A história de um deus.

Ano 415.

As pessoas eram boas, não havia ganância, discórdias, todos respeitavam seus entes entre si e também sabiam adorar a natureza ao seu redor, pois, sabiam que havia um Deus que cuidava de tudo. Seu nome era Akuanduba. Os humanos também sabiam que esse Deus era rigoroso e não aceitava desordens, principalmente se fossem causadas por falhas humanas. Pois bem, quando os humanos excediam, Akuanduba com sua flauta colocava ordem em tudo. Mas em certa ocasião, houve uma confusão entre os habitantes de uma

aldeia de índios, esses índios pertenciam a tribo dos araras. Estavam festejando a vitória sobre alguns inimigos fazendo colares de dentes, quando a briga começou por conta de atritos sobre quem teria mais direitos ao colar.

Nas águas do rio Xingu, estado do Pará, Akuanduba tocava sua flauta, seu olhar era atento e severo, mesmo com a musicalidade forte os índios não se controlavam. Então, Akuanduba lançou todos eles nas águas, afogando a maioria, outros morriam ao chocar com a água, só assim aquela desordem parou. Aqueles que conseguiram sobreviver, jamais fizeram nada de errado que pudesse contrariar as vontades de Akuanduba, sobreviveram, mas passaram o resto de suas vidas temendo até seus próprios sonhos.

Os descendentes desses sobreviventes contam essa história e ainda dizem que seus antepassados viram quando Akuanduba saiu da água e se transformou em uma onça preta passando a viver nas matas.

Ano 2018.

Penny fechou o livro, o ar condicionado da biblioteca estava frio demais e ela havia deixado sua blusa na sala de aula. Devolveu o livro a bibliotecária e perguntou:

— A história de Akuanduba é muito conhecida?

— Não, infelizmente há muitas histórias da mitologia brasileira que foram esquecidas. – disse a bibliotecária.

Penny com um sorriso agradecido se despediu e saiu caminhando em direção a sala de aula, pensando no motivo que levou Akuanduba a se transformar em uma onça preta, viver nas matas e deixar as águas. Com isso, ela começou a perguntar para si mesma: "E agora? Como poderia ele tocar sua flauta? Seria esse o motivo que fez os

humanos chegarem ao ponto em que estamos hoje? Sem a música da flauta de Akuanduba não há controle nas atitudes humanas?". Os passos de Penny ficaram mais apertados, ela sabia quem deveria procurar para lhe responder essas perguntas.

A avó de Penny era uma sábia que cultuava os saberes xamânicos e tudo que fosse relacionado à natureza, morava em uma casa um pouco afastada do povoado. Naquela tarde, quando voltou da escola, Penny veio perguntar para sua avó a história sobre Akuanduba e falar sobre suas dúvidas.

A avó sempre com cigarro de palha e cheiro de canela, lhe contou que era preciso ter cuidado ao ficar fazendo perguntas sobre Akuanduba, ele se transforma em onça preta só quando quer ser visível para as pessoas, mas ele é uma energia presente em todos os lugares.

— Minha neta, você sabia que a onça preta possui em sua característica a solidão? – perguntou-lhe a avó.

— Eu não sabia, vovó. Por que ela possui essa característica? – respondeu Penny apresentando muita curiosidade sobre Akuanduba.

— Akuanduba ficou muito triste com a desobediência dos seres humanos, mas se arrependeu de tê-los lançados nas águas, por isso se tornou solitário nas matas. Muitos dizem que lá ele ainda lamenta sua atitude, por isso resolveu dar o livre arbítrio para os homens

fazerem o que bem quisessem, começando tudo de novo.

Surpresa com a história de Akuanduba, Penny fez mais uma pergunta para sua avó:

— Em relação a sua flauta, o que aconteceu com ela?

— Ele nunca mais a tocou para controlar a vida dos seres humanos, mas dizem que usa de vários sons para comunicar com a mata, por isso, a selva é tão cheia de perigos apesar de bonita, um passo falso e você pode ter sérias consequências.

A avó tinha o olhar distante para a janela que adentrava uma parte da floresta nacional dos Tapajós e disse:

— Cuidado com seus questionamentos! Não pense que Akuanduba está totalmente alheio ao que está acontecendo com o mundo hoje, por causa das atitudes tomadas pelo ser humano. De um modo ou outro ele ainda não perdeu sua rigorosidade e ainda pune os seres humanos que tem atitudes más. Como já dizemos, aqui se faz, aqui se paga...

Já era noite, Penny não voltaria para seu povoado, porque já havia escurecido. Então, ela dormiu com sua avó e antes de adormecer teve a impressão de ter ouvido uns barulhos estranhos. Parecia sons de flauta ou um ronronar quente próximo ao seu pescoço?

Penny quis olhar, mas não teve coragem.

Liliene Maria Rodrigues
Enviado por Liliene Maria Rodrigues em 04/07/2019
Reeditado em 01/10/2019
Código do texto: T6688287
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