A LOURA DA ESTRADA

Há muitos anos atrás, na década de 90, dois jovens amigos, Crispim e Vitório, ambos com 13 anos de idade, viviam em uma cidade no Mato Grosso do Sul, chamada Japorã. Moravam na mesma rua, a uma distância de meio quilômetro, aproximadamente. A amizade começara quando eles, crianças ainda, frequentavam uma escola rural.

Bem cedo, um ônibus, muito velho, de propriedade da prefeitura local, passava nas ruas principais do lugarejo e recolhia os meninos e meninas que iam para uma escola no meio rural. Em época de chuva era uma tristeza. As crianças passavam por grande dificuldade. Entravam no veículo com os sapatos cheios de barro, e era difícil não sujar a roupa. Sem contar que o ônibus, por mais cuidado que se tivesse, ficava bastante sujo. Já, fora do período chuvoso, era a poeira que incomodava. Mas não é esse assunto que vai nortear minha história.

Certa vez, eis que um fato meio esquisito aconteceu no itinerário da escola. Já eram cinco horas da tarde quando, Cesário, motorista do ônibus, já havia recolhido todas as crianças e retornava para entregá-las, uma a uma, a suas famílias. A distância entre a escola e a casa de cada um dos meninos era de mais ou menos quarenta e cinco quilômetros.

Crispim e Vitório, dois amigos inseparáveis, estavam no mesmo banco do ônibus. Conversavam o tempo todo. Falavam das garotas, criticavam umas e elogiavam outras; reclamavam da coordenadora da escola: faziam comentários sobre o comportamento de seus professores. Assunto não faltava para eles.

O veículo, cheio de estudantes, naquela tarde, numa quinta-feira do mês de agosto, apresentou um defeito mecânico e, simplesmente, parou de funcionar, no meio do caminho. O motorista, Cesário, pediu calma à criançada. Determinou que descessem todos e, calmamente, buscou uma solução para o problema. Infelizmente não conseguia consertar seu velho instrumento de trabalho, o ônibus escolar. Já tinha ficado escuro. No céu, não havia estrelas e sim muitas nuvens carregadas. O relógio de pulso de Vitório já marcava mais de sete horas da noite e nenhuma solução tinha sido encontrada.

Na escuridão do pacato lugarejo, o medo tomou conta dos pequenos estudantes. Eram aproximadamente trinta meninos, entre crianças e adolescentes. Os dois jovens amigos não se separavam. Vitório era o mais atirado. No meio dos companheiros, achava-se o tal. Não tinha medo de nada. E resolveu, diante daquele infortúnio, chamar o amigo.

- Crispim, não teremos outra saída a não ser ir caminhando para casa. Acredito que não mais de quarenta minutos.

- Acho que não devemos fazer isso, retrucou Crispim. – Não é justo, também, deixarmos nosso motorista e companheiros sozinhos nessa escuridão.

Vitório retrucou e conseguiu convencer o amigo de que deveriam ir andando. Saíram de fininho. Como estava muito escuro, o fato se passou sem que os demais percebessem. Chegando ao destino poderia, disse ele, pedir ajuda a alguém do lugarejo.

Pois bem. Não é que os dois partiram. No itinerário, só se viam, vez ou outra, alguns vaga-lumes que brilhavam foscamente na noite escura. Os dois quase não falavam nada. Caminhavam, caminhavam, caminhavam. Olhavam para um lado, vegetação alta, para o outro a mesma imensidão da mata. Já passavam de dez horas da noite e os aventureiros foram tomados de pânico. Eis que algo esquisito apareceu na estrada. Uma luz muito forte surgiu diante deles e uma jovem loura, vestida de branco, pés descalços, sem dentes na arcada superior da boca, olhar penetrante, começou a dar risadas provocando neles um medo jamais experimentado. Foram dois minutos de completo terror, até que a malvada desaparecesse. Apavorados, continuaram a caminhada. Tremendo de pavor, lembraram-se das orações que tinham aprendido no catecismo: “pai-nosso, ave-maria, creio em Deus Pai”. Não paravam de rezar. De repente, tendo caminhado mais uns quinze minutos, a tal mulher reaparece dando novas e escandalosas risadas, aumentando mais ainda o pavor naqueles dois aventureiros da noite. Um arrependimento muito grande tomou conta deles. Por que abandonaram os companheiros da escola? Por que não esperaram que o motorista Cesário desse uma solução para o ônibus? E a malvada mulher aumentava mais e mais sua risada aterrorizante, sumindo em seguida por entre duas enormes árvores, à direita da estrada.

Já era mais de meia-noite, e os dois adolescentes continuavam a marcha. A noite começara a clarear. Graças talvez às orações que não paravam de pronunciar, a lua resolveu mostrar um pouco de sua luminosidade, acalmando o coração dos desorientados estudantes. Quando menos esperavam, eis que duas luzes de farol aparecem na estrada. Para alegria de ambos, era o ônibus escolar.

- Graças a Deus! É o nosso ônibus que está vindo, disse Vitório.

Cesário, o motorista, todo sujo de graxa, visivelmente cansado, ao encontrar os dois adolescentes, passou uma descompostura nos dois fujões, demonstrando, entretanto, alívio por tê-los encontrado. Os demais estudantes não perderam a oportunidade para xingá-los também, vaiando e reclamando do comportamento irresponsável deles.

No restante da viagem, dentro do ônibus com as luzes do teto acesas, Crispim e Vitório contaram para os companheiros o que tinha ocorrido no caminho. No entanto, os colegas não acreditaram e debocharam deles, sem contar a gozação do motorista que, apesar de tudo, mostrava-se mais calmo e aliviado.

À medida em que os meninos iam chegando às suas residências, os pais, angustiados e ansiosos, os aguardavam e foram informados de que o ônibus havia apresentado defeito mecânico. Rapidamente, a visível angústia dos pais se transformara em alegria por ver seus filhos de novo, sãos e salvos. Quanto à história do aparecimento da loura na estrada, a cidade toda ficou sabendo. Alguns acreditaram, outros debocharam dos garotos, dizendo que se tratava de invenção da cabeça deles.

Belo Horizonte, setembro de 2019.

LUIZ GONZAGA PEREIRA DE SOUZA

LUIZ GONZAGA PEREIRA DE SOUZA
Enviado por LUIZ GONZAGA PEREIRA DE SOUZA em 10/09/2019
Reeditado em 11/04/2024
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