Amigo Imaginário
Caros amigos, venho por meio desta carta, contar minhas últimas novidades, como já sabem, eu sou o mais novo detetive da cidade de São Paulo, o detetive Chrystian White. Depois de meus estudos em Santos, voltei para minha cidade natal, com muita ânsia para resolver o meu primeiro caso. Estava sentado na minha cadeira no meu escritório particular quando o telefone toca, mas dessa vez não era a velha vizinha a pedir que eu resgatasse o seu gatinho que estava preso em cima de uma árvore, era um policial que me chamara para ajudar a resolver um caso, um tanto estranho. Os pais de um menino de 14 anos estavam preocupados porque o menino de nome Mateus, havia fixado em sua mente, um amigo imaginário, e isso acontece desde que o menino era criança, começou quando ele tinha 6 anos, parecia normal na época, mas depois, na adolescência, o garoto ainda continuava falando desse tal amigo imaginário. Os pais já o levaram para vários psicólogos, os médicos diziam que ele sofria de esquizofrenia, então o menino começou fazendo tratamento, mas o garoto dizia que não estava doente. Quando acontecia algo ruim dentro da casa como por exemplo, o vidro da janela quebrada, o garoto sempre dizia que era o Jack (amigo imaginário) que aprontava, mas seus pais diziam que era uma desculpa para escapar do castigo. Uma vez o cachorro de estimação da família foi encontrado todo ensanguentado, morto, no jardim da casa deles. Esse episódio aconteceu antes de me chamarem para resolver esse caso. No diário de Mateus, eu encontrei ele citando sobre o ocorrido.
5 de Fevereiro de 2019. Diário de Mateus.
“Aconteceu, ele fez o que disse que ia fazer, ele matou, matou o cachorro, matou o Doggys! Jack me disse que ia matar se eu contasse que tinha sido ele que atirou a pedra no carro do papai, quebrando o retrovisor, e ele fez o que prometeu. Eu vi quando ele pegou a faca e começou a golpear o Doggys, foi horrível, eu vi o sangue, ele latia como se pedisse socorro, nunca vou esquecer disso, não consigo tirar essa cena da minha cabeça, ele matou, Jack matou o Doggys! ”
Ninguém acreditava no garoto, diziam que era coisa de sua imaginação, que por sinal era muito fértil, eu também não acreditei no começo, mas em uma conversa com o garoto, eu tentei arrancar dele a verdade, a verdade que eu queria ouvir, que ele tinha matado o cachorro.
- Então, Mateus, você disse que ele te salvou de uns moleques mais altos que estavam batendo em você?
- Foi isso mesmo, foi a primeira vez que eu vi ele, quando a gente se conheceu, ele bateu nos moleques mais altos e me livrou daquela.
- E você disse que tinha 6 anos quando isso aconteceu, confere?
- Sim
- Esse seu amigo, Jack, já machucou você?
- Nunca, ele só queria brincar comigo.
- E o seu cãozinho, o Doggys, tem certeza que foi o Jack quem o matou?
- Sim, eu vi com meus próprios olhos.
- Não foi você que pegou a faca?
- Está insinuando que eu matei o Doggys?
- Não, claro que não, he, he, só acho que um ser imaginário não mataria alguém, muito menos um animal.
- Ele não é um ser imaginário, ele é real.
Meus caros amigos, nunca fui do tipo temperamental, mas quando o assunto é casos que ficam sem conclusão, a qual não tem uma explicação satisfatória, eu fico possesso, e por mais que o final dessa jornada pareça terminada, com um ponto final para muitos, eu vejo mais dois pontos formando uma reticência, como que pensando ter algo a mais nesse angu. Eu estava pensando com meus botões quando ouvi no rádio da cidade, um homem morto que fora jogado de uma ponte no meio do trânsito noturno.
“Próximas notícias, um homem foi assassinado, jogado de uma ponte no litoral norte de São Paulo, a vítima foi identificada, José de Oliveira Campos de 33 anos, era pedreiro, estava voltando do trabalho quando foi empurrado por um sujeito o qual está foragido...”
Casos não terminados, casos intermináveis, preciso solucionar, há solução para tudo o que se imagina, é como uma partida de xadrez, para cada ofensiva do adversário, tem sempre uma solução, uma investida, um contra-ataque, para reverter a situação, uma revira volta, uma jogada de mestre, um dia você dorme cheio de contas pra pagar e no outro dia acorda milionário, a vida é para ser vivida ao máximo, é como sempre digo, você nunca saberá o que o futuro te reserva, há mais pastos verdes além do horizonte...
Acordei com esses pensamentos pela manhã de Março quando fui fazer meu trabalho com o garoto Mateus, e foi naquela noite que eu falei com seu pai pela última vez...
- Então, senhor Castro, voltarei pela manhã para continuar meu trabalho com seu filho.
