Noite de bombardeio

- Por favor, não discuta. Terá que sair agora, não está segura aqui.

Eu não queria começar uma discussão no meio de um ataque aéreo noturno, com as sirenes ecoando e explosões de bombas reboando bem perto, mas Tobias tinha um dom para farejar problemas, se assim posso me expressar.

- Eu só estou lhe dizendo que talvez fosse mais seguro esperar o ataque acabar, antes de ir para o abrigo do metrô - argumentei, pegando a bolsa de pano com meus pertences que guardava para emergências - como aquela. Tobias dizia que era a minha "bolsa de ir para a maternidade".

- Os alemães erraram o alvo desta vez - prosseguiu Tobias, enquanto subíamos as escadas do porão do edifício de apartamentos. - Estão despejando aqui as bombas destinadas ao porto, e certamente algumas delas podem colocar o quarteirão inteiro abaixo.

Saímos para a noite que brilhava em alaranjado, com as chamas dos incêndios recortando silhuetas de edifícios. No céu nublado, cortado pelos feixes dos holofotes, explodia a munição das baterias antiaéreas. Nossos inimigos, contudo, pareciam estar invisíveis, voando dentre ou acima das nuvens. Corríamos por ruas desertas, rumo à estação do metrô mais próxima, quando uma explosão aterradora me fez cair ao chão, abraçada à bolsa.

- Tobias! Tobias! - Gritei, sem ver nada devido à poeira dos escombros.

Passaram-se alguns minutos antes que eu conseguisse me erguer e olhar em torno, para avaliar a situação. Pude perceber de imediato que os velhos prédios de tijolos vermelhos, da vizinhança onde eu morava, haviam desaparecido. No lugar deles, chamas e fumaça. Tobias havia acertado de novo.

Agradeci mentalmente a ele e prossegui meu caminho; o inimigo devia estar fugindo de volta à França. Que os nossos rapazes conseguissem lhes dar uma lição, era tudo o que eu podia desejar.

Quando cheguei finalmente à estação do metrô, as baterias antiaéreas já haviam se calado, bem como o ronco dos motores dos aviões entre as nuvens e as explosões das bombas. Instantes depois, as sirenes deixaram de uivar.

Ao me ver sentada à entrada da estação, um homem de meia-idade com a braçadeira da Home Guard me perguntou o que eu fazia ali fora, correndo perigo de vida.

- Não mais - repliquei. - Tenho um amigo que acabou de salvar a minha vida, me fazendo sair de um quarteirão que os nazistas acabaram de pôr abaixo.

- E onde está ele? - Questionou o homem.

Eu ia responder que em algum lugar sob as águas do Canal da Mancha, onde o barco dele fora torpedeado por um submarino alemão, mas o soldado certamente não iria entender.

- Está por aí... nós nos separamos na confusão, mas vai me encontrar se alguma coisa grave estiver para acontecer. Ele tem faro para problemas.

- É bom ter um amigo assim - replicou o homem. - Mas agora, melhor ir lá para baixo com os outros civis. Vão lhe indicar um local onde poderá se abrigar até conseguir outra residência.

Agradeci e segui a recomendação do soldado. Tobias provavelmente teria dito a mesma coisa, se estivesse presente.

Aliás, sob um certo ponto de vista, ele sempre estava.

- [01-01-2021]