O SEGREDO DOS TEMPLÁRIOS
Os pedreiros-livres também eram chamados de “Filhos da Viúva”. Eles haviam recebido esse apelido por motivos legais e por conta de antigas tradições cujas origens ninguém sabia mais como determinar. Desde tempos anteriores à sua ligação com o Templo, a chamada Lei Sálica, existente já nos tempos de Carlos Magno, proibia que as viúvas desses profissionais recebessem pensões em razão da sua morte no exercício do ofício. Então a Igreja, para remediar essa situação, patrocinava os filhos dos pedreiros falecidos, colocando-os como aprendizes nas guildas desses profissionais, para que assim suas famílias tivessem algum amparo. Com o tempo, somente aprendizes oriundos das próprias famílias desses profissionais, ou aqueles indicados pelos mestres dessas confrarias podiam ser admitidos na profissão, o que se tornou uma tradição .
Afora isso, os pedreiros livres da França já haviam introduzido em suas tradições iniciáticas, desde os antigos tempos, uma espécie de culto á “Mãe- Universal”, a terra, que em sua mística iniciática, era considerada como “útero” onde a semente divina era fertilizada e gestada para dar nascimento às obras da natureza. Assim, muito antes de o Criastianismo se tornar a religião oficial do Ocidente, os templos dedicados à Ísis, Ceres, Atena, Astarte e outras simbólicas “mães” universais eram considerados como canais de comunicação entre essas divindades e os povos que as cultuavam. Com o advento do Cristianismo essas tradições se fundiram na figura de Maria, a mãe de Jesus. Por isso a maior parte das basílicas metropolitanas se construíam para honrar a “Virgem Mãe”, que na França são chamadas de Notre Dame. E os seus construtores eram tidos como “filhos diletos” dessas mães universais, as quais, em suas historiografias, eram geralmente, “viúvas”.
Com a vitória do Cristianismo, e a absorção desse simbolismo pela figura da Virgem Maria, a mística dos templos construídos para honrar a “mãe viúva” foi transferido para as grandes catedrais. Com efeito, a catedral tornou-se o símbolo da sociedade medie-val. Todas as correntes da vida comunitária passavam por ela. Nela se discutiam os problemas políticos e econômicos, as ações que deviam ser encetadas para melhoria da vida comunal, as cotações dos produtos agricolas; à ela os cidadãos acorriam para benzer seus produtos, apresentar seus herdeiros, batizá-los e introduzi-los como cidadãos da comunidade; a ela todos vinham para agradecer, pedir bençãos, perdão e ajuda em seus empreendi-mentos. A catedral medieval e as igrejas provinciais, eram, assim, a verdadeira capilaridade por onde corria o sangue que dava vida às comunidades medievais.
Era ela que anunciava, ao toque dos sinos, os grandes aconte-cimentos e tragédias que moldavam a vida dos cidadãos. A Igreja era, pois, a “ mãe ” para o cidadão medieval. Uma “mãe universal”, que em todos os tempos tinha sido identificada com uma “mulher viúva”, pois que seu esposo era um “deus morto”, embora tivesse ressuscitado.
Essa portanto, era uma das razões de os Templários terem adotado em suas reuniões secretas o culto à Virgem, a deusa dos Grandes Mistérios, cujo símbolo era uma lua crescente. Ela era a representação do chamado Sagrado Feminino, ou a Dama, a quem aqueles seletos cavaleiros, em sua mística ordenança, deviam ser todos consagrados, conforme a regra prevista no regulamento da Ordem, redigido pelo santo abade Bernardo de Clairvaux.
O culto ao Sagrado Feminino era uma tradição presente no espirito do povo francês desde os primórdios da sua história. Praticamente, todas as comunidades francesas tinham a sua própria Notre Dame. E depois do advento do Cristianismo, em muitas delas, um templo dedicado à Madeleine. Essas mulheres, Ísis, a Virgem Maria, Maria Madalena, a Santa Sofia, Ceres, a deusa romana da fertilidade, todas encarnavam o princípio do Sagrado Feminino, simbolizado no arquétipo da “Mãe da Vida.”
