João Medroso

Era madrugada fria. O vento soprava forte vindo do lado nordeste da cidade. As luzes estavam cintilando, pois apresentava a anomalia do sopro do vento. Fazia muito frio e o único jeito era andar bem agasalhado.

João Medroso, apelido dado a um trabalhador na zona rural, que todos os dias saia cedo de sua residência até o local de trabalho, fazia o percurso todos os dias. Tinha chuva, tinha sol, tinha barro, tinha poeira, com festa, sem festa, com luto, com carnaval, enfim, todos os dias ele se levantava cedo. Não gostava de botinas e nem sapatos. Sempre tinha preferência por chinelas. Segundo ele dizia, elas são muito confortáveis e os pés ficam mais soltos e recebem diretamente o frescor da natureza. Porém, ele possuía um grande defeito: Era medroso e até da sombra ele tinha medo. Assim, o apelidaram por João Medroso.

Quando saia para o trabalho, ele não estava só. Pedia a companhia da esposa ou do filho mais velho, que era motorista da empresa de ônibus que ligava a cidade à capital do estado. Afinal, era o filho quem o fazia companhia até à fazenda. A distância era uns três quilômetros.

Neste dia, porém foi um pequeno inferno para João. O filho não pode ir consigo, pois estava cobrindo viagem de outro motorista fora do estado. A esposa estava muito resfriada e não quis sair para acompanhá-lo. O filho pequeno não quis ir e disse que tinha medo igual ao pai. O sogro estava com a perna enfaixada devido a um tombo no último dia e a sogra, coitada, tinha mais medo do que João.

Pegou o farnel e o colocou no ombro. Abriu a porta da sala e saiu. Os olhos fitavam o portão que dava acesso à rua. Ventava muito e os galhos das plantas tombavam até os pés. O faro lhe soprava no rosto ao ponto de tirar-lhe o chapéu da cabeça, mas ele foi mais esperto e o segurou com a mão. Abriu o portão, com um passo mais largo saiu e seguidamente o fechou. Não tinha chave naquele momento, mas uma pequena cordinha foi a ferramenta para segurar o portão. Deu uma pequena paradinha e pensou consigo:

- É hoje. Não tem ninguém de companhia hoje. Se não fosse aquela vaca que pariu ontem, eu não iria.

- Iria, sim, mas depois do nascer do sol. Se eu não for, o patrão me xinga e eu não gosto de ser xingado.

Fez um pouco de hora no momento. O vento estava ficando mais forte e o frio lhe subia até o rosto. Segurou o chapéu com mão esquerda, pois a pressão atmosférica estava contra o caminhar.

Em um determinado momento, suspirou e pensou ser aquela madrugada a mais arrepiante e temida por ele. Não tinha nenhuma pessoa para lhe fazer companhia. Pensou em passar à casa do patrão e pedir-lhe que o acompanhasse, mas logo se lembrou que o patrão estava dormindo na fazenda e não tinha ninguém.

Dobrou a primeira esquina e logo deu de cara com um gato preto, que pulando à frente, fez com que ele desse um grito e se arrepiando todo. O cabelo se espetou e um grande calafrio lhe percorreu pelo corpo.

- Meu Deus, o que é isto? Correu para o outro lado da calçada.

Caminhando a passos largos, ouvia-se o barulhinho da chinela batendo-lhe no calcanhar. Era fraco, mas aquele: Toc, toc ...

Virou na primeira esquina e logo se deu com movimentação de um grupo de pessoas da segunda casa. Era um velório que se realizava na casa. O corpo arrepiou mais ainda e uma voz lhe chamava:

- João, você não vem ao velório do Mário, o seu compadre, que faleceu ontem à noite.

João não olhou para trás e caminhou mais rápido ainda. Ouviu alguém dizer que ele tinha medo de velório e não era para chamar. Ficaria impressionado e poderia ter um ataque de histeria e não daria certo.

Quase levou outro susto, mas deu de cara com o padeiro montado em uma bicicleta. O susto foi grande que o padeiro caiu, mas não estava com o balaio cheio de pão.

Pediu desculpas e prosseguiu o caminho. Não olhou para trás, nem mesmo quis conversar com o padeiro que lhe gritava para informar se ele havia machucado. Prosseguiu andando mais rápido.

O vento lhe soprava mais forte e parecia uma carícia de uma jovem fazendo-lhe bafejo na face. Pensava ser uma alma desconsolada de amor que nas noites, ou melhor, nas madrugadas saia à procura de alguém para deliciar os desejos.

- Sai de mim, coisa horrorosa! Dizia sério e nem mesmo prestava atenção no cântico dos pássaros e no despertar dos galos na madrugada.

Aos poucos a cidade ia ficando para trás. As luzes iam sendo cobertas pelo breu noturno. Não se via nada. Nem a luz da lua que se escondia por trás das nuvens. As vozes dos galos se emudeciam. Escutava-se a ode dos grilos e ao longe os sapos. O tóc tóc da chilena era ouvido com intensidade, pois João andava muito depressa.

- Ainda bem que estou quase chegando à fazenda.

- Só resta-me descer esta estrada cheia de cascalho e virar à direita. Mais uns seiscentos metros já enxergarei as luzes da fazenda. É só entrar, tirar o leite e começar cedo o trabalho.

À medida que João descia sobre o cascalho, algumas pedras pequeninas batiam-lhe nas pernas. Por mais rápido que ele andava, a chinela pegava mais pedras e atiravam-lhe por mais força, fazendo com que ele aumentasse o passo. A cada passada, mais pedras de tamanho maior eram-lhe atiradas até suas costas.

- Meu Deus, meu Deus!

- Socorro! Agora estão me atirando pedras. É o fantasma da roça.

- Socorro! Alguém me ajude, por favor!

João correu tanto e se desequilibrou, vindo ao chão cair. Feriu-se todo. O rosto, os braços, as pernas, os dedos do pé e quase lhe custou um braço quebrado. Foi socorrido pelo patrão que ouviu os gritos e achou que alguém estava morrendo.

João ficou pelo menos dois dias internado no hospital e mais quinze dias em casa. Quando retornou ao trabalho, pediu para o patrão trocar o horário e comprar uma bicicleta para ele.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 04/08/2019
Código do texto: T6712309
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