Jesus Voltou - capítulo 2 - "As Flores Silvestres"
Jesus Voltou
“Um único dia com um bom professor é melhor do que mil dias de estudo diligente”
(Provérbio Japonês)
"Ler, construir e interpretar informações de variáveis [ ... ] Compreender o caráter aleatório e não determinístico dos fenômenos naturais e sociais e utilizar os conceitos e algoritmos adequados para medidas e cálculos de probabilidade"
PCNs (tema: Tratamento da Informação.)
Capítulo Dois
As Flores Silvestres
Em Brasília, 19 horas e quinze minutos. Da Ermida Dom Bosco, uma capela em forma de pirâmide às margens do Lago Paranoá no paralelo 15º, um faxineiro pode vislumbrar o Palácio da Alvorada. A Loja Maçônica Montes de Sião NR31, de Santa Maria, está fechada. No Recanto das Emas, um presbítero da IBGT prepara sua pregração baseada no Salmo 133, que tem apenas três versículos, anotando “Salmo de Davi, rei”; “Óleo de Unção, derramado sobre as cabeças dos Reis e Sumos Sacerdotes, sagração e purificação”; “Hermon, altitude, orvalho que rega para a fertilidade”; “Montes de Sião, localização de Jerusalém”; “Aarão, irmão mais velho de Moisés”; “Irmãos de Davi, o povo, suas tribos espalhadas entre Hermon e Sião”; e finalmente rabisca “irmãos e união”. Exegetas mais profundos, como Schökel, por exemplo, discordariam em um ponto: o motivo estimado do Salmo 133, no contexto histórico, exorta, diante de uma nação ainda desestruturada, com suas dificuldades e divisões internas em muitas tribos, expõe-se a muitas ameaças externas, demandando desde a autoridade maior um discurso de unidade e esperança. Na Catedral Militar Rainha da Paz, que tem um destaque arquitetônico, ora creditado ao formato de barracas militares de campanha, ora ao formato de um hábito de freiras, um diácono, teólogo especializado em 'Bibliorum Sacrorum Editio”, doutor em “Novum Testamentum”, prepara-se para o Ofício seguinte, relendo sua própria tradução desde o grego, o trecho da Leitura Litúrgica, em Hebreus 10, 32-35, pelo que pigarreia e fala para o Templo vazio que reverbera a sua voz: “Lembrem-se do que aconteceu no passado: Naqueles dias, depois que a luz de Deus brilhou sobre vocês, vocês sofreram muitas coisas, mas não foram vencidos na luta. Alguns foram insultados e maltratados publicamente, e outros tomaram parte no sofrimento dos que foram tratados assim. Vocês participaram do sofrimento dos prisioneiros. E quando tiraram tudo o que vocês tinham, vocês suportaram isso com entusiasmo, porque sabiam que possuíam coisa muito melhor, que dura para sempre. Portanto, mantenham a coragem, porque ela traz grande recompensa”.
Em Tabatinga, 18 horas e quinze minutos. Numa pequena cela abafada, escura e fétida da carceragem da Delegacia da Polícia Federal, o capitão reformado João Batista Goiabeira Figueira, deitado no chão imundo, desperta de um torpor. Em sua mente entretanto, vêm imagens e sons como lembranças de onde estivera em seus delírios. Constata o corpo como que moído. As pernas dobradas que pareceram anestesiadas quando esticadas transmitem dores agudas que fazem João Batista gemer. Sente em cada dobra um formigamento e quando se movem o fazem experimentar sofrimentos. Cada junta trasmite agonia e João Batista se angustia. Porém os espasmos em recordações vívidas são mais fortes. Ali sua mente em sonhos reminescentes projeta o passado recente. João Batista revive seu encontro com Jesus na favela Sol Nascente em Ceilândia. As palavras reverberam: Jesus responde à uma indagação de João Batista que interrompendo o discurso do Mestre.
“Olhem para as flores silvestres”, dizia Jesus aos que o cercavam no monturo do lixão, sendo sustado por João Batista que procura completar a frase.
“Sim, Mestre, elas não tecem nem fiam, mas a beleza de seus mantos são maiores que...”, nesse ponto Jesus é quem interrompe.
“Nada disso eu quis dizer agora, essa afirmação é anterior portanto de outro tempo. O que queria dizer nesse momento é … olhem para as flores silvestres antes que os incêndios provocados pelo Maligno incinerem todas elas. Quanto a você João Batista, vá e pregue que o Fim do Capeta está começando.”
“Mas Senhor, tanto aqui como em todo e qualquer canto desse país está repleto de pastores, sacerdotes e prosélitos, tantos de tantas denominações infindáveis, pregam em TVs, rádios, cinemas, teatros e o escambau, afirmando falar em seu Nome que as palavras da Mitologia Judaica com suas leis, costumes, hábitos de um tempo remoto devem ser aplicados hoje. Que espaço eu teria para pregar o que você diz agora? Quem iria me ouvir? Alguém daria atenção a um caniço balançando no deserto? “
“Pois eu digo a você João Batista, que a sua voz será como um trovão espoucando em todo o mundo. Muito em breve, todas as mentes que habitam esse mundo estarão focadas em suas palavras, que serão as verdadeiras palavras minhas sem interpretações malignas de ganância travestida de prosperidade. Prosperidade, para quem sabe entender está no que é o 'Shalom', um verbete pequeno mas gigantesco em extensão do significado. A simplificação, como todas as simplificações do que Eu disse e digo ainda são bestificações, distorções maléficas que impedem a Paz referente, e para que algo seja referente, meus amigos, se pode saber quem quer mesmo entender, deve sempre ser colocado em uma relação ao outro, o parâmetro, pois que nada é referente por si só”.
