prometeu, mas não cumpriu. Quando teve um tempo a sós com Ricardo, lhe contara minimamente o que havia ocorrido naquele dia. Ricardo pediu que ela continuasse vigilante e lhe comunicasse qualquer atitude incomum por parte de sua esposa.

Adriana acordou, olhou o celular, eram 3h da madrugada. Ricardo dormia, ressonava leve ao seu lado. Ela sentia um incômodo, mas não saberia explicá-lo, caso alguém pedisse. Lutava e relutava com pensamentos desconexos e com uma sensação de que estava ficando louca. E se fosse verdade?

Ela ouviu alguém chamar seu nome. Ergueu a cabeça para identificar a origem do chamado. Vinha do jardim, ela pensou. Levantou-se cautelosa, para não acordar o marido. Dirigiu-se até a janela e viu através do vidro embaçado uma figura de mulher, vestida de branco a olhar direto para ela. Chamava Adriana pelo nome, com uma voz que lhe era familiar. Assim de longe, na semiescuridão, parecia sua mãe, que já havia morrido há muito tempo.

Adriana estaria acordada ou apenas sonhava? O chamado lhe parecia irresistível. Ela então abriu a janela e debruçou-se para se jogar, na tentativa inútil de alcançar mais uma vez aquela que havia lhe dado a vida. Quando estava com parte do corpo fora, no entanto, Ricardo agarrou-a pela cintura e a puxou de volta, para dentro do quarto e para a realidade.

Ela abraçou forte o marido e chorou baixinho sem conseguir expressar em palavras o que sentia na alma. Olhou para fora, o jardim estava vazio e escuro outra vez.

Mais alguns pequenos incidentes fizeram com que, enfim, Ricardo percebesse que não poderia mais manter as coisas como estavam, precisava tomar uma atitude, principalmente porque também sofria com o estado de Adriana.

Inicialmente, a levaria a um psicólogo. Queria uma opinião profissional. Dependendo da palavra do especialista, tomaria medidas mais drásticas. Antes, porém, conversou com a esposa e lhe explicou o que precisava ser feito. Ela, apesar de saber que seu estado não era dos melhores, ainda relutou um pouco, tentou argumentar, mas acabou concordando.

Contudo, Adriana pediu que Ricardo aguardasse passar o aniversário do casamento deles, que aconteceria dois dias depois, ela faria um jantar especial, só para eles e seu filhinho. Uma comemoração íntima. Ele aceitou sem problemas, achava que poderia fazer bem para a mulher, se ela se mantivesse ocupada com algo importante, além da obsessão pelo filho.

Aqueles dois dias passaram-se rápidos e tudo estava acontecendo como planejado. Adriana ficava alheia, às vezes, parecia pensar profundamente em algo, mas logo voltava o foco ao que estava fazendo.

No dia do aniversário ela dispensou a empregada e passou todo o tempo sozinha com o filho, cuidando dos preparativos e do bebê, quando este solicitava sua atenção.

Quando Ricardo chegou foi recebido à porta por Adriana, que trajava um vestido vermelho, um misto de sério e sexy, se é que isso é possível. Quando Ricardo a viu, teve um vislumbre da mulher que ele amava e que havia mudado tanto nos últimos tempos. Ela estava ali, na frente dele, de braços abertos para recebê-lo. Ele não se fez de rogado, beijou-a com desejo, e os dois entraram sorrindo e abraçados.

Ela serviu um vinho, que ele aceitou sem questionar.

No entanto, já no começo do jantar, ele sentiu-se estranho. Sonolento. Ela perguntou se havia algo errado, ele disse que estava se sentindo mal. Ela o levou cambaleante até o quarto. Ele mal se jogou na cama, já dormia profundamente.

Adriana desceu, fechou todas as portas e janelas da casa. Foi até a cozinha, ligou todos os botões do fogão e pegou o isqueiro que a empregada usava e começou a tocar fogo nas cortinas. O fogo tomava conta rapidamente de tudo na casa, ao seu lado, ela via, agora tão perto que poderia tocar, a imagem de sua mãe, sorrindo para ela.

Ela subiu até o quarto do bebê, o pegou nos braços e começou a entoar uma canção de ninar. Seus olhos expressavam uma ternura e ao mesmo tempo uma distância, como se eles olhassem para uma coisa que mais ninguém poderia ver. A fumaça já havia tomado conta da casa.

Quando as pessoas da rua perceberam o incêndio, não havia mais nada que pudesse ser feito. A casa ardia em chamas, que irradiavam sua luz por todos os lados.

João Barros
Enviado por João Barros em 08/01/2021
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