164 - Cento e Sessenta e Quatro
Quando o homem de virtudes lhe deu as ervas para beber em chá, para macerar e colocar nas dores mais resistentes avisou-o de que, quando lhe não doesse nada teria visitas. Que as tratasse com simpatia. Ele voltaria quando pudesse. Saiu sem se despedir deixando-o descoberto, barriga exposta, as vergonhas a verem-se e a porta aberta. Veio logo a cunhada saber do que precisava e para se inteirar da receita. Apontou-lhe o molho de vegetais e explicou, entre ais, o que fazer. E logo descansaria de agulhadas e ardências, de dentadas nos ossos, de convulsas tremuras dolorosas. Preparava-se para dormir quando eles chegaram, mínimos, a querer histórias, a exigi-las sob pena de lhe arrancarem os pelos do bigode ou os outros se fosse preciso. Que poderia interessar aos anões, às crianças de invenção, aos gnomos que o bruxo deixou no poder das ervas? Foi pois entre o pavor das dores e a criação de narrativas que a vida se mudou talvez para melhor.