A Revolta da Tranquilidade

Dionísio era um homem que vivera boa parte de sua vida em um lugar afastado do tumulto dos vendedores ambulantes. Para sua sorte, sua calmaria era um vasto prado cheio de flores e belas oliveiras, cabras e ovelhas, entre outros animais e plantas do campo.

Sua casa era simples, mas muito bem construída, e bem-arranjada com equipamentos para a vida campestre. Paredes de pedra com algumas fissuras e tijolos desgastados marcavam um certo ar de antiguidade. Fora o presente que seu velho pai Asturgo lhe dera antes de falecer.

Todas as tardes, por volta das cinco ou seis horas, Dionísio se lembrava de seu pai extraindo o óleo das olivas, cuidando das cabras e dos outros animais.

Asturgo fora um homem que se mudara para o campo cansado da cidade, de toda a agitação, das constantes invasões e de seus anos de trabalho duro como ferreiro. Contudo, dispusera-se em sua velhice a construir, junto a alguns trabalhadores e a seu filho, a casa e a tranquilidade que sempre sonhara.

Ao se lembrar dele, Dionísio se sentava em uma rocha que ficava em frente à sua casa nas montanhas. Gostava de observar o pôr do sol e os efeitos luminosos gerados no céu.

“Meu pai sempre quis estar aqui e mal pôde aproveitar esse momento...” refletiu, inconformado.

Asturgo fora um homem forte, mas ao completar a construção de sua tão sonhada casa tivera uma morte súbita, mesmo em se tratando de sua idade avançada.

Dionísio, ao ver o pai estirado perto da rocha, não conseguira conter sua dor e gritara o mais alto que pudera, recolhendo o ódio que adquirira pela cidade, pelos tumultos, agitações e transtornos vivenciados em sua infância junto ao pai, e jogando tudo para fora em um único urro que repercutira entre os horizontes e campos daquele vasto e tão sonhado lugar nas alturas.

Mais tarde, ainda no mesmo dia, enterrara seu pai no alto da montanha, cobrindo seu corpo com as pedras que recolhera.

Desde então, Dionísio se lembrava de seu pai todas as tardes; e todas as tardes escutava o urro que dera no dia de sua morte.

Um dia, decidiu deixar o lugar. Voltou à cidade de onde viera e foi visitar o antigo local de trabalho de seu pai.

Depois de algumas horas de caminhada, chegou exausto.

“O que houve?”, indagou, contrariado e surpreso com o clima da cidade que tanto desgastara seu pai tempos atrás: tudo parecia envolvido por um manto de calmaria. Via que poucas pessoas caminhavam e que um silêncio tomara os ares daquelas ruas. Logo depois, foi em busca da velha ferramentaria de seu pai, onde encontrou um senhor que trabalhava polindo algumas armaduras e espadas levemente enferrujadas.

“Olá, senhor!”, Dionísio chamou a atenção do velho, que se aproximou a passos lentos e o encarou com um olhar penetrante e ao mesmo tempo tranquilo. Conversaram a respeito de trabalho.

“É difícil encontrar alguém que queira trabalhar nesta cidade, mesmo porque tudo aqui está deixando de existir.”, disse o homem idoso.

“Eu gostaria de fazer qualquer coisa, mesmo que tenha de varrer o chão, ou polir como o senhor está fazendo. Tive uma casa no campo; sei fazer óleo, tirar leite e plantar, entre outras coisas.”

“Pra quem vai plantar ou oferecer leite? Ninguém mais quer viver aqui depois da grande guerra.”

“Que grande guerra?”, indagou Dionísio, curioso e um pouco assustado.

“Há pouco tempo atrás, houve uma guerra terrível por aqui, um conflito cujos motivos ninguém sabe explicar direito, e junto veio uma tempestade, que com seu ódio e seus raios acabou por mudar o destino e a vida de todos os habitantes da cidade. Muitos a viram como uma salvação, outros como o próprio inferno na terra; alguns mereceram, outros não...Pois a partir daí nunca mais tivemos outras guerras ou qualquer tumulto. Portanto, meu jovem, vá embora; você não vai ter o que fazer por aqui, busque a sua paz em outro lugar...”, o velho deu as costas e foi se retirando... Até sumir por uma porta.

Dionísio, obcecado por aquele lugar, ficou completamente perdido e perplexo, sem saber o que fazer; talvez retornar à sua casa e ter de recordar todas as tardes o seu pai e o urro que dera, fruto de sua revolta mais profunda; ou entender que a tranquilidade que sempre desejara acabava de chegar. Ou, quiçá ainda, compreender que a tranquilidade é algo muito maior do que o silêncio que agora jaz nestas terras.

Talvez lhe reste apenas o incubo de tentar compreender todas estas questões agora, sozinho...

20/02/2008

Valerio Oddis Jr
Enviado por Valerio Oddis Jr em 05/07/2019
Código do texto: T6689036
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