O PALÁCIO DA LUA CHEIA
POR JOEL MARINHO
POR JOEL MARINHO
Nunca duvide de nada
Se alguém chegar contando
Mesmo não acreditando
Fique de boca calada
Se for coisa de “outro mundo”
Chega a ficar mais profundo
Não precisa você crer
Só não faça zombaria
Já vi gente em agonia
Louco na estrada a correr.
Se alguém chegar contando
Mesmo não acreditando
Fique de boca calada
Se for coisa de “outro mundo”
Chega a ficar mais profundo
Não precisa você crer
Só não faça zombaria
Já vi gente em agonia
Louco na estrada a correr.
A HISTÓRIA DE UM PALÁCIO DESAPARECIDO
Havia uma lenda na pacata Vila de Enviral das Neves de que ali tinha existido a muitos anos atrás um enorme palácio de um rico português conhecido por Antônio Manuel Cândido, o qual foi sucumbido por um terrível maremoto, segundo informações destruiu todos existente ali, restando apenas a lenda.
A lenda era conhecida e virou atração turística, muitos iam até Enviral para ouvir dos moradores mais antigos as estórias do palácio, segundo se dizia ele aparecia a cada cem anos na noite de lua cheia, quando a lua alinhava-se a meia noite com a torre do farol. Isso só ocorria uma vez a cada cem anos.
Assim a vila de Enviral das Neves que ganhou esse nome devido às partículas d’águas do mar que se dissipavam com o vento e formavam uma nuvem branca de fumaça dando um colorido espetacular em contraste com o céu azul da vila.
O ano era 1999, e seria aquele o ano do tal fenômeno do aparecimento do palácio. O povo, claro, apesar de falar muito daquilo não era de acreditar naquela invenção lendária. Enviral das Neves um dia ter tido um palácio e um homem muito rico? “Conversa pra boi dormir.”
A Vila era pequena, eram cerca quinhentos moradores, carros ali só quando algum aventureiro aparecia e se tornava novidade, para conectar a cidade mais próxima cerca de cem quilômetros havia um ônibus que fazia um horário fixo duas vezes por semana.
Tudo transcorria na mais harmoniosa paz, os homens saindo com suas redes e barcos em busca de um bom pescado, mulheres cuidando de seus lares, crianças brincando sem nenhuma preocupação do tempo passar e os anciãos conversando à tardinha na calçada da casa de alguém tendo como companhia uma bela xícara de café com deliciosos e crocantes biscoitos produzidos ali mesmo no forno de dona Nonoca (Joana).
À tardinha os pescadores voltavam de suas empreitadas, alguns com seus barquinhos carregados de peixes e, sobretudo muita esperança. O sol se pondo em um lado do horizonte e a lua imponente rasgava do outro lado para transformar aquela noite um esplendor.
Os jovens reunidos em torno de uma fogueira cantavam e dançavam em algazarra até o momento que seu Minervino começasse a contar as antigas histórias que ele aprendera com seu velho que já havia aprendido com outras gerações passadas. Entre essas histórias estava a do castelo Manuelito do seu Antônio Manuel Cândido.
Quando ele contava essa história colocava uma entonação de voz tão forte que fazia parecer tão próximo do real e ninguém acreditava ser dele mesmo aquela voz. Era como um ator que traz para si o personagem.
Por volta das vinte e duas horas todos foram se acomodar, pois no dia seguinte tudo começaria novamente. Aliás, nem todos foram dormir, o pescador Otávio Augusto que levava aquele nome porque sua mãe mesmo com pouca leitura havia lido a história dos grandes imperadores romanos e assim o batizou por Otávio Augusto. Ficou admirando a beleza da lua e seus raios refletindo sob as águas do mar. De repente a lua alinhou-se com a torre do farol e aquele castelo apareceu sublime ao pescador. Quis gritar desesperado e a voz não saiu, quis correr para dentro de casa e as pernas tremeram, caiu de joelhos paralisado.
- Otávio, Otávio! É o único que ainda está acordado e pode me salvar! Por favor, entre em meu palácio e se aconchegue!
Como se estivesse em transe Otávio foi levado pelo som daquela voz e entrou no palácio.
