As flores juninas
Alguém na soleira da porta espanta o breu que fez noite em nós.
É uma mensagem do divino, chegada de manhã bem cedinho.
Dizia-se no pergaminho escrito:
- Aprendam antes tarde do que nunca !
E matutei com essa frase por dias na cachola.
Os parafusos caídos da caçarola.
O teto gotejando o orvalho da aurora boreal.
Até agora era normal pensar em títulos, em contas a pagar, em desaforos engolidos no trabalho. Mas a partir dessa mensagem nada disso fazia mais sentido.
Era importante viver com dignidade, só isso. Se equilibrando com palavras amenas na corda bamba da existência. Fazendo a sopa com as verduras sobradas da feira. Ser alegre sem ostentação. Extrair o melhor do amor, e não dar mais vez à indecisão:
"Amar ou não amar, eis a questão". Talvez não precise de Shakespeare para adivinhar essa interrogação. Porque além-mar ainda bate em nós ondas que insistem em amar e por mais que o mundo diga o contrário, intimamente, já sabemos a resposta.
Foi assim que deixei de me sentir um náufrago. Encarei os problemas de frente. Buscando viver um dia de cada vez, como a essência das flores na primavera. Elas não são o todo das flores. Porque esta precisou do adubo orgânico no verão. Hibernou seus pólens no inverno para guardar para os pássaros pacientes. Derribou suas folhas, sua seiva no outono. E na estação mais bela, soube aguardar seu triunfo, seu espetáculo, onde as pétalas miravam o céu de um azul anil e as flores pentândricas bailavam ao som de Tchaikovski.
Belas flores! Algum invejoso hipócrita dardejava sua secura. Porém, nem este assombrado, nem as moças que usavam essas flores em seus cabelos no dia da festa junina imaginavam o trabalho que a minha natureza teve para cultivá-las.