Nos rituais da Ordem do Templo, o culto ao Sagrado Feminino havia sido instituído pelo próprio São Bernardo ao redigir as regras da Irmandade. Ele mesmo, segundo uma lenda muito conhecida, teria sido alimentado, quando criança, pelo leite jorrado da imagem de uma Virgem Negra.
Destarte, sendo a Cavalaria uma instituição que tinha o seu lado romântico, onde o cavaleiro era visto como um herói a serviço de uma causa e de uma dama, essa teria sido uma fórmula encontrada pelo santo abade para recompensar os sentidos dos monges guerreiros em face da estrita obrigação de castidade deles exigida. Assim, ao serem proibidos de tocar em mulher, não haveria uma âncora mais eficiente para mitigar essa sensibilidade do que colocá-la na posição inatingível de uma deidade, uma mãe divina, com a qual um simples pensamento lascivo já seria um pecado sem perdão. Pois essa sensibilidade já transparecia nos ideais da própria cavalaria profana, onde um cavaleiro tinha como tradição escolher uma dama a quem oferecia a sua proteção, e às vezes o seu amor platônico, na forma de um culto que estava mais para uma forma de misticismo religioso do que para uma experiência dos sentidos.
Dessa forma, todos os Cavaleiros Templários, na impossibilidade de ter uma “dama” pessoal, a quem pudessem oferecer sua devoção, adotavam a Virgem como sua “dama”. De uma forma geral essa dama era Maria, mãe de Jesus e viúva de José, o carpinteiro. Maria, a quem alguns monges da Ordem, versados na sabedoria da Cabala, chamavam de Shekinah, a expressão cabalística da via carnal pela qual a divindade entrara no mundo da matéria. Mas para os Irmãos do Círculo Interno Superior ela encarnava também Ísis, a deusa egípcia da ressurreição, ou ainda Maria Madalena, a santa Madeleine, que algumas tradições diziam ter sido a esposa de Jesus e simbolizava Sofia, a divina Sabedoria, cuja manifestação no mundo da matéria dava vida ao universo.
Todas essas mulheres eram viúvas. Assim como a própria Igreja era a “esposa viúva de Cristo.” Dessa maneira todos os devotos da Notre Dame, eram “filhos da viúva”. Assim, não era estranho que templários, maçons e alquimistas, que na prática de seus misteres, estavam ligados pelos mesmos laços de simbolismo, consagrassem suas vidas e obras a esse princípio, representado pelo Sagrado Feminino.
Que os Templários tinham se desviado da ortodoxia católica, isso de Molay tinha consciência. Afinal, ele era o Grão-Mestre geral da Ordem. Subira toda a escada iniciática do Templo e quando fora iniciado no Capítulo LVIII, antes de tornar-se o supremo comandante da Ordem, todos os segredos que a Irmandade detinha lhe foram revelados. Apenas ele e um círculo muito restrito de altos dignitários do Templo compartilhavam de certas informações que, se divulgadas, abalariam os alicerces do Cristianismo, provocando profundas modificações na estrutura de toda a sociedade ocidental. Então cabia a ele preservar esses segredos. Que rei não gostaria de saber a verdadeira história da paixão, morte e ressurreição de Jesus, por exemplo? De saber que os evangelhos canônicos não revelavam a verdade sobre Jesus, mas que eram crônicas encomendadas pela Igreja de Roma para justificar o monopólio sobre os espíritos, que os bispos católicos assumiram, ao “vender” a Igreja de Cristo para o imperador Constantino? E que o poder do Papa se assentava sobre um torpe mentira urdida e defendida a custo de tanto sangue, por tantos séculos, somente por ganância e sede de dominação?
