Susto no brejo

Susto no brejo (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)

Faltavam cinco minutos para a meia noite. A cidade estava deserta. Não tinha ninguém, ou seja, nenhuma pessoa naquelas imediações. Era época de quaresma, virada de sexta-feira para o sábado. A lua cheia jorrava o brilho em todas as imediações. Podia-se ver até mesmo uma formiga que carregava uma pequena folha, cortada horas atrás, para o formigueiro. Era tudo diferente. Até mesmo o vento soprava incorretamente como se soprava antes.

Gilmar estava bastante aflito. Ele voltada da casa da namorada. Sentia muito medo, mas a distância entre a casa dele e a residência da namorada era curta, mas para ele, seria uma grande eternidade.

Após descer uma pequena rua, mais ou menos uns trinta metros, ele já tinha acesso à rua principal, por mais três quarteirões, ele viraria à direita e por mais cinco casas, ele estaria na vivenda querida.

O tempo ia passando. Os minutos não corriam. Apenas alguns segundos queriam ir mais rápido. Os pequenos passos de Gilmar davam lugar a grandes passadas grandes, porque ele iniciava uma pequena corrida, que terminaria mais rápida e chegaria mais cedo. Desta forma, ele não sentiria os impactos do medo que rondava a mente.

Algumas passadas à frente, ele teve que parar bruscamente, pois dois cães foram ao encontro dele. Um na cor preta e o outro, também, na cor preta. Latiam muito, mas não o suficiente para dominar o jovem. Ele até parou um pouco e disse algo para os caninos. Não se sabe ao certo o que ele disse, mas deveria ser uma frase de “saiam do caminho, deixem eu passar, ou, também, que gracinha são vocês, todos da mesma cor e muito bravos. Deixem-me passar. Hoje é sexta-feira da quaresma, imaginem ser a data do dia treze, data de azar e data de lobisomem, suplico a passagem”.

Assim era o diálogo dele com os amáveis cães, que simplesmente latiam muito, não permitindo o prosseguimento dele naquela rua. Como alternativa, ele teria que voltar e descer por uma pequena rua. No final dela, tinha outra rua que dava acesso à residência, porém era uma rua recém construída e ficava paralela a um córrego. Choveu mais cedo e a água da chuva se acumulou na recém via, transformando ali um pequeno brejo.

Não estando satisfeito e não tendo nova opção, Gilmar se embrenha para a nova rua. Os cães iam latindo atrás dele. Ele aumentou mais os passos e se viu livre deles.

Quando se aproximou da nova rua, seu pensamento era somente chegar à casa. Queria tomar um bom café, comer a maçã predileta, tomar um suco de uva e tirar aquele belo sono no colchão novinho, que recebeu de presente da madrinha. Até este momento, estava tudo bem. Ele, por alguns segundos, esqueceu do medo, esqueceu do lobisomem e até dos fantasmas da quaresma.

Caminhou por mais quatro metros e um som estranho passou entre os ouvidos. Não era tão comum assim, nem mesmo o cérebro atinou para sentir o que era. O barulho era tão misterioso que mal sabia distinguir. Um certo chiado semelhante ao rosnar de alguma coisa. Pensou em correr, mas não tinha força, pois um vulto negro passou à frente. Era um gato preto que cruzou a rua. Gilmar vinha andando rápido e o gato assustou e rosnou para ele. Pasmado com aquilo, Gilmar não teve mais alternativa a juntar mais força e correr.

A lua estava clara e iluminava parcialmente a rua, que ainda não estava iluminada. Via-se o reflexo da lua nas pequenas e grandes poças de água. O vento soprava lentamente e balançava os galhos de algumas árvores às margens do córrego. Sapos ainda cantarolavam em algum canto. O verão estava prestes a terminar. Uma coruja abriu as grandes asas no galho da árvore próxima, por onde Gilmar passava. O barulho foi tão grande que somente ouvia o rapaz dizer e chamar pela mãe.

Já suavizando aquela cena, o garoto se recuperou. Olhou para cima e viu que era somente a coruja e mais nada. Teve mais um pouco de forças e caminhou apressadamente entre poças de água e barro. Afundava os pés em algum local, quase caia em outro e assim ia caminhando até o local onde poderia chegar à morada.

De repente, a luz lunar foi escondendo por trás de algumas nuvens, ficando definitivamente escondida, porque as nuvens eram de chuva. Alguns pingos de chuva começavam a cair, fazendo com que o vento aumentasse mais e balançando outros galhos de árvores que estavam no caminho.

Apressando mais os passos, Gilmar teve que tentar correr, mas afundando em algum lugar, pisando em poças de água ele não movia tão rápido assim. A cada passada, o tempo era maior. Pensava ele que deveria ter enfrentado os cães da rua de cima. Teve em mente tentar voltar, mas os cachorros estavam latindo muito e pareciam estar ferozes. Fez uma pequena parada e olhou para trás. Ele já havia andado uma boa distância e se voltasse, poderia molhar muito, pois ele já sentia os pingos de chuva no corpo e clarões de relâmpagos eram vistos e iluminavam o caminho. Ele se apressou mais e ouviu mais uma vez o barulho da coruja em outra árvore. Desta vez, a coruja estava mais próxima dele e o piado dava a impressão de que ela estava rindo dele ou lhe desejando uma má sorte.

A mente de Gilmar só tinha visão e pensamento para a casa. Custe a que custar, ele teria que ir rápido. O medo era muito e a chuva o fazia caminhar mais depressa possível.

De repente, foi ouvido um forte estalo. Logo em seguida, um grande estrondo de um trovão. Em uma moita de capim bem próxima dele, o clarão iluminou uma figura muito incomum. Sobre uma pequena pedra, de mais ou menos cinquenta centímetros, Gilmar viu uma criatura muito estranha. Tinha pelos bem negros. A calda era branca. O corpo afinado na traseira. As duas patas dianteiras bem firmes na pedra e o pescoço bem esticado. Os olhos vermelhos, as orelhas bem grandes e uma boca aberta onde viam-se dentes grandes e afiados. Ele soprava um ululado bem agudo e olhando para Gilmar. O som daquele uivo penetrava nos ouvidos do garoto. Ele não tinha nenhuma defesa. A chuva iniciando e molhando parte do corpo. Os pés estavam atolando na lama. Os cabelos arrepiados e a boca gritando pela mãe.

Assim, Gilmar teve forças para uma largada incrível. Ficaram para trás o par de sapatos novinhos, a blusa de couro recebida de presente da namorada, o saquinho de biscoitos feitos pela sogra e o boné que estava na cabeça. Não se sabe como, mas Gilmar chegou em casa gritando e acordando os vizinhos. Falava que tinha visto um enorme lobisomem na recém rua do córrego.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 30/08/2020
Código do texto: T7050596
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