Era uma suntuosidade tudo aquilo. E até então Otávio Augusto não vira ninguém, apenas ouvira a voz.
- Sabe Otávio, há muito tempo venho procurando alguém que fique com toda a minha riqueza a qual não pude usufruir por completo. Tenho muito ouro aqui no meu palácio e preciso me livrar de tudo isso para ter minha passagem em paz ao céu. Há três potes de ouro e você precisa me ajudar, porém só posso vir aqui de cem em cem anos, ficarei até que a lua minguante chegue ao seu ciclo final e então voltarei para minha prisão do “outro lado”. Para isso precisa vir amanhã de novo nesse mesmo horário que darei as coordenadas a você, porém esse é um segredo que deve guardar até o fim de sua vida sob pena de ter muitas surpresas desagradáveis.
Aquele transe terminou repentinamente, Otávio abriu os olhos e viu a lua se escondendo por trás da torre do farol. Entrou em casa, fechou a porta e começou a pensar naquele sonho sem nexo que acabou de ter ali parado observando o reflexo da lua nas ondas do mar sentado em sua varanda quase embaixo daquela mangueira centenária.
Em seu pensamento Otávio Augusto se perguntava:
- Aquilo fora apenas um sonho mesmo? Era tão real! Ah, quem daria ouro ou dinheiro assim de graça para alguém?
O pior que Otávio já havia ouvido milhares de vezes essa estória de fantasma oferecer pote de ouro para pessoas vivas mesmo assim não acreditava.
- Meu Deus, mas que leseira eu aqui discutindo com meu próprio cérebro essas coisas impossíveis!
Deitou-se devagar ao lado de sua esposa Rosimar que já estava dormindo a tempo, tomada pelo cansaço por conta do dia de labuta. Ele ainda ficou cerca de meia hora olhando para o teto e pensando naquele acontecimento. Parecia tão real. Enfim, Otávio Augusto pegou no sono profundo até o amanhecer.
A MALDIÇAO DE OTÁVIO AUGUSTO
O dia amanheceu lindo e o mar bastante calmo, como era domingo ninguém iria trabalhar e assim alguns aproveitavam para dormir até mais tarde.
- Coloque uma dose daquela cana, Seu Domingos, pediu Otávio Augusto.
Nesse momento chegou Requião Clóvis, parceiro de pingas e de pescaria de Otávio e os dois começam a fazer um diálogo sobre política.
- Requião, você ouviu o que o presidente da República falou sobre as associações de pescadores?
- Ouvi sim, Otávio. Esse miserável quer que “paguemo” um tal de imposto sobre a nossa produção de pescado. “Vamo” é dar umas porradas nesse doido! Onde já se viu pagar mais imposto. E para quê pagar imposto se não temos nem escola para os nossos meninos?
Otávio havia estudado até o terceiro ano secundário e havia lido algo sobre o funcionamento da economia, por isso tinha um pouco de saber sobre o assunto, mas lógico, bastante limitado.
Mais uma dose de cana e já foram discorrendo em outros assuntos até que Otávio falou de uma forma espontânea:
- Ah Requião, ontem à noite eu tive uma visão, um sonho, sei lá o quê, um troço muito esquisito. Eu estava admirando a lua e de repente apareceu o castelo tanto contado nas estórias de seu Minervino, de dentro dele saía uma voz me convidando para entrar, então entrei e aquela voz me falou que estavam me doando uns potes de ouro ali guardados a muito tempo. Senti-me como se estivesse entrado em transe, também disse a mim para ir hoje novamente ao castelo, pois me daria as coordenadas para enfim tirar o ouro e libertá-lo da prisão do além. Foi algo muito esquisito e quando recordei a consciência estava olhando para cima e a lua parecia rir da minha loucura.
Os dois caíram na gargalhada e Requião falou:
- Amigo, pare de cheirar essas cachaças que elas estão lhe fazendo mal.
Seu Domingos que era mais velho deu um sorriso entre os dentes e os advertiu:
Não brinquem com as coisas ocultas, os mistérios do outro lado nós não sabemos decifrar.
O papo correu livremente até na hora do almoço quando os dois se despediram e foram para casa.
