O Prisioneiro
Num quarto iluminado, com uma prateleira repleta de livros, um jovem passa horas imerso em suas leituras. Aparentemente solitário, ele está prestes a descobrir que a solidão é uma coisa ilusória.
"Esse escritor realmente é muito bom", pensava o jovem que chamaremos de Johan, "descreve de maneira profunda e comovente os horrores pelos quais passou numa prisão de prisioneiros políticos... Ah, se eu pudesse estar lá para ajudá-lo nas situações difíceis!"
Nesse momento, o jovem pôs o calhamaço de lado, foi até a prateleira e retirou um dos volumes de uma coleção enciclopédica. Se havia uma coisa que Johan mais gostava era folhear as páginas dos livros dessa coleção de A a Z, desse modo ele descobrira esse escritor que estava lendo há pouco, e também uma multiplicidade de literatos, filósofos, artistas, cientistas etc. Agora, ele pesquisava a biografia de alguém citado no livro anterior:
"Está aqui!", verificou Johan, "I..., político e militar, torturador sádico, eliminava os inimigos sem compaixão". Então, depois de ler a biografia, guardou o volume e pegou outro, em busca de outra pessoa que fora citada. De modo que ele leu uma série de biografias de pessoas poderosas as quais faziam parte do governo ditatorial que havia condenado o prisioneiro político do livro anterior.
"Canalhas", pensou Johan, "tanta gente boa assassinada por sua sanha de poder!". Ele já havia lido muito por hoje e precisava ir dormir, mas nesse momento começou a sentir um aperto em seu pescoço, ficando cada vez mais forte... Então, ouviu alguém o repreendendo em voz alta:
— Canalha é você, traidor!!
O aperto no pescoço diminuiu, e Johan viu o rosto do homem que lhe falava... Suas mãos é que lhe apertavam o pescoço, mas agora, descoberto, ele hesitava. Johan reconheceu o rosto, era de uma das biografias que ele havia lido. Mas como era possível? E por que ele o chamava de traidor?
Então, como se estivesse entrando num pesadelo, Johan percebeu que não estava mais no quarto iluminado. Via-se sentado em um chão duro e frio, talvez em uma cela, enquanto o homem da biografia gritava em sua direção:
— Traidor, traidor maldito! Não é hora de dormir, dorminhoco!
— O quê? Por quê?
Nesse momento, o homem desferiu um violento tapa no rosto de Johan, que, sentado no chão, se sentia muito fraco.
Como que acordando de um pesadelo ele se viu de novo no quarto com livros.
"Meu Deus, ainda bem que foi só um pesadelo!" pensou Johan. No entanto, subitamente, ele se viu mais uma vez na cela fria... Agora, o homem da biografia o atacava com socos e chutes.
"Santo Deus, o que está acontecendo comigo?", e sentiu-se de novo no quarto com livros... O homem da biografia não estava mais lá, contudo havia alguém que tentava confortá-lo:
— Acalme-se, amigo, ele não pode te fazer mal algum aqui!
Nesse momento, Johan reconheceu o rosto do escritor do livro, o prisioneiro político.
— Não é possível, você morreu a muito tempo!
— Engano seu, eu estou vivo e não deixei de te acompanhar desde o momento em que você começou a me ler. Também não estou sozinho.
Agora, Johan viu atrás do escritor outros dos seus escritores preferidos.
— Nós gostamos muito de vir aqui neste quarto, a verdade é que você nunca está sozinho.
Johan nunca havia se sentido tão feliz. Mas, novamente, deu-se conta de que estava na cela escura e fria, e o homem da biografia o atacava. Entretanto, ele continuava se sentindo feliz e ria prazerosamente.
— Do que é que você está rindo, traidor? Quer levar outra surra?!
— Estou feliz porque estou confraternizando com meus amigos.
— Que amigos? Só tem você nesta cela.
O homem da biografia não podia ver que a cela estava repleta de amigos de Johan.
Este continuava rindo sem nenhum temor e olhava nos olhos do homem, que estava disposto a espancá-lo novamente, entretanto viu algo no olhar do prisioneiro que o fez hesitar... Então, como que vencido por uma força misteriosa, o homem da biografia exclamou desdenhosamente: "Malditos filósofos!". E, por fim, retirou-se da cela.