- Fique mais um pouco, você não quer um chá ou um café?
- Obrigado, meu caro, mas eu já tomei três xícaras de café, e já está tarde, eu gosto sempre de ler um livro antes de dormir, preciso mesmo ir, boa noite, senhor Castro.
- Então tudo bem, boa noite senhor White.
Eu cheguei em casa e o mestre Doodles me recebeu com muito carinho.
- Quem é o gatinho do papai?
Depois que tomei banho, fui jantar, quando terminei, escovei os dentes e fui ler uma das minhas histórias favoritas, Os Assassinatos da Rua Morgue, de Edgar Allan Poe.
- Quero solucionar casos como o C. Auguste Dupin.
Acordei com uma notícia que me deixou muito triste, o senhor Castro, o pai de Mateus, havia morrido pela noite, umas três horas depois que saí da casa dele. Ele havia sido assassinado, encontraram a faca debaixo do travesseiro no quarto de Mateus. O que faz dele o principal suspeito, mas apesar de não haver digitais na faca, a polícia não deu mole para o moleque e tentaram assustar o garoto para que contasse a verdade, mas tudo que ele dizia era que tinha sido Jack, seu amigo imaginário que matara seu pai. Em seu diário ele havia escrito sobre essa situação pavorosa.
13 de Março de 2019. Diário de Mateus.
“Quando fui para cama dormir, tentei, mas não consegui fechar meus olhos, eu ouvia gritos vindo do quarto de meus pais, eram como gemidos, por mais que eu tentasse dormir, aqueles gritos me assustavam, então me cobri com meu cobertor para abafar o som, mas Jack apareceu e puxou meu cobertor me descobrindo. Jack dizia que meu pai estava machucando minha mãe e por isso ela gritava, ‘a cegonha virá daqui nove meses’, ele disse. ‘Só há uma maneira de seu pai parar de machucar sua mãe’, ele disse, eu perguntei qual maneira e ele respondeu, ‘você precisa matá-lo’, eu nunca farei isso, eu disse, ‘então eu farei por você’, ele disse. Depois que meu pai saiu do quarto, ele foi no banheiro, Jack pegou a faca na cozinha, entrou no banheiro e matou meu pai, eu ouvi os gritos dele, eu fiquei num canto do meu quarto chorando. ”
Meus caros amigos, as coisas já estavam ficando fora de controle. Compareci no enterro e não foi fácil, a mãe de Mateus, a dona Ana Lucia, chorava que dava dó, e tenho que admitir, para o meu primeiro caso, aos meus incríveis 27 anos, não foi brincadeira, agora, em vez de relatar se o moleque tinha problema na cabeça (o que nem cabia a mim dizer) eu tinha que descobrir se o guri era um assassino, e por mais que eu desse uma de advogado e quisesse provar a todo custo sua inocência, qualquer ser humano racional diria que é um caso perdido, que tinham que internar o moleque. Mas com toda a minha sinceridade, prefiro estar errado, e que esse garoto seja inocente. Preciso quebrar a cabeça para descobrir o que realmente está havendo, se esse tal “amigo imaginário” é real, então pode ser alguém chamado Jack que morava ali por perto e fazia visitas ao garoto. Quando tudo terminou, eu descobri que havia sim, um homem adulto de nome Jack, morando por aquela região, mas quando fui a sua casa para abordá-lo, ele não estava lá, e mais, deixou uma carta dizendo que iria fazer uma viagem só de ida, mas não disse aonde iria, isso me deixou sem chão. Quando ia dar xeque no assunto, lembrei-me que os pais de Mateus diziam que muitas vezes estavam por perto quando ouviam Mateus falando sozinho com esse tal de Jack, eles olhavam Mateus falando, mas não via ninguém com ele. Bom, isso foi o que quebrou minha teoria, mas será? E se for um fantasma que o garoto via? Podia ser, mas não, eu não acredito em fantasmas, acredito em fatos muito bem analisados e soluções bem realizadas, mas em todos os casos, que é preciso provas para concluir e dar a sentença, você tem que procurar, seja onde for, para conseguir chegar a uma conclusão satisfatória e deixar as pessoas cientes do ocorrido.
No dia 2 de abril a polícia recebeu um chamado, que na casa de Mateus, aconteceu uma tragédia, os policiais foram para lá, já era noite, e encontraram Ana Lucia, a mãe de Mateus, morta envolta de uma poça de sangue, ela foi esfaqueada até a morte, de forma brutal. Eu vi o corpo, mas não acreditava no que meus olhos estavam vendo, os olhos dela estavam furados e havia muitos cortes em sua garganta, quase vomitei. Naquela noite não encontraram Mateus, nem um sinal do garoto. Eu entrei em seu quarto, encontrei seu diário e peguei, isso poderia servir como prova.
1 de Abril de 2019. Diário de Mateus.