Otávio chegou e o almoço já estava pronto como de costume. Tomou um banho, almoçou e depois deitou em sua rede debaixo da mangueira e dormiu o sono dos justos.
- Eu disse a você, Otávio, não conte a ninguém. Agora você também faz parte da maldição do Castelo assombrado.
Otávio deu um grito que assustou Rosimar.
- Que é isso, homem, o que está acontecendo?
- Nada, Rosimar, foi apenas um pesadelo!
Sentou-se na rede e ficou por um momento pensando naquele sonho louco e no transe da noite anterior.
Que maldição esse sonho falava?
A HORA DO ACERTO
A noite chegou e Otávio sentiu um pouco de preocupação. Parecia tão assustado que Rosimar percebeu.
- O que tens Otávio?
- Nada, respondeu!
- Te conheço há muitos anos e sei que algo está acontecendo e não é algo bom.
- Pare com essa mania de intuição Rosimar, isso só pode ser coisa de mulher.
- Rum, lá vem tu com esse machismo pra cá, Otávio.
A conversa acabou ali e Otávio se fechou em silêncio sepulcral.
Por volta de vinte e duas horas Rosimar se recolheu para o quarto enquanto Otávio fazia o reparo em uma rede de pesca que um golfinho havia rasgado ao se enroscar na última pescaria, porém não tirava os olhos do mar.
Teceu um porronca e começou a fumar lentamente enquanto as mãos habilidosas costurava com bastante destreza aquele buraco feito pelo golfinho.
Era meia noite e então aquela voz rouca soou ao seu ouvido:
- Venha comigo Otávio!
Um calafrio tomou-lhe todo o corpo e ele foi levado pela voz como se fosse uma criança puxada pelas mãos por sua mãe.
- Ah Otávio, já faz mil e quinhentos anos essa maldição e estou aqui preso há cem anos esperando a oportunidade de dar ao homem mais destemido dessa cidade a minha fortuna, adquirida com tanto esforço por Antônio Manuel, o dono desse castelo que não pode usufruir você só deveria ter ficado calado, porém essa sua mania de falar demais igualmente os outros treze que tem aqui, catorze comigo acabou te levando a ruína. Por conta disso o teu vilarejo vai desaparecer em algumas horas depois do dia amanhecer.
Otávio soluçava de medo e desespero enquanto a voz sorria sarcasticamente.
- Eu estou condenado, aprisionado a minha própria ignorância, Otávio. Por confiar demais em mim e não acreditar naquilo que os mais antigos falavam sobre usura e coisas encantadas, então faz cem anos que estou preso a esse Castelo por não crer nos mais antigos e assim não usufruí de toda essa riqueza, com isso tive que morrer para que minha mulher, meus filhos e a vila não recebessem a maldição, por isso me coloquei no calabouço de desventura. Olhe para o lado, estás vendo esses três potes de ouro? Pois bem, eles agora são seus, tenho que ir e me livrar da prisão a qual te pertence agora.
- Mas o que posso fazer para salvar meu povo dessa maldição, voz misteriosa?
- Nada meu caro, nada! Espere daqui a cem anos talvez encontrar quem acredite em você e doe essa riqueza toda, assim você salvará a vila de uma enorme catástrofe.
- Mas você disse que em poucas horas a vila vai desaparecer numa catástrofe.
- Pois bem, meu caro, aqui no nosso mundo cada amanhecer são cem anos e se não fizer isso o próximo amanhecer vai ser o último para a vila.
Antes de ir embora a voz misteriosa declamou uma sinistra poesia:
Por cem anos fui trancado
Na masmorra da saudade
E fui amaldiçoado
Por não crer nessa verdade
Por eu ser fraco de crença
Acabei perdendo a benção
Por minha incredulidade.
Cem anos já se passaram
Agora passo o bastão
Espere por mais cem anos
Nesse inferno de ilusão
Talvez depois disso tudo
Ver se aprende a ficar mudo
Pois a língua é a perdição.
Eu agora estou livre
Vou aos braços do senhor
Descansar minha beleza
Pois já nem sei quem eu sou
Fui pescador afamado
Mais cai no tal pecado
De ser muito falador.
