Autorretrato
Quando criança, não via malícia ao ouvir.
- Ó, quão belo é você!
O indo e vindo das estações fez florescer fios dourados que cobriram-me como manto, escondendo minhas orelhas, nuca, chegando a tocar meus ombros. Na face, um semblante suave e sereno, adornado por finas sobrancelhas, róseos lábios e a cada nova primavera tinha os olhos azuis cada vez mais e mais viciados pela sedutora imagem da silhueta feminina. O corpo forte de um divino grego, fora se transformando no habitat de minha alma, a qual pouco a pouco corrompida por minhas atitudes egoístas levou-me ao prazer de saborear o deleite na conquista daquela a mim destinada na criação.
A musa sofre, chora e ressentida assiste ao seu jovem amado se lançar nos braços de tantas outras, aquele que perdera a inocência e já via malícia quando diziam.
- Ó, quão belo você é!
Maldito sou, por maltratar a quem me amou, usá-la e descartá-la e repetir inúmeras vezes o ato cretino. Condenado estou pela luxúria lucrada por minha beleza, afogado nas lágrimas infindas daquelas que lancei ao sofrer e acorrentado num inferno sonoro, que executa sempre a mesma música cujo refrão é NARCISO, NARCISO, NARCISO...