“Jack disse que mamãe iria me internar e que eu não podia deixar isso acontecer, ‘mate ela’, ele disse, não vou matar, eu disse, ‘pode deixar, eu farei isso por você’, ele disse. Quando a mamãe estava lavando a louça, Jack a surpreendeu atacando-a por trás, com a faca, nas costas dela, e jogando-a no chão, ficou em cima dela, esfaqueando-a, enquanto ela sangrava, ele ria, ‘olha garoto, é assim que se faz’, ele disse. Eu não pude mais aguentar, ele matou meus pais, preciso fazer algo, algo que eu devia ter feito desde que Jack matou o Doggys, eu preciso matá-lo, ele queria que eu matasse, então é isso, eu vou matá-lo para vê-lo sangrar, como ele fez com o Doggys, como ele fez com meus pais. ”
Meus caros amigos, eu já não sabia o que fazer, eu, Chrystian White, estava perdido em pensamentos, e foi quando eu saí para fumar um charuto, nunca fumei na minha vida, mas comprei um charuto para fumar aquela noite, é provável que eu nunca mais volte a fumar na vida, mas dessa vez foi uma situação diferente, eu queria espairecer, e não há nada melhor para espairecer como a fumaça de um charuto. Enquanto fumava, andava ao acaso pela madruga, dia 2 de Abril e não sei porque, me veio à cabeça o título do livro de Agatha Christie: Cai o Pano.
- Eu queria ter um bigodinho parecido com o do Hercule Poirot.
Estava andando quando dei de cara com o mestre Doodles, meu gato preto de estimação, mas o que ele estaria fazendo ali na rua, me perguntei, odeio perguntas sem respostas, segui mestre Doodles para ver aonde ele iria, parecia que queria me mostrar alguma coisa. Quando chegamos onde mestre Doodles queria, eu não pude acreditar, ele estava no chão, morto, com uma faca cravada no coração, Mateus, morto no chão com o peito varado por uma faca, sangrando, sobre meus olhos, juro, quase desmaiei.
Ana Lucia e Mateus foram enterrados cinco dias depois. A policia disse para todos que Mateus havia matado a mãe e depois se matou, e caso encerrado. Mas espera aí, para mim, o caso ainda não tinha acabado, a faca que foi encontrada sobre o peito de Mateus foi examinada, encontraram as digitais de Mateus, só que também encontraram as digitais de outra pessoa a qual não conseguiram identificar. A barriga de Mateus foi cortada, os cortes foram feitos com faca para que todos vissem um nome: Jack! Não posso dizer que foi Mateus que matou, ele não era um assassino, ele era só uma criança de 14 anos com uma imaginação fértil. Fértil demais para criar em sua mente, um amigo imaginário para poder brincar, mas a brincadeira foi longe demais. O amigo imaginário era real, para Mateus, tão real a ponto de que Jack pudesse adentrar em nossa realidade através da mente de Mateus, um garoto de 14 anos, e usando isso, ele mostrou sua verdadeira face, um assassino em série, um psicopata! Meus caros, Mateus não era maluco, não era doente, era um garoto saudável com muita imaginação como todo adolescente tem em sua juventude. Mateus é inocente, ele era só uma criança mal compreendida, e vocês o chamam de assassino!
Como vocês podem prever, meus caros, uma pessoa racional não engoliria essa teoria, um tanto fantástica, surreal, mas foi a única conclusão que eu tive depois de ter sonhado com Mateus enfrentando Jack no meio da noite com a faca em mãos, eles lutaram, Jack tomou a faca da mão de Mateus e o apunhalou bem no coração, matando-o. Depois que Mateus deu o seu último suspiro, Jack desapareceu, se esvaindo pelo ar. Para mim, meus caros, o caso acabara de ser encerrado, mas ninguém acreditou em mim, e sinceramente, nem eu acredito em mim. Talvez esse sonho tenha sido coisa da minha imaginação, como uma resposta mais satisfatória que eu estava procurando para dar xeque mate ao caso, mas em todo caso, prefiro acreditar que Mateus era inocente e que o sobrenatural é real, do que acreditar numa verdade cagada e cuspida só para satisfazer os curiosos de plantão que não aceitam uma verdade além da verdade, ou outra verdade que possa ser mais verdade do que a própria verdade, mas eu não acredito no sobrenatural, acredito que há mais coisas além do horizonte, coisas que nossos olhos possam enxergar. E assim fico pensando, o que Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle pensaria sobre isso? E qual seria o xeque-mate que ele daria numa situação como essa? Aposto que ele diria: “Que mistério mal resolvido! ”
Com meus mais sinceros abraços, Gabriel, Rafael, Bruno, Letícia e (suspiros) Lucy...
Atenciosamente de seu grande amigo, o detetive, Chrystian White.
10 de julho de 2019.