Aprendera que essa verdade fora sufocada no Concilio de Nicéia, quando os bispos da Igreja Romana resolveram proibir todas as outras formas de expressão da fé que Jesus ensinara aos seus discipulos. Todos os demais evangelhos, crônicas e informações escritas sobre Jesus e sua obra na terra foram censuradas, adulteradas, destruídas, ou de alguma forma ocultas, para que ninguém soubesse quem foi o verdadeiro Jesus, nem qual a sua verdadeira missão. Ela sufocara a verdadeira Igreja que os discípulos de Jesus haviam fundado, a Igreja de Jerusalém, cujo primeiro bispo fora o próprio irmão caçula de Jesus, conhecido como Tiago, o Justo. A Igreja de Roma, da mesma forma que os governadores romanos haviam destruído a nação judaica, destruíram a Igreja de Jerusalém, detentora da verdadeira doutrina ensinada por Jesus. Mas ela sobrevivera através de alguns de seus discípulos, especialmente Maria Madalena, a quem Jesus confiou o essencial da sua doutrina. Essa era a doutrina professada pelos cátaros e agora pelos Templários.
Os Templários, além disso, haviam percorrido toda a Terra Santa. Conheceram pessoas e crenças diferentes daquelas que a Igreja de Roma pregava. Nos quase cem anos em que dominaram a região tiveram oportunidade de reunir documentos e informações orais que não constavam de nenhum registro oficial, cuja divulgação o Vaticano permitia.
Além dos pergaminhos desenterrados nos subterrânos do Templo de Jerusalém, havia aqueles livros, dos quais eles tomaram conhecimento, que estavam guardados em um mosteiro no deserto do Egito, na aldeia de Nag Hammadi, onde um grupo de monges cenobitas, fugindo do enquadramento que lhes queria dar o bispo Atanásio, de Alexandria, tinham fundado, no século IV, uma comunidade de cristãos ascetas. Nesse lugar, afastados da civilização, como no passado os essênios haviam feito para fugir dos romanos e dos fariseus e saduceus, os monges cenobitas, cristãos conservadores e avessos à política que a Igreja Romana estava impondo ao mundo cristão, haviam fundado uma seita que se dedicava a copiar e conservar documentos antigos. Ali eles esconderam vários textos nos quais os censores do Vaticano não conseguiram botar a mão, inclusive o único testemunho de um verdadeiro discípulo de Jesus, colhido de primeira mão. Esse evangelho, o de Tomé, segundo os mestres antigos, revelava o verdadeiro Jesus. Vários mestres do Templo afirmavam ter conhecimento desses textos, mas não podiam divulgá-los nem revelar a sua existência e localização, pois a Cristandade ainda não estava preparada para isso.
Passou também pela cabeça de Jacques de Molay a possibilidade de que as acusações que estavam sendo feitas aos Templários tivessem também alguma coisa ver com as práticas rituais dos pedreiros-livres ligados à Ordem. Seus segredos rituais, inspirados em ensinamentos do pitagorismo, com referências às antigas ciências caldaicas, judaicas e egípcias, sempre incomodaram a Igreja, pois remetia a um mundo pagão que os bispos de Roma tanto se esforçaram para enterrar.
E havia também aquela estranha ocupação a que alguns monges Templários se dedicavam, uma prática ligada à arte que eles haviam aprendido com os muculmanos, arte essa que ensinava a manipular a “alma” dos metais, para realizar transmutações em suas estruturas. Era a prática da chamada alquimia, que alguns príncipes e prelados haviam transformado em uma indústria muito lucrativa, além de fazer dela uma espécie de religião bastante misteriosa.
Jacques de Molay tinha conhecimento de que vários monges filiados à Ordem se dedicavam à prática alquimica. Eles haviam aprendido essa arte com os alquimistas muçulmanos, os quais, por sua vez, a receberam de antigos mestres egípcios e gregos. Essa era uma arte milenar que, segundo uma antiga tradição egípcia, lhes havia sido ensinada pelo deus Hórus, que os gregos chamavam de Hermes. Por isso o título que lhe davam de “arte hermética”.