Preste bastante atenção
Fale menos, ouça mais
Pra não cair de patinho
Nos laços de satanás
Ele é muito arteiro
E derruba o forasteiro
Que não sabe o que diz e faz.
Adeus meu caro Otávio Augusto
Fique na sua agonia
Espero encontra-lo logo
Fora dessa ventania
Cem anos pra quem tá fora
Passa num quarto de hora
Mas quem está dentro angustia.
Na masmorra da saudade
E fui amaldiçoado
Por não crer nessa verdade
Por eu ser fraco de crença
Acabei perdendo a benção
Por minha incredulidade.
Cem anos já se passaram
Agora passo o bastão
Espere por mais cem anos
Nesse inferno de ilusão
Talvez depois disso tudo
Ver se aprende a ficar mudo
Pois a língua é a perdição.
Eu agora estou livre
Vou aos braços do senhor
Descansar minha beleza
Pois já nem sei quem eu sou
Fui pescador afamado
Mais cai no tal pecado
De ser muito falador.
Preste bastante atenção
Fale menos, ouça mais
Pra não cair de patinho
Nos laços de satanás
Ele é muito arteiro
E derruba o forasteiro
Que não sabe o que diz e faz.
Adeus meu caro Otávio Augusto
Fique na sua agonia
Espero encontra-lo logo
Fora dessa ventania
Cem anos pra quem tá fora
Passa num quarto de hora
Mas quem está dentro angustia.
Naquele momento o castelo se desfez e Otávio se viu sozinho em seu pátio com a agulha na mão costurando a rede.
- Ufa, ainda bem que foi só mais um pesadelo, acho que enlouqueci achando falar com fantasma do além.
Nisso Otávio viu reunida toda a sua família e amigos ao redor de um caixão e ele estava olhando agora de cima da torre do farol.
Que brincadeira de mau gosto é essa, gente? Quem me colocou aqui? Tirem-me daqui, por favor! Mas parecia que ninguém o ouvia.
O AMANHECER
Como de costume Rosimar acordava ao lado do marido. Passou a mão no espaço da cama em que ele dormia e estava vazio.
- Otávio, meu nego, cadê você?
- Amanheceu tão frio hoje!
- Você levantou e não me chamou para tomarmos o café que sempre faz para nós.
Rosimar não obtendo respostas resolveu levantar e ir até a varanda.
- Meu Deus, me ajude, por favor! Otávio acorda meu amor! Acorda Otávio!
Os gritos agudos de Rosimar acordou toda a vila de pescadores e para o espanto de todos Otávio estava morto e todo enrolado dentro da rede de pescar, mas sem nenhuma marca de perfuração ou espancamento no corpo. A perícia depois descartou assassinato e concluiu que a morte foi causada por um ataque cardíaco fulminante, porém o que mais deixava tanto a polícia quanto o povo da vila intrigado era aquela inscrição no pescoço escrito MALDIÇÃO com tinta vermelha, aquela tinta não existia em lugar nenhum conhecido ali próximo.
Domingos, o dono do bar “É BEBENDO QUE FICAMOS BÊBADO” e o amigo de cachaça e pescaria de Otávio, Requião Clóvis enlouqueceram da mesma maneira e segundo as informações que temos os dois ficaram com os mesmos sintomas e andam gritando pela rua em noites de lua cheia “O POTE ESTÁ CHEIO E DERRAMANDO DE OURO, MAS NINGUÈM TEM CORAGEM DE PEGAR”. Eles falam isso seguidamente e depois gritam: NÓS IREMOS PEGAR.
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Já se passaram alguns anos desse episódio que nunca foi decifrado por aqueles moradores da Vila Enviral das Neves, a vida continuou normalmente, assim como continua o mistério.
Bem, meu caro leitor, essa história segundo um amigo meu que era amigo de um amigo que foi compadre e amigo de Otávio Augusto, isso foi tudo verdade.
Eu prefiro ficar o mais calado possível sobre isso, também não acredito nessas coisas, porém não quero me indispor com as entidades ocultas do além, caso elas existam e dessa forma nunca tive coragem de ir até Enviral das Neves, prefiro ficar o mais longe possível de tudo isso. Imagina se Otávio Augusto me ver por lá e resolva me dar essa missão!