A Curva
,olhava. Não conseguia enxergar com precisão. Olhava outra vez e mais uma. Esfregava as mãos aos olhos, forçava as vistas, mas continuava como se tivesse uma areia nos olhos que o tirasse por completo a visão. Tentava chamar e agora sentia o engasgo. A voz não passava pelo pescoço, e tremia o peito, produzindo lá no centro do tronco um grito. Um grito que não passava pelo pescoço. Um olhar que vê tudo e vê nada. Olhava bambo, uma neblina tapava o horizonte. Via uma curva, bem lá na frente, era estranha, coberta por mais neblina e mais cinza. Ia devagar, prestando atenção aos passos. Sentia como se não quisesse, mas ia. Às vezes a neblina encobria o caminho e levava as mãos aos olhos outra vez. E quando voltava a mirar o trajeto, a curva já havia se aproximado um pouco mais. Escutava. Escutava uma melodia bem fraca, sentia que vinha de longe, de muito longe o som daquele piano. Não via nada, mas sentia cada nota, cada tecla sendo tocada delicadamente. Sentia um gosto de chuva e isso era bom. Acalmava o grito e molhava a garganta ressecada. A chuva escorria pros sapatos e isso também era bom. Foi percebendo e se dando conta de que ainda conseguia imaginar. E imaginou. Imaginou um sereno, um fraco sereno caindo sobre a grama. Lentamente, o sereno umedecia suas pálpebras. A musculatura do rosto deu um primeiro sinal. E a curva vinha. A neblina foi se afastando, mas ainda tinha muita por todo o caminho. Imaginou agora umas folhas, todas bem verdes; algumas soltas pairando no vento, outras ainda firmes nas árvores. Imaginou que também podia lembrar. E lembrou. Lembrou-se de certa firmeza, de movimentos mais rápidos, de olhos mais concentrados. Lembrou-se de outros olhos. O peito enchia. A curva vinha. O som, a chuva, o orvalho sobre a grama, as folhas... os outros olhos. Pares e pares de olhos saltavam-no agora e preenchiam os seus próprios olhos. O som do piano trazia vozes e rostos, a chuva caía sobre esses rostos e as folhas verdes apartavam a neblina do caminho. A curva. A três passos de entrar na curva, seu peito inchou o quanto nunca havia inchado. A voz, feito grito guardado, potencializou-se e finalmente passou pelo pescoço. À beira da curva, os músculos agora vibravam, os olhos avistavam, ouvia e sentia tudo perfeitamente. Gritava, chorava, olhava. Não conseguia enxergar com precisão. Olhava outra vez e mais uma. Esfregava as mãos aos olhos, forçava as vistas, mas continuava como se tivesse uma areia nos olhos que o tirasse por completo a visão. Tentava chamar e agora sentia o engasgo. A voz não passava pelo pescoço, e tremia o peito, produzindo lá no centro do tronco um grito. Um grito que não passava pelo pescoço. Um olhar que vê tudo e vê nada. Olhava bambo, uma neblina tapava o horizonte. Via uma curva, bem lá na frente, era estranha, coberta por mais neblina e mais cinza...