O FANTASMA
Ele saiu de casa bem cedo, entrou no seu carro e seguiu sem rumo por qualquer lugar. Enquanto dirigia sentido ao centro, olhava pelo retrovisor e pela janela do seu carro o estado das pessoas. Almas tão entregues. Inertes e sem reação perante toda a maldade elencada e escancarada pelos ecos dos próprios corações. Todo o dinheiro, toda a fama, as luzes das lanchonetes e as máquinas das usinas soltando fumaça. E tudo aquilo lhe causava um desconforto sem tamanho, pelo fato de que ele podia ver com clareza, mas os outros não.
Ao chegar no centro do Rio de Janeiro, pegou seu violão e começou a cantar:
“Volta logo pra casa,
Acesa ainda está a luz,
E a porta aberta.”
Mas ninguém lhe ouvia ou dava atenção.
Seu espírito se comovia dentro de si; e quanto mais olhava as pessoas entregues a si mesmas e não a um ideal transcendente, sublime, santo, digno, imaginava estar numa selva de pedra, onde o esgoto mais parecia o sangue daqueles que perto dele estavam, mas sem o notar.
De repente ele se levantou, pegou um banquinho e no desespero de sua alma gritou:
“Acordem, ó turbas enganadas pelo ego.
Não permitam que verdades com validade sejam vosso norte!
Vejam como a luz que vocês festejam é falsa
Descansem harmônicos numa única luz
Desprendam-se do egoísmo e da vergonha
Humilhem-se e entendam
Que a melhor paz não está no pódio das vossas vaidades!”
Sequer um aplauso recebeu por isso. Nem vaia. Pareciam não se importar mais com nada. Nada mais causava admiração. "Todos ja viram visto de tudo", pensava. Seu uivar poético ecoava e não fez efeito. Pelo menos, não o efeito que ele queria. Decidiu continuar com seu violão até que a lua aparecesse. Cantava versos tristes, via a indiferença e por um descuido emocional quase lançou seu violão nas águas turvas da ponte em que viam pessoas com celulares na mão.
Respirou fundo mais uma vez. A luz da lua já dava seus primeiros sorrisos e o sol se pôs com dor. A lua gemia como um filhote recém nascido, não acostumado com as imagens que via.
Antes de voltar pra casa, decidiu andar pela cidade. Olhava para as pessoas, mas ninguém o via, ninguém o ouvia. Era um fantasma aos olhos deles. Tocava-lhes, mas não surtia efeito. Ninguém sentia o seu toque.
Viu uma criança na calçada. Aproximou-se dela e disse:
“Seu sorriso pelo menos desmancha a lacuna dos heróis
Olhar de pequenino universo...”
Até isso ela não ouviu. Nem sorriu. Lá estava... lá ficou. Parou de falar com ela e foi pra casa.
Ao voltar pro carro estacionado, colocou uma música para ouvir até o trajeto. Sua esposa ligou pedindo que passasse no mercado e trouxesse algo. Sua angústia o fez esquecer do pedido da esposa.
Já em casa e frustrado com o que viu, beijou esposa e filho, esse pequeno que brincava ainda com as malas da viagem que fizeram no final de semana para fora do estado; ligou o jornal. A mesma notícia que o angustiava:
“A polícia e os bombeiros ainda estão se esforçando o máximo para procurar os sobreviventes do atentado que ocorreu no Rio de Janeiro na noite de sexta-feira até o sábado, onde várias bombas de gás foram jogadas em vários lugares da cidade dizimando por completo uma civilização. Segundo os agentes, apenas uma casa estava vazia nesse final de semana e não foi atingida.”
07 de julho de 2050.
Uma homenagem ao poeta CJ OLLIVEIRA.
Leiam suas obras e entenderão.