A Mediunidade da Minha Mãe

A MEDIUNIDADE DA MINHA MÃE – PARTE 1

Desde que me conheço por gente, minha mãe tinha lá suas intuições, seus dons telepáticos, enfim, eu não sabia, porque era criança, mas a minha mãe era MÉDIUM, e das boas – àquela altura, acho que nem ela se dava conta disso.

Me lembro uma vez quando meu pai teve de viajar a trabalho para Recife e ficou de telefonar, à noite, numa determinada hora. Como naquela época ainda não existia o DDD, os interurbanos eram realizados mediante solicitação feita à telefonista que, tão logo pedíamos a ligação, nos informava o tempo médio que levaria para que esta fosse completada. Às vezes, uma ligação de São Paulo para o Rio de Janeiro levava DUAS HORAS para ser feita!

Voltando ao assunto, naquela noite, minha mãe estava muito ansiosa, pois meu pai não ligava. Ela pegou uma fotografia dele 3 X 4, olhou-a por mais de 5 minutos e, em seguida, o telefone tocou: era o meu pai.

Certa vez, minha mãe começou a cismar com um colega de trabalho do meu pai, e vivia alertando-o para ficar atento ao sujeito, que não tinha bom caráter. Meu pai, sempre cético, dizia que nunca havia notado nada de errado na conduta desse colega e NÃO DEU OUVIDOS à minha mãe. Um tempo depois, esse colega “muy amigo”, puxou o tapete do meu pai na empresa em que trabalhavam!

Minha mãe tinha um sonho recorrente com um caminhão de caixotes. Ela descrevia o caminhão da seguinte maneira: um caminhãozinho velho, com uma pilha grande de caixotes amarrados, pendendo para a esquerda. Sonhou com esse caminhão de caixotes inúmeras vezes. E ninguém entendia o porquê desse sonho.

Em 1972, ela resolveu tirar carteira de motorista. Estudou muito, pois, naquela época, era complicado conseguir uma habilitação. Até motor estudou, mesmo para tirar uma simples carta de motorista amadora!

Tá. Tirou a carteira de motorista. Meu pai e eu fomos dar a primeira volta com minha mãe ao volante. Algumas ruas depois, o que nós três vimos a nossa frente? Acertou quem disse o caminhão de caixotes. Igualzinho ao que minha mãe sonhava, inclusive com a pilha de caixotes amarrados, pendendo para a esquerda. O susto foi tão grande que minha mãe, nervosa, freou o carro abruptamente. Eu, que estava atrás, bati a cara no banco em que estava sentado o meu pai, na frente.

A MEDIUNIDADE DA MINHA MÃE – PARTE 2

Em 1973, meu pai resolveu montar uma farmácia, no bairro do Butantã, em São Paulo. Como não tinha o capital todo, fez sociedade com um amigo (outro “muy amigo”), um tal de Pierre, um francês muito rico, que morava numa região nobre da zona sul da capital (quando eu ia à casa dele, me perdia, de tão grande!). Meu pai, não me lembro por que, pôs a farmácia no nome da minha mãe, mas esta já o vinha advertindo de que o tal Pierre ia aprontar alguma coisa braba mais para frente. Meu pai, é claro, não deu ouvidos a minha mãe e, meses depois, o francês se mandou, levando todo o dinheiro da sociedade e nos deixou com uma porção de dívidas!

Nem assim meu pai se curvou às intuições de minha mãe e dizia que ela cismava tanto com alguém que parecia uma coisa doentia.

O tempo passou e ela voltou a cismar com um outro colega do meu pai. Avisou-o várias vezes que esse colega ia passar a perna no meu pai, sendo que, até então, meu pai estava alguns “degraus” acima desse colega na hierarquia da empresa.

Mas o tempo deu razão a minha mãe: esse homem, com uma jogada aqui e outra ali, foi promovido e passou a ser o chefe do meu pai!

Nessa época, minha mãe já frequentava um centro espírita. Quando começou a desenvolver a mediunidade pra valer, ela fugia das aulas, ou simplesmente não ia. O pessoal do centro ligava lá em casa atrás dela e eu só tinha uma coisa para dizer:

- A minha mãe está deitada no sofá com uma forte enxaqueca!

Quando passava o horário de ela ter que ir para o centro, a enxaqueca, como por encanto, desaparecia!