Mas, a bem da verdade, o Grão-Mestre Templário nunca se importara muito com essas informações. Primeiro porque não tinha muita certeza de que isso fosse possível. Fabricar ouro através de manipulações em minerais simples como o chumbo, o ferro, o estanho e o cobre parecia ser coisa de velhos contadores de histórias, ou então de peregrinos supersticiosos, como aqueles que iam à catedral de Canterbury para cultuar São Thomas ‘a Becket, ou os que iam a Santiago de Compostela em busca de experiências espirituais.
Sabia que a Ordem patrocinava alguns laboratórios onde a chamada “arte dos adeptos” era praticada. Sentira até uma certa excitação espiritual ao ver a aparelhagem dos alquimistas, constituída por capiteis, alambiques, fornos, balanças e outros artefatos que os “filhos da ciência” usavam em sua estranha ocupação. Um desses alquimistas, o mestre Everard de Evreux, se tornara seu amigo e protegido. Fazia suas pesquisas com o financiamento do próprio tesouro Templário.
Entretanto, de Molay nunca conseguira presenciar uma verdadeira transmutação. Segundo lhe dissera Mestre Everard, a pedra filosofal, derradeiro composto da obra alquímica, era um artefato tão difícil de obter, que somente alguns eleitos de Deus o conseguiam. Muitos empregavam nesse trabalho a vida inteira sem consegui-lo. Ela era uma espécie de Santo Graal ─ a taça que conservara o sangue de Cristo ─, que muitos achavam ser uma das relíquias conservadas pela Irmandade do Templo.
Jacques de Moplay esboçou um sorriso discreto diante dessas especulações. Ele sabia muito bem o que era o Graal. Era o sangue de Jesus, o Sangue Real, transmitido de geração a geração a uma família, e que, por conta disso levara o Ocidente à uma guerra com o Oriente, em um dos mais sangrentos conflitos que a humanidade já presenciara: a Primeira Cruzada. Esse era um segredo que os Irmãos do Círculo Interno Superior guardavam à sete chaves e somente o revelariam se um dia houvesse condições políticas para isso.
No entanto, gostaria que a crença dos alquimistas tivesse algum fundo de verdade. Se houvesse um artefato com tal poder... Um composto mágico que fosse capaz de transformar metais comuns em ouro. Ou então, agir sobre o espirito do homem com um poder capaz de transformá-lo, de um momento para o outro, de um simples ser ignorante e passageiro, em outro cuja inteligência seria próxima à de um deus, e cuja vida seria quase eterna. Pois era essa a promessa feita a quem conseguisse produzir a pedra filosofal...
De qualquer modo, um artefato como a pedra filosofal poderia ser mais uma maneira de engordar o tesouro da Ordem. Por isso o Templo encorajava e financiava alguns de seus monges a trabalhar nessa ocupação, que para muitos era demencial. De uma forma ou de outra, se lucro não trouxesse, também não haveria prejuízo. Alguns bons resultados já tinham sido obtidos. O aço fabricado nas forjas templárias era mais duro e resistente do que o obtido em outras oficinas. As boticas templárias eram muito melhores providas de medicamentos, unguentos e outros produtos químicos do que em qualquer outro lugar; os couros trabalhados pelos curtumes do Templo eram mais resistentes e duradouros. Tudo obtido através das pesquisas e das experiências feitas pelos alquimistas da Ordem.
Aliás, essa lenda já corria mundo. Muita gente pensava que os alquimistas do Templo haviam, de fato, descoberto a pedra filosofal. E que a extraordinária riqueza dos Templários vinha dos seus laboratórios, onde seus monges haviam aprendido a transformar chumbo, ferro e outros metais comuns em ouro e prata. Afinal, perguntavam os incrédulos, onde os Templários iam buscar tanta prata, sendo esse um metal raríssimo nas terras da Cristandade? No entanto, o Templo possuía estoques imensos desse metal...
