A Guardiã do Rio Vermelho
Depois de viajarmos o dia inteiro por um longo trecho do rio Itacaiunas e um trecho menor do rio Vermelho, chegamos, com nossa pequena canoa, ao local onde passaríamos a primeira noite das quatro que havíamos planejado.
O sol já estava se pondo. Era uam bola de fogo vermelha, cujos raios davam uma cor avermelhada às águas do rio, que, exagerando um pouco, lembrava sangue escorrendo. Nos apressamos em descarregar uma parte da bagagem, caixas de isopor com gelo, panelas, redes de dormir e talvez mais algumas tralhas. Deixamos na canoa, apenas, as redes de pesca que teríamos de estender na água o mais rapidamente possível, já estava escurecendo. Enquanto descarregávamos, tive a impressão de que estávamos sendo observados. Pareceu-me ter visto alguns vultos. Assustei-me um pouco, mas não falei nada ao meu padrasto, precisava demonstrar coragem, apesar de ser, não mais que um garoto franzino de 14 anos de idade.
Deixamos as coisa ali, entramos de volta na canoa e fomos colocar as redes no rio. Descemos um pouco e estendemos algumas. Retornamos para estender as restantes um pouco mais acima. Ao passarmos em frente ao local de nossa pernoite, ouvi uns sons que pareciam vozes humanas, risadas de crianças, tudo confuso, não podia afirmar nada. Aquilo era coisa de minha cabeça! Devia ser o medo que estava querendo me dominar, já tinha ouvido os mais velhos dizerem que quando o medo nos domina, ouvimos vozes e vemos assombrações.
Estava escuro. O lugar, por ser muito distante da cidade, era extremamente ermo, levava dias sem que ninguém passasse por ali. A mata era muito densa. Havia uma diversidade enorme de animais naquela região, desde onças até os menores e mais exóticos roedores noturnos. Tudo ali emitia som, ainda mais àquelas horas, quando se dava a troca de turno dos viventes da mata. Era o período de tempo em que uns encerravam suas atividades e se agasalhavam para dormir, e outros, começavam a sair de suas tocas para começar a andar. Não havia outra explicação para o que eu supunha ter visto e ouvido, senão o medo dos segredos próprios da noite na mata.
Terminamos de colocar as redes e voltamos. Assim que chegamos ao nosso rancho, juntamos uns pedaços de galhos secos e fizemos nossa fogueira, que cumpria duas funções vitais para nós, servia para assarmos nosso alimento e também para afugentar os perigos que a floresta apresenta durante a noite. Limpamos uma área em volta da fogueira e armamos nossas redes de dormir a uma distância de uns quatro metros uma da outra, deixando a fogueira entre nós.
Estávamos cerca de seis ou sete metros do leito do rio. Entre nós e a água, havia, além de inúmeras árvores pequenas, uma grande gameleira, cujo tronco media uns dois metros de diâmetro e a copa cobria uma extensa área. Na parte do caule que dava para o nosso lado, havia uma cavidade suficientemente espaçosa para abrigar três ou quatros pessoas.
Por volta de nove horas, fomos despescar as redes. Quando retornamos, assamos um peixe e, enquanto comíamos, ouvi uns sussurros bem próximos a mim, vindos da cavidade da árvore. “Meu Deus! O que está acontecendo comigo? Já passei tantas noites na mata, por que hoje estou com esse medo?”, pensei. Acabamos de comer e nos deitamos.
Enquanto esperávamos pelo sono, trocamos umas poucas palavras e nos aquietamos. Fiquei olhando o fogo, aquele fogo vermelho que tremulava, quando vi vários rostos se formarem na fumaça que subia. Meu corpo foi tomado por um arrepio generalizado, minhas carnes tremiam, fechei rapidamente os olhos decidido a não abri-los antes das cinco da manhã, quando levantaríamos para tirar as redes do rio.
Passados alguns minutos, comecei a cochilar. De repente, ouvi a voz de meu padrasto a me chamar com um tom assustado:
--- Francisco?! Francisco?!
--- Senhor! --- respondi.
--- Desata a rede, pega as coisas e vamos embora.
Sem perguntar nada, fiz o que ele tinha mandado. Apressadamente, entramos na canoa e saímos procurando um outro lugar para dormir naquelas margens de rio. Quase uma hora depois, encontramos. Logo que nos alojamos, meu padrasto resolveu me contar o que havia acontecido. Com uma voz meio trêmula que nunca antes tinha visto nele, disse:
--- Quando eu estava começando a dormir, ouvi uma voz me chamando. Olhei para o tronco da árvore, de onde a voz vinha, e vi várias crianças cantando e dançando em meio a um monte de velas acesas. De repente, apareceu entre as crianças, uma mulher alta, num longo vestido vermelho e com os cabelos esvoaçados. Ela saiu de lá, veio até próximo à minha rede, olhou nos meus olhos e disse: “Está na hora de ir embora!”, deu meia volta e entrou na árvore.
Ouvi aquilo, entendi o que vinha acontecendo comigo desde o momento em que havíamos chegado ali. Mas, juro que daria uma fortuna se a tivesse, para ouvir aquela história depois que o dia tivesse amanhecido. Aquela foi uma das noites mais longas de minha vida.