“Mas Senhor, há aí uma complicação ao invés da simplificação, concorda Jesus?
“Ora, João Batista e amigos, está aí o 'xis' dessa equação. Para começo de conversa, as traduções no mais das vezes têm sido traidoras e, pior ainda, esses que distorcem e desejam simplificar, em verdade querem mesmo é usufruir de significantes em significados que tragam aos pregadores através dos séculos, salvo raríssimas exceções, o poder e o domínio sobre o outro, numa escravização contínua, estado em que ainda são feitas as vontades humanas, ao invés da Vontade do Pai, vontades de poder manter privilégios a poucos enquanto os muitos sofrem à míngua, a miséria de uma escravidão mantida às sombras de uma caverna imensa em que são aprisionadas as mentes da grande maioria, daqueles que vieram e já foram, daqueles que ainda sobrevivem e perecerão como burros correndo atrás da possibilidade da cenoura que oscila presa ao jugo de cada um”.
“Mas Mestre”, redarguiu dessa vez Judas Carioca, “esse modo de cenoura não traz esperança? Ou o Senhor nega a esperança de que os escritos de Paulo destaca, junto com a fé e a caridade?”
“Judas Carioca, eu entendo que você tem uma missão e lembro a todos que o Bem se separa do Mal quando a Luz destrói a Treva. Em primeiro lugar amigos, eu nunca disse 'caridade', eu disse Amor, o Amor do Pai. Fé, todo aquele que quiser saber entenderá, todo mundo tem, sendo que uns têm fé na morte, outros têm fé na loteria que é mais um cassino onde os jogos de dados, como aquele que fizeram pela minha veste inconsútil, vigoram acima da fé do nascimento ou renascimento, a fé que cada um, mesmo inconsciente, tem no ar que virá a cada expiração, fé que sucederá na seguinte inspiração, de que o oxigênio advindo no pulmão será carregado para o sangue, para o cérebro, renovando a cada fração de segundo a possibilidade de vida. Meus amigos, sem fé na vida há fé na morte e se essa vigorar a vida do outro será desvalorizada, porque sem sentido, e sem sentidos não se comunica vida. Eu lhes digo que, sem a fé de uma mãe, desde os sentidos, desde os sentimentos de paixão e vida, nenhum nasceria. E Mãe, eu lhes advirto com veemência, é a parceria que cuida, que alimenta doando-se a si ao outro, ao filho que assim pode nascer ou renascer. Quanto à Esperança, Judas Carioca, esperança não é apenas esperar ou fazer esperar, esperança é referente, e você deve se lembrar do que eu disse há pouco, deixa de ser a simplificação do desejo, mas é o entrelaçamento com o Amor de um ao outro, do outro ao um, aí sim está a Esperança verdadeira. Saul, ou Saulo, ou Paulo como se acostumou denominar o fariseu catequista do Antigo Testamento, teria muito que se explicar hoje quanto ao pretenso encontro que teve comigo em assombração na estrada de Damasco. Sanguinário como os outros fariseus daquela época, ele procurou mais a Bolsa e o bolso de cada crente, impingindo em seu discurso uma conexão da Tanach, o dito Antigo Testamento que para os judeus é o Testamento atual e único, conexão deslocada, anacrônica e imprecisa. Poderia o Novo existir com a reafirmação do palpitar a consideração de retomar tudo o que é Antigo? A Nova e Boa Notícia traria a reintrodução de práticas que demonstraram menos vida e mais morte? Meu caro amigo Judas Carioca, eu nunca disse e jamais direi que uma mulher ou outro algum deveria ou deva ser submisso. Demonstrei numa prática de Amor que se conversa com uma mulher, que nenhum conteúdo pode servir de pretexto para o preconceito. Ao contrário, eu disse e repeti, em palavras, atos e ações que não se pode ser omisso diante de práticas abusivas perante quem quer que seja, ademais uma mulher, que é o vaso sagrado do nascimento e renascimento. E outra coisa meus amigos, abomino qualquer tipo de escravidão, e é uma distorção clara de minhas palavras afirmar que não há mais escravos, nem isso ou aquilo aludindo-se à uma perpetuação do cativeiro. Eu vim e venho para libertar, plenamente, todo o jugo humano, que é desumano em princípio. Ora, não existe humanidade compatível com a desumanidade, e você Judas Carioca que gosta de uma simplificação como todos os que repetem a Lei da Escravatura ao invés de trazer a Lei do Amor ao outro, Amor ao vizinho de espaço e tempo, Amor ao próximo, mesmo distante dos olhos, Amor verdadeiro, pleno, doação em co-participação da vida, está aí algo simples de se entender”. Todavia 'Shalom' é referente, qualquer judeu em sanidade sabe que 'Shalom' não se pode traduzir numa palavra apenas. Em síntese, 'Shalom' é a manifestação desde o íntimo da alma de que o outro tenha Saúde, Paz e Prosperidade na correlação de Vida, e ademais só se pode optar pela Vida quando se repugna a morte, seja de quem for.”
João Batista tenta apoiar os pés na tentativa de levantar-se. As dores que percorrem todo o seu corpo o fazem retomar o tempo e o lugar em que está.
Em Brasília 19 horas e 20 minutos. O gabinete do ACE (Alto Comando do Exército) recebe comunicado urgente do CIE (Centro de Inteligência do Exército). Localizado, o general contata a DG (Direção Geral) da Polícia Federal.
Fim do segundo capítulo
Amanhã: “O cabeça de João Batista” (Capítulo Três)