O FEITIÇO DA PRIMA ISABEL

Ao viajante que chegasse à Miracema do Norte, vindo de Miranorte, pela BR 153, haveria de notar, logo ali na entrada da cidade, próximo à placa onde se lê “Bem-vindo à Miracema”, um casarão assobradado e abandonado, no meio do mato, à sua direita. Pois bem, ali viveu, há quase trinta anos, Madame Yeda, conhecida como a Bruxa dos 66. E, foi através de suas adivinhações que a prima Isabel descobriu o feitiço. Crentes e cristãos persignavam-se ao passar por ali...

- Jesus, Maria, José! Tá repreendida em nome de Jesus! Vá de retro Satanás!!

O casarão de Madame Satã, como era conhecida, não se diferenciava daqueles que víamos em filmes de terror. Acrescenta-se que havia uma escadaria com trinta e três degraus cujos balaustres ostentavam uma caveira em cada ponta e de cada lado, perfazendo um total de 66 ornamentos macabros. Diziam que eram as cabeças dos homens que ousaram ter algum tipo de relacionamento com a Madame Macabra. Por isso, passou a ser chamada também de “A Bruxa dos 66”.

Isabel chegou aflita para a consulta. Ao longo de 30 minutos de espera deixou escapar alguns suspiros e soluços... A mulher traçou um pentagrama de giz sobre a mesa, no centro acendeu uma vela vermelha... jogou os búzios...concentrou-se nos resultados...

- A Senhora tem uma grande decepção em sua vida? – Começara a consulta da prima. Como ela poderia saber?

- Ele é forte e bonito... mas, tem um grande despacho contra ele. Fizeram um serviço bem feito para separar vocês.

Realmente, era tudo que ela precisava saber. Em seguida ouviu da mulher que era preciso urgência para desfazer o mal feito. Precisavam cumprir um ritual. Teria ela que trazer alguns ingredientes raros: olhos de gato preto; patas de coelho e ervas medicinais complexas, algumas bebidas para alegrar as entidades que seriam convocadas, charutos e cigarros, enfim,... tudo para finalizar a mandinga. Em sete dias ela teria que voltar... à meia noite.

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Isabel passou a sexta-feira aflita. Era o dia marcado. Conseguiu todos os ingredientes necessários. Os olhos de gato foram mais difíceis. Teve que pagar para o velho Silomar capturar e subtrair os amuletos mágicos, mas valia a pena. Era seu futuro que estava em jogo. Ela sabia que era aquela sirigaita. Tava na cara que ela dava em cima do Samuel. Era lindo, estudava medicina. Uma aproveitadora, isso sim! Iria pagar caro pela macumba. Ela mandaria de volta!

Com tais pensamentos minha prima se encaminhou para o casarão macabro, por volta da meia noite. Porém, antes de chegar ao destino um grande clarão lhe chama a atenção...Não!!! É o casarão!!! Está em chamas!!! Alguns homens saem correndo pelo meio do mato. Alguns levavam as tochas ainda acesas. Isabel ouve os gritos desesperados de dor

AAAAHHH!!!! Malditos!!!! AAAAHHHH!!! Amaldiçoados sejam!!!!

Amarrada a um poste, de olhos vendados, Madame Yeda ardia no meio das chamas, ao lado do seu casebre. Colocaram lenha e atiçaram fogo naquela que acreditavam ser a Senhora das Trevas, responsável por muitos malefícios ali, naquele lugar. Fugiram, os covardes, quando viram alguém se aproximar.

- Meu Deus, e agora!? Como vou desmanchar o feitiço daquela desgraçada!?

A prima Isabel parece que morreu junto com a Bruxa dos 66. A partir daquele dia a vida ficou sem sentido. Como quebrar o feitiço se Madame Satã estava morta? Como recuperar o seu amado se todos os ingredientes e as fórmulas mágicas haviam se perdido? Quem poderia lhe restituir o ânimo de viver novamente? As perguntas iam se multiplicando, as respostas nunca chegavam. Sete vezes sete dias se passaram... e nada!