Jacques de Molay esboçou outro sorriso em face desse pensamento. Ele sabia de onde vinha a prata dos Templários. Esse era outro dos grandes segredos da Ordem. Em pensamento viu as galeras com a cruz vermelha singrando os desconhecidos mares que os superticiosos marinheiros mediterrâneos chamavam de Mar Exterior. Seu sorriso se ampliou ao lembrar-se dos titulos que os marinheiros Templários colocavam nesses mapas para despistar suas rotas. Aqui a Ilha dos Dragões. Acolá o Rochedo dos Ciclopes, mais além a Terra dos homens de pele vermelha e olhos puchados, que cortam a cabeça de seus inimigos em sacrifícios realizados no alto de pirâmides tão altas quanto as do Egito. A terra Merica e a ilha dos grandes carvalhos, no miste-rioso continente onde as velas templárias já tinham aportado, além do grande oceano, habitado por povos bárbaros, que ainda cultuavam deuses estranhos e faziam sacrificios humanos em honra a eles...
Mas logo seu semblante se anuviou novamente. Um pensamento desagradável e preocupante trouxe de volta à sua cela uma mente que vagueava por terras inóspitas, habitadas por povos tão diferentes daqueles que ele conhecera em sua vida de monge guerreiro. Terras que ele nunca visitou, mas tinha as descrições de quem o fizera. Uma terra cheia de prata e ouro, metais que seus habitantes só usavam como enfeites e adereços, sem se dar conta do seu valor monetário...
As figuras de Filipe, o Belo, William de Nogaret e Clemente V, encheram de novo a tela da sua visão interior. Seu coração se contraiu como um passarinho que tivesse sendo esmagado por uma mão de ferro.
“Como Adão e Eva foram expulsos do Paraíso por terem comido o fruto do conhecimento do bem e do mal, não teremos nós, o mesmo destino, pelo fato de termos ido longe demais?”, concluiu ele. Então ajoelhou-se e persignou-se, olhando para o rabisco de uma lua crescente desenhada na parede da cela. Quase inconscientemente murmurou para si mesmo: “valei-me Ò Virgem, Ísis, divina Mãe, por quem a Sabedoria e a Glória Divina entraram na terra”.
(DO LIVRO REGNUM DEI- A IRMANDADE DOS SANTOS MALDITOS), NO PRELO
Os pedreiros-livres também eram chamados de “Filhos da Viúva”. Eles haviam recebido esse apelido por motivos legais e por conta de antigas tradições cujas origens ninguém sabia mais como determinar. Desde tempos anteriores à sua ligação com o Templo, a chamada Lei Sálica, existente já nos tempos de Carlos Magno, proibia que as viúvas desses profissionais recebessem pensões em razão da sua morte no exercício do ofício. Então a Igreja, para remediar essa situação, patrocinava os filhos dos pedreiros falecidos, colocando-os como aprendizes nas guildas desses profissionais, para que assim suas famílias tivessem algum amparo. Com o tempo, somente aprendizes oriundos das próprias famílias desses profissionais, ou aqueles indicados pelos mestres dessas confrarias podiam ser admitidos na profissão, o que se tornou uma tradição .
Afora isso, os pedreiros livres da França já haviam introduzido em suas tradições iniciáticas, desde os antigos tempos, uma espécie de culto á “Mãe- Universal”, a terra, que em sua mística iniciática, era considerada como “útero” onde a semente divina era fertilizada e gestada para dar nascimento às obras da natureza. Assim, muito antes de o Criastianismo se tornar a religião oficial do Ocidente, os templos dedicados à Ísis, Ceres, Atena, Astarte e outras simbólicas “mães” universais eram considerados como canais de comunicação entre essas divindades e os povos que as cultuavam. Com o advento do Cristianismo essas tradições se fundiram na figura de Maria, a mãe de Jesus. Por isso a maior parte das basílicas metropolitanas se construíam para honrar a “Virgem Mãe”, que na França são chamadas de Notre Dame. E os seus construtores eram tidos como “filhos diletos” dessas mães universais, as quais, em suas historiografias, eram geralmente, “viúvas”.
