201 - As Sombras
Ela vinha do fundo da sala e ficava quieta a olhá-lo. Depois, sentia-lhe os dedos a envolver-lhe a cabeça e os ombros sem o tocar e, quando se concentrava nela, vi-a a sorrir alongando os olhos por cima dos óculos num beijo que lhe trazia a antiga paz. Era a avó, falecida quando ainda ele era menino. Outra das recordações que, sob a forma de corpo chegara a seguir, tem já maduros os gostos e quer ensiná-lo a amar. E ele recusa, tem medo, é ainda cedo para dominar a voz bitonal, o acne a borbulhar-lhe o rosto, as mãos geladas de inquietação. E foge agora desviando o pensamento como fugiu antes para a rua que fervia de gente apressada. Com a noite a deslizar lenta pela insónia, retomou a leitura de “Barranco de Cegos “ de Alves Redol e, por isso mesmo, voltou aos anos sessenta, data da sua aquisição numa Feira do Livro. Ao tempo ainda crescia mas algo lhe pedia aventura, experiências novas, ousadias que nunca supôs ser capaz de ter. – Despe-te, disse-lhe. Ficou a admirar a boca grossa, os seios delicados, os braços finos, as coxas firmes na lisura mascava. E ficaria assim naquele encantamento não fossem os protestos de quem, lá fora, esperava a sua vez. E acabou tudo ainda mal tinha começado, a vestir-se à pressa, a pagar e a sair de cabeça baixa e com uma dor indefinida no peito. Depois de tantos anos a aprender, ali estava de novo inseguro, de novo assustado, outra vez a desejar que alguém viesse para o amar.