Ressurreição

“...E a terra deixará que os impotentes na morte voltem a viver “ – Isaías 26:19

Sentiu seus pulmões de repente se inflarem de ar, fazendo-o finalmente acordar do sono eterno a que estava condenado, as primeiras palavras que vieram à sua mente foram:

- Como somos finitos!

Estava deitado em um espaço que parecia aos seus olhos um imenso campo ladeado por altos muros do qual só se via alguns pedaços aqui e ali pois a vegetação cobria quase tudo sem deixar rastros, a brisa da manhã tocava o seu rosto de leve lhe dando uma sensação de imensa paz, não reconhecia aquele lugar, tentou se lembrar de quem era, mas nada lhe vinha à mente, todas as coisas que os seus olhos viam ali careciam de um nome, no entanto a frase reverberava na sua mente.

-Como somos finitos!

Sentia cada músculo do seu corpo vivo, pulsar, vibrar, ao ficar de pé, notou que aquele local há muito não recebia visitas. Próxima ao que parecia ser a saída haviam várias casinhas que pareciam brotar do chão, encimadas por objetos de vários formatos e tamanhos, ora eram duas hastes que se cruzavam ora pareciam estátuas de... crianças era isso? Pensou, a mente ainda vagava confusa, mas era isso crianças com o traseiro a mostra com pequeninas asas tentando acender aos céus.

Tinha a sensação que ficara naquele local abandonado por anos, décadas talvez, a mente não conseguia atinar em nada.

As ervas daninhas cresciam por todas as partes abundante, tomavam conta de tudo, mesmo de dentro daquelas casinhas engraçadas a vegetação parecia sair ainda mais viçosas, os seres que um dia moraram ali certamente foram libertos por esse poder verde, de onde acordou não havia nada sobre ele, será que não dera tempo de construir algo sobre si? Ponderou. Mas enfim ele também estava recebendo a sua liberdade, seu lugar não era mais ali, o cérebro tentava processar tudo o que estava acontecendo mas era em vão, eram tantas as perguntas; o que ele fazia naquele lugar? Aliás o que era aquele lugar? Como ele havia parado ali? Quanto tempo ele aguardou? Quem o trouxera de volta? Parecia que tinha dormido por tanto tempo, um sono tão pesado, sem sonhos nem nada...

Ao mesmo tempo que procurava a saída ouvia o barulho que faziam aqueles pequenos seres de asas que voavam pelos ares de um lado para o outro, como era o nome deles mesmo? O rosto se contorceu num espasmo, os olhos virados, até que a palavra veio, clara e inequívoca:

-Pássaros. Pássaros! Era isso, repetiu satisfeito.

Aproveitou para olhar mais longamente para o alto a procura de quem sabe uma resposta mas o que encontrou foi um azul tão profundo e como era o nome daquilo mesmo espalhado pela extensão celeste? Algodão?! Sim! Uma imensa quantidade dele espalhado por todos os cantos dos céus, em algumas partes parecia que dava pra encher as mãos, já em outros todo o algodão parecia desaparecer aos poucos em pequenas manchas esfiapadas, ficou absorto, percebeu que de tempos e tempos os formatos iam mudando adquirindo formas que ele pelejava pra se lembrar mas era em vão.

Decidiu concentrar suas atenções aonde estava e era inegável perceber o coração pulsar cada vez mais rápido, experimentava uma alegria infinita de estar vivo.

A frente o vento produzia pequenos redemoinhos levantando do solo montículos de folhas secas e amareladas. Cada farfalhar produzido pela natureza era digno da sua atenção.

De repente se sentiu sobressaltado, algo ali não se coadunava, aquelas casinhas semidestruídas, como era o nome daquilo mesmo? Que aversão! Tão contrário a vida, pensou.

Túmulos...

Lembrou-se, túmulos era isso. T-Ú-M-U-L-O foi balbuciando cada letra, cada sílaba, a palavra nova e ao mesmo tempo presa a um passado tão distante, cada vez que a repetia o coração palpitava como se a linha que separasse o passado e o presente fosse se tornando cada vez mais tênue até que finalmente se rompeu...

Um brilho iluminou a sua mente, todas as memórias voltaram...o coração por um instante parecia ter parado, era isso pensou um dia ele já sentira tudo aquilo...Um turbilhão de imagens e sons surgiu no seu cérebro todos querendo sua atenção...

Cenas de uma praia, a voz da mãe o chamando, o vento embaraçando os seus cabelos, o sol queimando a pele, em algum momento no passado ele vivera tudo aquilo, existira de fato, depois inexplicavelmente deixara de existir e assim permanecera por uma quantidade incalculável de tempo, agora ele sentia cada molécula do seu corpo, cada átomo presente, ficou a um passo da saída do portão, as lágrimas rolavam pela sua face, quão grato estava, que regozijo novamente existir. Sim, Alguém o chamou de volta, o acordou do seu sono de séculos, Alguém sentiu sua falta. Algo bom ele fez no passado para ser lembrado, só pode ser isso pensou.

- Somos infinitos! Exclamou antes de se esgueirar pela abertura do grande portão de ferro que separava o mundo dos vivos e dos mortos.

NÁSSER AVLIS
Enviado por NÁSSER AVLIS em 30/03/2020
Reeditado em 03/05/2020
Código do texto: T6901863
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