Com a vitória do Cristianismo, e a absorção desse simbolismo pela figura da Virgem Maria, a mística dos templos construídos para honrar a “mãe viúva” foi transferido para as grandes catedrais. Com efeito, a catedral tornou-se o símbolo da sociedade medie-val. Todas as correntes da vida comunitária passavam por ela. Nela se discutiam os problemas políticos e econômicos, as ações que deviam ser encetadas para melhoria da vida comunal, as cotações dos produtos agricolas; à ela os cidadãos acorriam para benzer seus produtos, apresentar seus herdeiros, batizá-los e introduzi-los como cidadãos da comunidade; a ela todos vinham para agradecer, pedir bençãos, perdão e ajuda em seus empreendi-mentos. A catedral medieval e as igrejas provinciais, eram, assim, a verdadeira capilaridade por onde corria o sangue que dava vida às comunidades medievais.
Era ela que anunciava, ao toque dos sinos, os grandes aconte-cimentos e tragédias que moldavam a vida dos cidadãos. A Igreja era, pois, a “ mãe ” para o cidadão medieval. Uma “mãe universal”, que em todos os tempos tinha sido identificada com uma “mulher viúva”, pois que seu esposo era um “deus morto”, embora tivesse ressuscitado.
Essa portanto, era uma das razões de os Templários terem adotado em suas reuniões secretas o culto à Virgem, a deusa dos Grandes Mistérios, cujo símbolo era uma lua crescente. Ela era a representação do chamado Sagrado Feminino, ou a Dama, a quem aqueles seletos cavaleiros, em sua mística ordenança, deviam ser todos consagrados, conforme a regra prevista no regulamento da Ordem, redigido pelo santo abade Bernardo de Clairvaux.
O culto ao Sagrado Feminino era uma tradição presente no espirito do povo francês desde os primórdios da sua história. Praticamente, todas as comunidades francesas tinham a sua própria Notre Dame. E depois do advento do Cristianismo, em muitas delas, um templo dedicado à Madeleine. Essas mulheres, Ísis, a Virgem Maria, Maria Madalena, a Santa Sofia, Ceres, a deusa romana da fertilidade, todas encarnavam o princípio do Sagrado Feminino, simbolizado no arquétipo da “Mãe da Vida.”
Nos rituais da Ordem do Templo, o culto ao Sagrado Feminino havia sido instituído pelo próprio São Bernardo ao redigir as regras da Irmandade. Ele mesmo, segundo uma lenda muito conhecida, teria sido alimentado, quando criança, pelo leite jorrado da imagem de uma Virgem Negra.
Destarte, sendo a Cavalaria uma instituição que tinha o seu lado romântico, onde o cavaleiro era visto como um herói a serviço de uma causa e de uma dama, essa teria sido uma fórmula encontrada pelo santo abade para recompensar os sentidos dos monges guerreiros em face da estrita obrigação de castidade deles exigida. Assim, ao serem proibidos de tocar em mulher, não haveria uma âncora mais eficiente para mitigar essa sensibilidade do que colocá-la na posição inatingível de uma deidade, uma mãe divina, com a qual um simples pensamento lascivo já seria um pecado sem perdão. Pois essa sensibilidade já transparecia nos ideais da própria cavalaria profana, onde um cavaleiro tinha como tradição escolher uma dama a quem oferecia a sua proteção, e às vezes o seu amor platônico, na forma de um culto que estava mais para uma forma de misticismo religioso do que para uma experiência dos sentidos.