No dia 2 de novembro de 1984, em pleno Dia de Finados, estávamos minha mãe e eu recolhendo a roupa no quintal, pois estava para cair uma chuva das boas a qualquer momento. Não me lembro o que perguntei para a minha mãe e ela disse:

- Eu não sou sua mãe!

A MEDIUNIDADE DA MINHA MÃE – PARTE 3

Relembrando a parte final do post anteri0r:

No dia 2 de novembro de 1984, em pleno Dia de Finados, estávamos minha mãe e eu recolhendo a roupa no quintal, pois estava para cair uma chuva das boas a qualquer momento. Não me lembro o que perguntei para a minha mãe e ela disse:

- Eu não sou sua mãe!

Na hora, achei engraçado e não dei bola, juro! Subimos para a sala e, aí sim, percebi que a minha mãe estava diferente. Fiz várias perguntas até que, por fim, obtive uma resposta:

- Meu nome é Benedito. Eu sou um espírito que está no corpo da sua mãe.

Achei tudo aquilo o máximo! Comecei a conversar com essa entidade como converso com qualquer pessoa. Um tempo depois, Benedito se despediu de mim, pediu que eu desse um copo com água para minha mãe, e “subiu”. Quando minha mãe “voltou a si”, estranhou ao me ver com um copo d’água a sua frente:

- O que é essa água aí? – perguntou ela, zonza, como quem volta de um transe.

Contei tudo o que havia acontecido e ela entrou em desespero total. Começou a gritar, dizendo que “alguém estava fazendo macumba para ela”, ou seja, não acreditou em uma só palavra do que lhe contei.

As visitas do Benedito começaram a se tornar frequentes, principalmente quando meus pais discutiam.

Certa noite, após discutir com o meu pai, este se fechou no quarto e, logo em seguida, o Benedito “desceu”. Conversou comigo e disse que “não era justo o que meu pai estava fazendo”. Aí, num tom de pura traquinice, disse:

- Quer ver seu pai sair do quarto bravo que nem uma onça?

Fiquei sem saber o que responder e, instantes após, ouvi um barulhão vindo da parte de cima da casa. Meu pai abriu a porta do quarto, eu subi as escadas e vi (ninguém me contou!) o micro-system dele desabado sobre a mesa do escritório. O aparelho estava em uma prateleira muito bem feita e reforçada. Como aquilo despencou de uma hora para outra? É claro que foi “arte” do Benedito.

A MEDIUNIDADE DA MINHA MÃE – PARTE 4

Eu não sabia, meu pai não sabia, ninguém sabia… mas a minha mãe já estava pronta para partir. Vivia adoentada, deitada no sofá da sala, onde às vezes ficava por três dias, levantando-se apenas para ir ao banheiro ou a cozinha. Banho? Nem pensar.

Certa vez, minha mãe foi incumbida de fazer dois pratos grandes de doces para uma festa que aconteceria no dia seguinte no centro espírita. Ela aceitou a encomenda e deixou sobre a mesa da sala duas latas de leite condensado, forminhas para doces etc. E tudo acabou ficando ali mesmo, pois ela se recusava a sair do sofá.

Naquele dia, à noite, eu estava no quarto, escrevendo a minha novela espírita (“Almas Gêmeas”), quando ouvi um barulho de louça sendo lavada. Aí, imaginei: “É a Marlene que veio dar uma força para a minha mãe, coitada”. E continuei escrevendo. Depois de uns 10 minutos, desci para tomar leite e quem encontro na cozinha?

A minha mãe, diante da pia, lavando uma pilha enorme de louça, panelas etc. E com uma energia que eu jamais havia visto na minha vida! Achei curioso aquilo e disse:

- Melhorou, mãe?

- Eu não sou sua mãe! – disse ela com um tom estranho de voz.

Eu, como sempre metido a engraçadinho, disse:

- Tá, você então é o meu pai!

Aí, veio a bronca:

- Saiba, mocinho, que o meu nome é Frida. Sou uma enfermeira alemã, que só veio para ajudar a sua mãe, porque ela tem um filho que não presta para nada, nem para lavar uma louça!

