Capítulo 1 - Alex Acorda
Ele andava. So andava, sem rumo, direção ou destino. Talvez por que fosse confuso demais o cinza das ruas, talvez por que fosse confuso demais o cinza em sua cabeça. Via tudo passar, o velho shopping, a universidade que frequentara, a praça, na qual se divertira tanto em outros tempos.
Parou! Sem saber porque. Apenas lhe pareceu atrativo parar em frente ao parque, no numero 69.
Lá, tudo estava vazio, como em qualquer outra noite de inverno naquela cidade, mas dessa vez algo o incomodava. Talvez o fato de o lugar, que sempre fora cheio, ja ter lhe trago muita alegria, talvez o fato de que esse mesmo parque fosse uma lembrança de muita dor.
Alex vira ali diversos casamentos,belas festas, e noivas em prantos de alegria, mas vira ali também diversos enterros, alguns dos quais ele não pudera se desvencilhar das lembranças. Ele se deteve de entrar no lugar, não poderia aceitar receber de novo sua dor. Aquilo não algo que ele tinha estrutura para sentir novamente, não naquele momento.
O frio congelante quase partiu seu corpo, e foi quando ele percebeu. Aquela cena toda não o incomodava. O que o incomodava era seu uniforme.
A força policial canadense nunca teve um uniforme bom, mas seu uniforme estava no pior dos estados. Com apenas seus 27 anos, ele parecia mais um mendigo do que um policial.
Esse pensamento dominou sua mente por alguns minutos, enquanto Alex permanecia parado no frio. Tudo isso acabou rapidamente, quando uma onda percorreu seu corpo. Era uma corrente quase elétrica, que parecia o cortar, e toda sua realidade, ao meio.
Tudo girou, sua cabeça era um emaranhado de sentimentos e sensações . Dor, gritos, palavras balbuciadas sem sentido. Ele sentia como se um furação o consumisse, de dentro para fora. As cores e luzes que dominavam sua vista foram escurecendo, e o mundo foi se calando, até ele ter a total sensação de desmaio.
Ele acordou. “ Onde estou?” Pensou, ainda se sentindo zonzo. Ele podia ver um banheiro, um espelho, aparelhos ligados a seu corpo e uma janela, que dava para dentro de algo que parecia ser um... “hospital! Ah meu deus, eu estou em um hospital!” . Ele levantou sua cabeça para ver tudo: as macas, as pessoas, tudo pela janela próxima ao espelho, logo em frente a sua cama naquele quarto de hospital.
O espelho ! Ele demorou alguns segundos para perceber que era um espelho. Não podia ser! Naquele pedaço de vidro ele via algo que não podia ser o próprio Alex.
Ele não era aquela figura maltratada ali. Cabelos pretos bem cortados, e barba bem feita, mas haviam alguns cortes e roxos delineando seus marcantes olhos castanhos, totalmente dominados por olheiras. O mais assustador era o fato do homem no espelho aparentar no mínimo 33 anos. Não que Alex se achasse com cara jovial, mas ele não aparentava mais de 25 anos de idade naquela manhã! Ele era jovem, bronzeado, de cabelos pretos lisos, sempre curtos e uma barba bem delineada, aquela imagem não era dele!
Ele, então, ouviu seu nome. Seu nome! Não estava louco, aquela figura era realmente ele!
Então ele a viu, uma mulher que corria ate ele e o abraçava com força. A mulher, também na faixa dos 30 anos ,não lhe era estranha, os olhos verdes, a pele branca como a lua, os cabelos loiros. Ele a conhecia, já havia visto aqueles traços em outro rosto, aquele andar em outro corpo: um corpo jovem!
Era ela! Julia! A menina do passado. Ela passara o ultimo verão com ele. Tão bela, tão tranquila, a garota vestida de calmaria por quem ele se apaixonara. Agora ela conseguia estar ainda mais bela!
Mesmo possuindo sua calmaria tradicional nos trejeitos, Alex a via mexendo como um furacão. Ela arrumava tudo, como se fosse sua casa, meticulosamente calculando cada movimento. E o que veio depois o deixou ainda mais confuso.
Ela o beijou! Um beijo com uma paixão descomunal, como o de quem quase perdeu o amor da vida. “Mas isso não faz nenhum sentido!”, pensou Alex, mesmo tendo estado muito próximos no ultimo verão, os dois não haviam se visto desde então. Ela voltou para sua pequena cidade nos estados unidos, e ,até onde ele sabia, lá continuara ate aquele momento.
Ele tinha tanto a perguntar, tanto a dizer! Mas toda a sua angústia se resumia a mesma pergunta, aquela que não saiu por um segundo da sua cabeça:
- Que dia é hoje?
- Dia 10 de julho, meu príncipe -disse ela, com seu tom suave, lembrando o apelido que ela o dera.
As palavras soaram tão bem que Alex pode se sentir em casa, pela primeira vez desde que ... ele não sabia desde quando!
Isso! Quando! O dia 10 de julho havia se passado a mais de 5 meses! Ele teve a certeza de sair de casa no dia 20 de novembro, ir ao trabalho, ligar para seu pai!
“Talvez seja só uma brincadeira” ele pensou. “Se Julia voltou e me achou no hospital, talvez seja apenas mais uma piada do seu duvidoso senso de humor”. Mesmo assim, ele tomou a decisão de verbalizar a possibilidade surreal, e quase cômica, que sua mente delineou.
De que ano?- sua voz falhou, não com pânico eminente, mas emitindo um som roco e tosco, de voz enferrujada, pouco usada recentemente.
