Na mesma moeda
Na mesma moeda
Um senador que se dizia o grande representante dos pobres, inconformado por ver aprovada uma lei de sua autoria, que protegeria grande parte da população carente da nação, suicidou-se. Ninguém entendeu o porquê daquele ato.
Sua alma viajava dentro de um elevador envidraçado, indo vagarosamente em direção ao céu. Aquela viagem estava demorada e enfadonha. No caminho viu que no inferno estavam alguns de seus amigos que durante a vida lutaram contra os seus supostos ideais. Acenou para eles, mas foi ignorado, estavam à volta de uma mesa, todos muito ocupados, entretanto lhe pareceu estarem bem alegres. Mais adiante passou por um local que pensou ser o purgatório. Ali também estavam alguns amigos da profissão, não eram seus opositores, entretanto esses pareciam não fazer nada e estavam com ar de aborrecimento. O elevador continuou subindo. Quando chegou no céu a porta se abriu, e ele deu de cara com São Pedro.
- Muito obrigado por me receber pessoalmente, senhor. Posso entrar?
- Felizmente não. – Respondeu-lhe.
- Como não? Minha vida inteira eu passei lutando pelos mais necessitados. Na tentativa de melhorar suas vidas, e agora o senhor diz que não posso entrar no paraíso.
- Lamento, mas o senador perdeu esse direito quando tirou a própria vida.
Sem perder tempo, o senador tentou o famoso jeitinho, mas foi logo descartado.
- Esse artifício aqui não cola. Tenta noutro local.
- E para onde é que eu vou?
- Isso não é mais da minha responsabilidade... Todavia, desce e vê o que consegue por aí.
- O senhor tem coragem de me mandar ficar vagando?
- Só estou cumprindo ordens superiores.
O senador vendo que não tinha alternativa e que não ia mesmo conseguir entrar no céu, resolveu descer. Ao lembrar-se do que tinha visto quando subira, resolveu perguntar:
- Senhor posso escolher onde ficar?
São Pedro sabendo o que ele tinha visto pelo caminho riu tranquilamente e não se opôs.
- Faça como lhe aprouver, afinal o local que escolher será sua moradia por um longo tempo.
- Obrigado pelo conselho.
O senador que a essa altura já estava para lá de ansioso, pegou o elevador de volta, disposto a ir rapidamente para o inferno. Desceu... Desceu... E ele achou que estava demorando demais para chegar. Acreditou estar preso naquele local, tempo demais. Pensava com seus botões; “todo esse descaso para comigo, deve ser uma espécie de castigo”. Como não tinha acesso aos controles conformou-se. Quando o elevador parou e a porta se abriu, lá estava a sua espera, nada mais nada menos que o próprio Diabo em pessoa, e sua cara não era a das melhores.
- Interessante, o senhor também veio me receber pessoalmente.
O senador fez a observação e foi entrando sem fazer cerimonia, mas logo foi impedido pelo Diabo.
- Aonde você pensa que vai?
- Vim para encontrar meus amigos. Pretendo ficar por aqui.
- Pois o senhor se enganou de porta. Esta casa não acolhe pessoas que lutam e melhoram a vida dos pobres.
- Mas tudo não passava de uma encenação. Foi a forma que encontrei para manter sempre em alta o meu prestígio e ser eleito a cada eleição.
- Sim eu sei, mas você não cuidou para que a causa que defendias não desse certo, e olha no que deu? Milhares daqueles que eu mantinha em sofrimento, agora terão um alívio. Mesmo que pequeno, mas terão. E o você é o grande responsável por isso. Todo fracasso tem seu preço.
Mais uma vez o senador apelou tentando subornar.
- Tudo bem. Entendo, mas não sou qualquer um, além de ser um senador daquela república, também sou um suicida. Tenho prioridades.
- Sei disso, mas sua conduta durante o período em vida foi comprometedor. Não posso deixar que entre. Suas ideias podem subverter meus aliados.
- Então onde vou ficar?
O Diabo demonstrando grande insensibilidade aconselhou:
- Tenta lá pelo purgatório, mas não garanto muito a sua entrada lá também.
- O senhor está querendo dizer que eu, o renomado senador, vai virar um sem-teto?
- Aqui a lei é para todos. Cada um colhe o que planta. – Dizendo isso o Diabo fechou o grande portal.
Lá estava mais uma vez o senador no elevador indo em direção ao purgatório. O elevador voltou a subir. Desta vez a demora para chegar, lhe pareceu uma eternidade. Tinha agora a certeza de que estava preso ali, cumprindo algum tipo de penitencia pelos erros cometidos. Novamente o elevador parou e a porta se abriu. Deu graças a Deus quando viu que não havia ninguém a sua espera, como das outras vezes.
Já do lado de fora, olhou a volta e avistou mais na frente uma grande porta. Acima dela pode ver escrito “Purgatório”. É para ali que tenho que ir. Distraído encaminhou-se naquela direção, mas logo também foi contido. Desta vez não soube identificar quem o parou, só escutou aquele homem ordenar:
- Queira, por favor, se dirigir ao final desta fila senhor e aguardar a sua vez.
- Mas eu sou um senador, tenho prioridades.
- No final da fila. – Insistiu o homem já sem paciência e que parecia ser o segurança do local.
- Isso é um absurdo. Saiba que vou reclamar com o responsável sobre essa sua forma de tratamento.
- No final da fila. – Gritou grosseiramente.
O senador como de hábito tentou subornar, mas foi em vão. Vendo mais uma vez que não tinha alternativa procurou o final da fila. Começou a caminhar e logo notou que seria longa a caminhada, pois não conseguia ver o final. Depois de muito andar, parou e perguntou a um dos que estavam na fila:
- Esta fila é para se entrar no purgatório?
- Não senhor. Esta é para pegar a senha do atendimento.
- Como assim? – Quis saber o senador.
- Aqui o senhor vai pegar a senha para fazer a triagem. Depois o senhor vai para aquela outra fila. Se der tempo o senhor é atendido hoje, caso contrário terá que voltar amanhã para essa fila e pegar uma nova senha. Quando for atendido se estiver tudo certo, aí sim o senhor será recebido no Purgatório.
- Mas ainda corremos o risco de não podermos entrar.
- Lógico, se o senhor não atender aos quesitos mínimos exigidos, não entra.
- E é muito rígida essa seleção?
- Não muito. O senhor só não pode e ter se suicidado.
- E quem se suicidou, vai para onde.
- Essa informação eu não sei dar não. É melhor o senhor procurar saber quando for atendido.
O senador lembrou-se de quando em vida. Encontrava-se na mesma situação daqueles pobres, que o procuravam para conseguir alguma melhora de vida e ele os encaminhava a qualquer departamento do governo sabendo de antemão que nada conseguiriam, mas como precisava manter a aparência de grande defensor dos necessitados não tinha o menor escrúpulo em enganá-los.
Pensou: – Estaria ele sendo submetido ao mesmo processo?