Engoli um seco. Cheguei até a bater boca com a tal de Frida, mas meus argumentos foram insuficientes. No final, Frida, muito brava, disse:

- Pelo menos, faça uma coisa por sua mãe: leve um copo grande com água, pois eu lhe tirei muita energia e a água vai lhe devolver essa energia. Bom, vou levá-la para o sofá…

Quando eu estava passando da cozinha para a sala, já com o copo d’água na mão, notei que havia dois pratos grandes de doces em cima da mesa, muito bem feitos, por sinal. Me arrepiei!

Fiz o que Frida ordenou. Quando minha mãe, já deitada no sofá, abriu os olhos, lá estava eu com outro copo d’água na mão:

- Ai, André, para que você está com essa água aí?

Sentido, pelas broncas que levei de Frida, disse:

- Mandaram te dar!

Minha mãe começou a chorar convulsivamente, dizendo que todos estavam deixando-a louca. Não bebeu a água e, pensando em se levantar do sofá, viu, na mesa da sala, os docinhos que ela teria de ter feito para a festa no centro espírita do dia seguinte.

Parou de chorar e disse:

- A Marlene esteve aqui?

- Não, por quê? – respondi.

- Então… então… foi você quem fez os docinhos, André? Não acredito, meu filho! – e chorou emocionada.

- Não, mãe… quando eu desci, meia hora atrás, os docinhos estavam ali na mesa, prontos… mas nem a Marlene veio aqui nem eu fiz os docinhos.

Minha mãe se descabelou. Começou a gritar que estava ficando louca, que eu estava deixando-a louca, que eu inventava tudo aquilo para deixá-la transtornada. Por mais que eu argumentasse e dissesse que ela vinha recebendo espíritos, não adiantava: ela ficava mais e mais nervosa…

A MEDIUNIDADE DA MINHA MÃE – PARTE 5 – EPÍLOGO

A saúde física e mental da minha mãe deteriorava dia após dia. A cena mais comum de se ver era ela prostrada no sofá da sala, queixando-se de mal-estares e dores. Voltar ao centro e dar prosseguimento ao seu desenvolvimento mediúnico já não estava mais em seus planos.

Notei que o desencarne da minha mãe estava próximo, observando as coisas que começaram a acontecer em uma sequência lógica.

Primeiro todos os gatos que tínhamos – eram três àquela época – foram morrendo um a um. Depois, eu vim entender por que isso aconteceu (se eles ficassem vivos sem a minha mãe presente, sofreriam, pois naquela época eu não sabia cuidar deles, e o meu pai, muito menos, por mais que amássemos ter animais).

Em seguida, foi a minha vez. Como eu relatei aqui em postagem anterior, eu me meti a besta de escrever uma novela espírita, cujo título era “Almas Gêmeas”. O plot central da novela me foi narrado por um dos espíritos que a minha mãe recebia, a doce Ana.

Esse espírito me contou que, um dia antes de seu casamento, quando ela estava encarnada, é claro, ela e o noivo morreram tragicamente em um acidente de carro em uma rodovia.

Bom, voltando um pouco no tempo – uns poucos meses -, eu já tinha 273 capítulos da minha novela escrita e resolvi enviar um desses capítulos ao diretor artístico da TVS (hoje, SBT), o Sr. Crayton Sarzy (desencarnado em 2014). Quando disse isso a minha mãe, ela me esculhambou:

- André, deixe de ser ingênuo. O que você quer fazer, milhares de pessoas fazem. Todo mundo sonha em trabalhar na televisão. Pare de ser infantil.

Apesar das duras palavras da minha mãe, escrevi uma carta a esse senhor, Crayton Sarzy, contei-lhe um pouco da minha história e mencionei o fato de ser vizinho e amigo do diretor de TV Waldomiro Baroni (que desencarnou em 2006). Peguei uma cópia do último capítulo que eu havia escrito da minha novela, o de número 273, e pus tudo no correio.

Dois meses se passaram. Era o dia 13 de março de 1985, uma quarta-feira. Eu estava dormindo e fui bruscamente acordado com a minha mãe entrando no meu quarto, aos prantos (de felicidade), dizendo:

- André, ligaram da TVS. Ligaram da TVS. É para você telefonar lá. Acho que querem alguma coisa com você.

Tomei café, liguei no número que minha mãe havia anotado e, de fato, o senhor Crayton Sarzy queria me ver, no dia seguinte, em seu escritório.

No dia seguinte, 14 de março, quinta-feira, estava lá eu, diante desse amável senhor, que foi logo dizendo:

- André, recebi sua carta, falei com o Baroni e ele disse que eu poderia lhe dar uma chance e é o que estou fazendo...