De 2020 - ela disse, com sua voz doce de sempre. Ao observar a confusão do amado, Julia continuou, ja esboçando sua preocupação nas feições- Meu amor, nos vimos hoje de manha! Antes do trabalho! Nossa comemoração do seu primeiro dia como sargento!
Sargento? Ele era sargento? O que acontecera com o sargento Mattews?
Mas essas eram questões para depois, pois em sugundos, a informação realmente problemática martelou seu pensamento: 2020. O número pareceu agredi-lo . Um calafrio o percorreu sua nuca e ele estremeceu.
Como o próprio Alex ja repassara mentalmente: ele acordou, tomou café da manhã, foi ao trabalho, e ao fim de tudo ligou para seu pai, para discutir o fim de semana em família, no dia 20 de novembro. Do ano de 2015! Se essa estranha mulher, sua estranha mulher, estivesse certa, haviam se passado 5 anos dos quais ele não se lembrava de viver! 5 anos que alguém vivera por ele!
O que ele havia feito? Onde ele estava? Como julia estava ai? Alias, como ele estava com julia? Nada disso poderia estar acontecendo! Onde estava o mundo que ele conhecera!
Seus pensamentos foram interrompidos por uma voz grave e serena, vindo da porta recém aberta!
O paciente precisa descansar. Devo pedir que a senhora se retire. Mais tarde a senhora e o pai do senhor Alex poderão vê-lo!
Alex pensou em contradizer o médico, dizer que estava bem e poderia conversar, mas sabia que nada disso era verdade. Seus olhos pesavam, sua consciência era inconstante, de uma certa forma. E, acima de tudo, seu corpo sentia a fadiga de todos os 5 anos dos quais não sem lembrava. Sendo assim, e aceitando mentalmente o fato de o médico não ter lhe dirigido a palavra, Alex decidiu aceitar sua ordem e descansar: dormir.
Seus olhos se fecharam lentamente, diminuindo cada vez mais seus contato com a realidade e o emergindo na escuridão total. E então ele sonhou.
Não foi um sonho comum, por mais que Alex quisesse se convencer do contrário. Era muito real, real demais, mesmo na plena consciência de ser um sonho, seus 5 sentidos todos estavam aflorados. Ele podia perceber o vento que o percorria, sentir os cheiros, ouvir tudo com perfeição, e mais assustador de tudo, ele não conseguia exercer nenhum tipo de controle sobre o que acontecia!
Ainda assim, ele percorria ,quase de maneira automática, o mesmo caminho de sempre, pela universidade até o parque. Dessa vez, algo estava diferente, os rostos do caminho não eram mais os mesmos, as formas de andar, as palavras, não eram mais as comuns, agora ele se via meio de jovens estranhos a ele, falando algum tipo de língua que ele não conseguia identificar bem. Por mais inusitado que isso fosse, ele seguiu buscando alguém que ele pudesse reconhecer.
Então ele percebeu. O garoto, falando da mesma forma, com as mesmas roupas, os mesmos um metro de oitenta, com o corte militar, os cabelos e olhos negros, complementando a pele queimada de sol. “Finalmente uma figura conhecida” foi o pensamento inicial de Alex, que foi interrompido pela lembrança daquele rosto. Ele realmente ja havia visto aqueles traços, há mais de 10 anos, pelo espelho! Aquele era Alex! Ou o que quer que Alex ja tenha sido! Seria um clone?
Alex tentou gritar, parar o garoto, correr ate ele, interrogá-lo. Esforços em vão! Ninguém ali parecia reconhecer sua existência, ou sequer ouvi-lo. Se aquilo era algum tipo de pesadelo, com certeza era o pior pesadelo que ele poderia ter!
Sua angústia foi levemente aliviada quando alguém o parou. Um homem, já na quinta década de vida, ou assim Alex imaginava. Com seus grandes olhos castanhos, grisalho, entretanto de aspecto jovial, os cabelos um tom cinza levemente desbotados, a pele levemente vermelha, ainda sem rugas, a barba perfeitamente aparada, mostrando o total cuidado com a aparência. Por um segundo Alex o achou parecido a seu pai. Mas esse pensamento foi rapidamente interpelado quando o homem disse:
- Eu sei quem você é! Assim como você sabe quem ele é, a historia se repete, mas você pode mudar isso. Você pode faze-lo lembrar!
“O que?” Alex dizer, tentou gritar, se mover, mas, dessa vez, não houve resultado algum. Ele sentiu seu corpo se esvair daquele local, como se retornasse, dele para o lugar original. A sensação continuou, como uma leve briza levando sua consciência de volta para onde deveria estar, ate ele se perceber, na maca de hospital, com os olhos fechados.
Ele acordou de novo, dessa vez para a visão de Julia e seu pai sentados de frente para ele, como expressões de extremo alívio. “Ele estava melhor”, era o que eles diziam. Contavam que, naquela manhã, antes de chegar ao trabalho, ele batera o carro, e desmaiou, o que causou sua ida ao hospital, que exames foram feitos, mas todos o mostravam bem. Naquele momento, Alex sentiu alivio pela primeira vez: ele realmente não estava louco.
Naquele cenário, ele fazia o que podia para ignorar seu estranho sonho, mas ele não conseguia fazê-lo. Aquela certeza, aquela certeza estava em sua cabeça, nas raízes mais profundas do seu inconsciente. Ele sabia, sabia o que tinha que fazer:. Só aquele garoto poderia explicar o ciclo. Alex sabia que aquele garoto não era ele próprio, mas ao mesmo tempo algo os ligava. Ele tinha que achar o garoto que era como ele, para entender o que lhe aconteceu. Ele tinha que se achar.