Foi por esse tempo que a prima Isabel recebeu outro choque. Samuel iria se casar em breve. Com aquela sirigaita!?

- Sim, minha filha! Recebi o convite! Vai ser uma grande festa no clube da cidade!

- Não pode ser! Meu amado se casando com outra! É o feitiço! Meu Deus, o que eu faço?

Nada poderia ser feito. Isabel se trancou no quarto e chorou. Sua beleza espontânea, com o tempo foi sendo tragada pelas lágrimas. Samuel se tornou o Dr. Samuel. Casou, teve filhos e levou uma vida tranqüila com a rival de Isabel. Será que sabia do feitiço?

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Há vinte anos, uma mulher morrera queimada nas imediações de Miracema. Diziam que era uma Bruxa perversa. O que ninguém sabia é que a criança conseguira sobreviver. A menina correra para longe, antes dos homens chegarem e,... levou o Livro!

Samantha tem a mesma pele morena da mãe. Herdou seus poderes sensitivos, estudou as ciências do ocultismo e leu as fórmulas mágicas que Madame Yeda deixou transcritas naquele livro de capa preta que ela levou consigo. Lembrava-se vagamente do dia do incêndio. Não viu o martírio da mãe. Conseguiu uma carona e chegou ao destino: Minas Gerais, onde a Tia Cassandra a recolheu.

- O Senhor teve uma grande decepção na sua vida! Há pessoas invejosas que estão lhe obstruindo os caminhos! É um feitiço, mas pode ser quebrado!

Depois de orientar o cidadão, a vidente Samantha, encerrava mais um dia de expediente. Olhou o Livro de cabeceira, herança de sua mãe. Os últimos escritos continham três nomes: Isabel, Samuel e... Nunca conseguiu desvendar o terceiro nome... estava borrado.

Aos vinte sete anos, Samantha é uma jovem bela e sedutora. Traços firmes e delicados. Unhas pontiagudas e olhar felino. Seria ela Bruxa ou Feiticeira? Não! São coisas diferentes! É certo que a Bruxa já nasce com seus poderes, a feiticeira não! Será? Estava envolta em tais pensamentos quando alguém bate à sua porta.

- Já encerramos o atendimento por hoje!

- Por favor! Eu venho de muito longe para ver a Senhora!

Ao abrir a porta, Samantha se deparou com uma mulher semi-acabada, olhar perdido no horizonte. Devia ter uns cinqüenta anos, mas aparentava muito mais. Cabelos brancos e desalinhados. Toda ela aparentava trazer a dor do sofrimento eterno. Não estava mal vestida, porém, a alma necessitava de outra roupagem. Samantha teve o pressentimento de que já conhecera aquela figura.

- A Senhora é a filha da Madame Yeda?

- Sim! Em que posso ajudá-la?

- Meu nome é Isabel! Pelo amor de Deus, me ajude a desmanchar o feitiço!

Então, a infeliz Isabel narrou toda sua trajetória. Seu amado Samuel arrancado de seus braços por conta de uma mandinga, um tenebroso despacho, um feitiço quase indestrutível. Ela, porém, nunca desistiu, haveria de lutar até o fim contra o poder do mal que os afastara. Com certeza ele ainda a ama. Ela vai ter que ser feliz!

Samantha, a filha de Madame Yeda, marcou um prazo de sete dias para consultar os entes das mais diferentes esferas do desconhecido. Dali uma semana teria uma resposta definitiva. Ao cabo desse prazo lá estava a prima Isabel...

- Os transcendentais me revelaram que o feitiço que afetou Samuel e separou vocês dois, jamais poderá ser quebrado, pois ele se chama...

O nome foi revelado ao pé do ouvido da tresloucada Isabel. Não quis ouvir mais nada. Saiu em desabalada carreira, gritando pelas ruas: Não pode ser verdade! Não pode ser verdade!

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Znascimento