Apontou-me uma pilha de scripts em cima de sua mesa e disse:

- Aqui há um novela com 201 capítulos. Quero que você leia a novela toda, faça uma sinopse do que você leu e, em seguida, uma outra sinopse, daquilo que você gostaria de mudar na história, mas jamais altere o plot central.

Aceitei a incumbência e, naquele dia, levei apenas 25 capítulos para casa. O restante, um motorista da emissora levaria de carro para mim em casa.

Quando cheguei em casa, vindo do escritório do Crayton Sarzy, carregando os 25 capítulos da novela, encontrei a minha mãe, é claro, prostrada no sofá. Contei-lhe tudo o que havia acontecido, e minha mãe, com um ar aliviado, disse:

- Agora, eu posso ir embora em paz! – insinuando, é claro, que poderia morrer mais tranquila, vendo que eu estava encaminhado na vida.

Sexta-feira, dia 15 de março. Minha amiga Carla me telefonou e disse:

- E aí, vagabundo, não vai vir para a faculdade? As aulas começaram há 15 dias e você ainda não deu as caras por aqui...

Aí, contei-lhe o que havia me acontecido e, com firmeza na voz, disse para a Carla:

- Carla, segunda-feira, dia 18, aconteça o que acontecer, eu estarei na faculdade.

O fim de semana chegou e sábado, dia 16, eu não mexi na novela. Fiz outras coisas.

No domingo, dia 17 de março, à noite, resolvi começar a ler os capítulos, conforme o Crayton havia me pedido. Já eram mais de 22 horas, quando ouvi meu pai, no quarto dele, chamando pela minha mãe. Fui até lá e minha mãe estava lívida (seu tom de pele era acizentado), com os olhos revirados, e o meu pai tentando reanimá-la. Vendo que nada conseguia, meu pai ordenou:

- Chama o seu Odair correndo aqui, André!

Sr. Odair era o nosso vizinho imediato. Ele prontamente atendeu o meu pedido. Ele e o meu pai levaram minha mãe às pressas para o hospital.

Algum tempo depois, seu Odair apareceu em casa pedindo os documentos da minha mãe, alegando que o hospital estava pedindo-os. Eu perguntei a ele, com medo do que eu ia ouvir:

- Seu Odair, dá para salvar a minha mãe?

Ele disfarçou o máximo que pôde, disse que sim, que ela poderia sair dessa, pegou os documentos e voltou para o hospital.

À 1h30 da madrugada do dia 18 de março de 1985, meu pai telefonou do hospital e foi curto e grosso:

- André, ela se foi. Telefona para todo mundo e avisa.

Eu, que na sexta-feira, dia 15, havia dito a minha amiga Carla que iria à faculdade naquele dia 18 de março acontecesse o que acontecesse, paguei a língua.

E, para encerrar, duas profecias da minha mãe se cumpriram: Tancredo Neves foi eleito presidente do Brasil no Colégio Eleitoral, mas não tomou posse, porque veio a falecer naquele triste 21 de abril.

E o grande amigo dela, o Guerra, que já beirava os 90 anos, morreu meses depois da minha mãe, assim como ela sempre dizia desde que eu me conhecia por gente:

- Guerra, eu vou morrer antes de você!

E assim foi. Do jeito que ela sempre falava.

Meses após o desencarne da minha mãe, tive duas experiências: em uma delas, vi nitidamente minha mãe sentada na beira da minha cama, me olhando serenamente.

Na outra, sonhei que a minha mãe “voltava”. No sonho, eu, muito bravo, lhe dizia:

- Volta! Volta! Você morreu! Aqui não é mais o seu lugar!

Esta foi parte da história de Helena Christophe, uma mulher que, desde criança, sempre sofreu. Seu pai (meu avô Renato) era severo e até cruel às vezes com ela. Minha mãe sempre foi doente (tinha asma) e, para piorar, resolveu começar a beber e a misturar a medicação da asma com Novalgina (era uma, das de gotas, por dia) e com bebida alcoólica.

Aí, o resultado não poderia ser outro: desencarnou sofrendo, mas em parte feliz por ver o filho encaminhado na vida. Só que o negócio da novela não deu certo, pois o Silvio Santos demitiu todo mundo da teledramaturgia e eu não tive a minha novela no ar...