Dessa forma, todos os Cavaleiros Templários, na impossibilidade de ter uma “dama” pessoal, a quem pudessem oferecer sua devoção, adotavam a Virgem como sua “dama”. De uma forma geral essa dama era Maria, mãe de Jesus e viúva de José, o carpinteiro. Maria, a quem alguns monges da Ordem, versados na sabedoria da Cabala, chamavam de Shekinah, a expressão cabalística da via carnal pela qual a divindade entrara no mundo da matéria. Mas para os Irmãos do Círculo Interno Superior ela encarnava também Ísis, a deusa egípcia da ressurreição, ou ainda Maria Madalena, a santa Madeleine, que algumas tradições diziam ter sido a esposa de Jesus e simbolizava Sofia, a divina Sabedoria, cuja manifestação no mundo da matéria dava vida ao universo.
Todas essas mulheres eram viúvas. Assim como a própria Igreja era a “esposa viúva de Cristo.” Dessa maneira todos os devotos da Notre Dame, eram “filhos da viúva”. Assim, não era estranho que templários, maçons e alquimistas, que na prática de seus misteres, estavam ligados pelos mesmos laços de simbolismo, consagrassem suas vidas e obras a esse princípio, representado pelo Sagrado Feminino.
Que os Templários tinham se desviado da ortodoxia católica, isso de Molay tinha consciência. Afinal, ele era o Grão-Mestre geral da Ordem. Subira toda a escada iniciática do Templo e quando fora iniciado no Capítulo LVIII, antes de tornar-se o supremo comandante da Ordem, todos os segredos que a Irmandade detinha lhe foram revelados. Apenas ele e um círculo muito restrito de altos dignitários do Templo compartilhavam de certas informações que, se divulgadas, abalariam os alicerces do Cristianismo, provocando profundas modificações na estrutura de toda a sociedade ocidental. Então cabia a ele preservar esses segredos. Que rei não gostaria de saber a verdadeira história da paixão, morte e ressurreição de Jesus, por exemplo? De saber que os evangelhos canônicos não revelavam a verdade sobre Jesus, mas que eram crônicas encomendadas pela Igreja de Roma para justificar o monopólio sobre os espíritos, que os bispos católicos assumiram, ao “vender” a Igreja de Cristo para o imperador Constantino? E que o poder do Papa se assentava sobre um torpe mentira urdida e defendida a custo de tanto sangue, por tantos séculos, somente por ganância e sede de dominação?
Aprendera que essa verdade fora sufocada no Concilio de Nicéia, quando os bispos da Igreja Romana resolveram proibir todas as outras formas de expressão da fé que Jesus ensinara aos seus discipulos. Todos os demais evangelhos, crônicas e informações escritas sobre Jesus e sua obra na terra foram censuradas, adulteradas, destruídas, ou de alguma forma ocultas, para que ninguém soubesse quem foi o verdadeiro Jesus, nem qual a sua verdadeira missão. Ela sufocara a verdadeira Igreja que os discípulos de Jesus haviam fundado, a Igreja de Jerusalém, cujo primeiro bispo fora o próprio irmão caçula de Jesus, conhecido como Tiago, o Justo. A Igreja de Roma, da mesma forma que os governadores romanos haviam destruído a nação judaica, destruíram a Igreja de Jerusalém, detentora da verdadeira doutrina ensinada por Jesus. Mas ela sobrevivera através de alguns de seus discípulos, especialmente Maria Madalena, a quem Jesus confiou o essencial da sua doutrina. Essa era a doutrina professada pelos cátaros e agora pelos Templários.
Os Templários, além disso, haviam percorrido toda a Terra Santa. Conheceram pessoas e crenças diferentes daquelas que a Igreja de Roma pregava. Nos quase cem anos em que dominaram a região tiveram oportunidade de reunir documentos e informações orais que não constavam de nenhum registro oficial, cuja divulgação o Vaticano permitia.
