Um amor que nunca morre

Nos idos dos anos cinquenta, o casal Ricardo e Tereza costumava passear nos fins de semana pela praça mais próxima de casa e chamavam a atenção da vizinhança por andarem sempre abraçados. Ela era negra, oriunda de família humilde, estudante, dezoito anos, concluindo o último ano do magistério, antigo segundo grau. Ele, branco, olhos verdes, cabelos castanhos escuros, nascido na classe alta, vinte e cinco anos, era repórter e havia se apaixonado por Tereza. Na praça, com um canivete na mão, ele desenhava um coração numa árvore, escrevendo o nome dos dois todo sorridente.

- Tetê, vamos nos casar e ter um bocado de molequinho.

- Casar? Disse ela sorrindo. Como casar se nossos pais vivem brigando por nossa causa, Rick? Meus pais querem que eu case com um negro e os teus com uma moça da classe social de vocês, imagine o problema, sendo você filho único?

- Sou maior de idade, Tetê, esqueceu? Já trabalho e não preciso da ajuda dos meus pais pra nada, quem manda no meu coração sou eu e pare de ficar pensando besteira.

Ambos sorriram e foram comprar pipoca, perto do pipoqueiro, havia um homem que cobrava alguns centavos para que eles tirassem um papel em que havia uma mensagem.

- Vamos tirar a sorte, Tetê? Vamos ?

- Ah! Eu não acredito nessas coisas, tira você, eu não vou não.

- Deixa de ser medrosa, isso é só uma brincadeira. E tirando do bolso algumas moedas, escolheu um bilhetinho.

- Tetê, vou ler em voz alta, hein? Escuta o que está escrito: você será felizardo porque vai viver um amor eterno, um amor que nunca morre. Tá vendo, Tetê? Deu certo, eu já tenho o meu amor eterno.

- Como você é bobo em acreditar num papelzinho, Rick. Vamos embora, já escureceu e se eu chegar um pouco mais tarde, vou levar uma bronca.

- Vamos, meu eterno amor. Disse Rick abraçando-a.

No meio do caminho, Rick disse que teve uma ideia, convidaria os amigos da vizinhança para um passeio, alugaria um caminhão de carroceria aberta e no próximo domingo, todos iam conhecer um lugar lindo na natureza, chamado Riacho do Passarinho. Ele conheceu o local numa reportagem que fez sobre locais onde os homens ainda não haviam poluído os mananciais de águas. Tetê ficou pensativa e disse:

- Se eu convencer papai é capaz de ele deixar eu ir.

- Não se preocupe que eu vou lá falar com ele e eu sei o jeito certo de convencer meu sogro.

- Pois então está bem, sendo ele soldador do estaleiro do teu pai, é claro que vai deixar!

- Então, se prepare, Tetê, você nunca mais vai esquecer desse local.

E assim, tudo saiu conforme o planejado, não houve como seu Tonho não deixar a garota ir ao passeio, fez apenas uma recomendação de que a volta seria às 16 horas.

Chegou o dia esperado, todos estavam alegres e preparados com lanches, comidas e bebidas. Um dos jovens levou um violão e cantou durante a viagem toda. Realmente, o local mais parecia um paraíso ainda não descoberto pela população da cidade e por esse motivo, muitas fotos foram tiradas. O local recebia o nome de Riacho dos Passarinhos porque havia uma verdadeira orquestra de cantos de pássaros. Quando estamos felizes, as horas voam, o relógio marcava 15 horas, os mais afoitos aproveitavam para mergulhar nas águas frias e cristalinas do local. Rick olhou para Tetê e disse:

- Vou dar um pulo dali, daquela pedra, fica só olhando, vou boiar bem nas tuas pernas!

- Vê se não demora, Tarzan, disse Tetê sorrindo.

- Calma, ainda dá tempo de eu pular com o meu super galho daquela árvore.

O rapaz lhe deu um beijo e se foi cantarolando, imitando Tarzan. Ao chegar no alto da pedra, os amigos sorrindo diziam:

- Vai, Tarzan, dá o grito e pula logo!

Rick imitou Tarzan, deu o grito e pulou. Outros já haviam pulado durante a manhã, mas ele pulou e demorou a voltar. Depois de cinco minutos, Tetê já estava aflita, porém pensava consigo mesmo: esse Rick! Vai já aparecer por detrás daquela moita só pra me dar um susto.

No entanto, passaram-se 15 minutos e Rick não apareceu. Tetê começou a gritar o nome dele e os amigos decidiram pular para ver se o encontravam. De nada adiantou visto que não havia sinal do rapaz. A partir de então foram percorrendo o riacho e o encontraram num local raso com uma fratura craniana exposta. José, um dos amigos, tentou fazer respiração boca a boca e não adiantou, pois ao pegar no pulso de Rick disse tristemente: pessoal, Rick morreu!

Tetê se agarrou ao corpo e caiu em prantos desesperada. Alguém disse que era hora de voltar e que hora difícil era aquela! Silenciosamente, colocaram o corpo no caminhão e um a um embarcaram, pensando a reação da família do rapaz.

Como não poderia ser diferente, o desespero tomou conta da família ao receber o corpo que foi encaminhado ao IML onde no dia seguinte foi entregue à família para providenciar o velório. E assim em meio àquele clima tétrico, o corpo foi velado e enterrado por parentes, amigos e por Tetê que não se afastou um só momento da solenidade fúnebre.

Os dias que se seguiram para Tetê não foram fáceis, ela não conseguia comer e mal dormia, isso preocupava demais a família dela. Já a família do rapaz, colocou placa de venda na casa e mudaram definitivamente daquele local. Um mês depois do falecimento, o problema de Tetê se agravou, agora ela dizia conversar com Rick todas as noites e nessas conversas, ele afirmava estar num local muito solitário e que precisava que ela fosse viver com ele. Essa tortura durou meses e meses porque Tetê queria cometer suicídio, foi chamado um padre que todas as noites ia benzer a casa e depois de muitas orações e sessão de exorcismo, a garota se libertou. Hoje, quem passa na frente da casa de Tetê, vai ver uma idosa que sempre está folheando um antigo álbum. Ela vai folheando com um sorriso nos lábios como se estivesse vivendo cada momento daquele que fora registrado nas fotos. Uma mulher que já trabalhou nessa casa disse que na última página do álbum, existe um bilhetinho amarrado delicadamente com uma fita de cetim vermelha onde está escrito: você será felizardo porque vai viver um amor eterno, um amor que nunca morre.

Bromélia da Amazônia
Enviado por Bromélia da Amazônia em 27/10/2019
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