Depois de viajarmos o dia inteiro por um longo trecho do rio Itacaiunas e um trecho menor do rio Vermelho, chegamos, com nossa pequena canoa, ao local onde passaríamos a primeira noite das quatro que havíamos planejado.
O sol já estava se pondo. Era uam bola de fogo vermelha, cujos raios davam uma cor avermelhada às águas do rio, que, exagerando um pouco, lembrava sangue escorrendo. Nos apressamos em descarregar uma parte da bagagem, caixas de isopor com gelo, panelas, redes de dormir e talvez mais algumas tralhas. Deixamos na canoa, apenas, as redes de pesca que teríamos de estender na água o mais rapidamente possível, já estava escurecendo. Enquanto descarregávamos, tive a impressão de que estávamos sendo observados. Pareceu-me ter visto alguns vultos. Assustei-me um pouco, mas não falei nada ao meu padrasto, precisava demonstrar coragem, apesar de ser, não mais que um garoto franzino de 14 anos de idade.
Deixamos as coisa ali, entramos de volta na canoa e fomos colocar as redes no rio. Descemos um pouco e estendemos algumas. Retornamos para estender as restantes um pouco mais acima. Ao passarmos em frente ao local de nossa pernoite, ouvi uns sons que pareciam vozes humanas, risadas de crianças, tudo confuso, não podia afirmar nada. Aquilo era coisa de minha cabeça! Devia ser o medo que estava querendo me dominar, já tinha ouvido os mais velhos dizerem que quando o medo nos domina, ouvimos vozes e vemos assombrações.
Estava escuro. O lugar, por ser muito distante da cidade, era extremamente ermo, levava dias sem que ninguém passasse por ali. A mata era muito densa. Havia uma diversidade enorme de animais naquela região, desde onças até os menores e mais exóticos roedores noturnos. Tudo ali emitia som, ainda mais àquelas horas, quando se dava a troca de turno dos viventes da mata. Era o período de tempo em que uns encerravam suas atividades e se agasalhavam para dormir, e outros, começavam a sair de suas tocas para começar a andar. Não havia outra explicação para o que eu supunha ter visto e ouvido, senão o medo dos segredos próprios da noite na mata.
Terminamos de colocar as redes e voltamos. Assim que chegamos ao nosso rancho, juntamos uns pedaços de galhos secos e fizemos nossa fogueira, que cumpria duas funções vitais para nós, servia para assarmos nosso alimento e também para afugentar os perigos que a floresta apresenta durante a noite. Limpamos uma área em volta da fogueira e armamos nossas redes de dormir a uma distância de uns quatro metros uma da outra, deixando a fogueira entre nós.
Estávamos cerca de seis ou sete metros do leito do rio. Entre nós e a água, havia, além de inúmeras árvores pequenas, uma grande gameleira, cujo tronco media uns dois metros de diâmetro e a copa cobria uma extensa área. Na parte do caule que dava para o nosso lado, havia uma cavidade suficientemente espaçosa para abrigar três ou quatros pessoas.
Por volta de nove horas, fomos despescar as redes. Quando retornamos, assamos um peixe e, enquanto comíamos, ouvi uns sussurros bem próximos a mim, vindos da cavidade da árvore. “Meu Deus! O que está acontecendo comigo? Já passei tantas noites na mata, por que hoje estou com esse medo?”, pensei. Acabamos de comer e nos deitamos.
Enquanto esperávamos pelo sono, trocamos umas poucas palavras e nos aquietamos. Fiquei olhando o fogo, aquele fogo vermelho que tremulava, quando vi vários rostos se formarem na fumaça que subia. Meu corpo foi tomado por um arrepio generalizado, minhas carnes tremiam, fechei rapidamente os olhos decidido a não abri-los antes das cinco da manhã, quando levantaríamos para tirar as redes do rio.
Passados alguns minutos, comecei a cochilar. De repente, ouvi a voz de meu padrasto a me chamar com um tom assustado:
--- Francisco?! Francisco?!
--- Senhor! --- respondi.
--- Desata a rede, pega as coisas e vamos embora.
Sem perguntar nada, fiz o que ele tinha mandado. Apressadamente, entramos na canoa e saímos procurando um outro lugar para dormir naquelas margens de rio. Quase uma hora depois, encontramos. Logo que nos alojamos, meu padrasto resolveu me contar o que havia acontecido. Com uma voz meio trêmula que nunca antes tinha visto nele, disse:
--- Quando eu estava começando a dormir, ouvi uma voz me chamando. Olhei para o tronco da árvore, de onde a voz vinha, e vi várias crianças cantando e dançando em meio a um monte de velas acesas. De repente, apareceu entre as crianças, uma mulher alta, num longo vestido vermelho e com os cabelos esvoaçados. Ela saiu de lá, veio até próximo à minha rede, olhou nos meus olhos e disse: “Está na hora de ir embora!”, deu meia volta e entrou na árvore.
Ouvi aquilo, entendi o que vinha acontecendo comigo desde o momento em que havíamos chegado ali. Mas, juro que daria uma fortuna se a tivesse, para ouvir aquela história depois que o dia tivesse amanhecido. Aquela foi uma das noites mais longas de minha vida.