Além dos pergaminhos desenterrados nos subterrânos do Templo de Jerusalém, havia aqueles livros, dos quais eles tomaram conhecimento, que estavam guardados em um mosteiro no deserto do Egito, na aldeia de Nag Hammadi, onde um grupo de monges cenobitas, fugindo do enquadramento que lhes queria dar o bispo Atanásio, de Alexandria, tinham fundado, no século IV, uma comunidade de cristãos ascetas. Nesse lugar, afastados da civilização, como no passado os essênios haviam feito para fugir dos romanos e dos fariseus e saduceus, os monges cenobitas, cristãos conservadores e avessos à política que a Igreja Romana estava impondo ao mundo cristão, haviam fundado uma seita que se dedicava a copiar e conservar documentos antigos. Ali eles esconderam vários textos nos quais os censores do Vaticano não conseguiram botar a mão, inclusive o único testemunho de um verdadeiro discípulo de Jesus, colhido de primeira mão. Esse evangelho, o de Tomé, segundo os mestres antigos, revelava o verdadeiro Jesus. Vários mestres do Templo afirmavam ter conhecimento desses textos, mas não podiam divulgá-los nem revelar a sua existência e localização, pois a Cristandade ainda não estava preparada para isso.
Passou também pela cabeça de Jacques de Molay a possibilidade de que as acusações que estavam sendo feitas aos Templários tivessem também alguma coisa ver com as práticas rituais dos pedreiros-livres ligados à Ordem. Seus segredos rituais, inspirados em ensinamentos do pitagorismo, com referências às antigas ciências caldaicas, judaicas e egípcias, sempre incomodaram a Igreja, pois remetia a um mundo pagão que os bispos de Roma tanto se esforçaram para enterrar.
E havia também aquela estranha ocupação a que alguns monges Templários se dedicavam, uma prática ligada à arte que eles haviam aprendido com os muculmanos, arte essa que ensinava a manipular a “alma” dos metais, para realizar transmutações em suas estruturas. Era a prática da chamada alquimia, que alguns príncipes e prelados haviam transformado em uma indústria muito lucrativa, além de fazer dela uma espécie de religião bastante misteriosa.
Jacques de Molay tinha conhecimento de que vários monges filiados à Ordem se dedicavam à prática alquimica. Eles haviam aprendido essa arte com os alquimistas muçulmanos, os quais, por sua vez, a receberam de antigos mestres egípcios e gregos. Essa era uma arte milenar que, segundo uma antiga tradição egípcia, lhes havia sido ensinada pelo deus Hórus, que os gregos chamavam de Hermes. Por isso o título que lhe davam de “arte hermética”.
Mas, a bem da verdade, o Grão-Mestre Templário nunca se importara muito com essas informações. Primeiro porque não tinha muita certeza de que isso fosse possível. Fabricar ouro através de manipulações em minerais simples como o chumbo, o ferro, o estanho e o cobre parecia ser coisa de velhos contadores de histórias, ou então de peregrinos supersticiosos, como aqueles que iam à catedral de Canterbury para cultuar São Thomas ‘a Becket, ou os que iam a Santiago de Compostela em busca de experiências espirituais.
Sabia que a Ordem patrocinava alguns laboratórios onde a chamada “arte dos adeptos” era praticada. Sentira até uma certa excitação espiritual ao ver a aparelhagem dos alquimistas, constituída por capiteis, alambiques, fornos, balanças e outros artefatos que os “filhos da ciência” usavam em sua estranha ocupação. Um desses alquimistas, o mestre Everard de Evreux, se tornara seu amigo e protegido. Fazia suas pesquisas com o financiamento do próprio tesouro Templário.
Entretanto, de Molay nunca conseguira presenciar uma verdadeira transmutação. Segundo lhe dissera Mestre Everard, a pedra filosofal, derradeiro composto da obra alquímica, era um artefato tão difícil de obter, que somente alguns eleitos de Deus o conseguiam. Muitos empregavam nesse trabalho a vida inteira sem consegui-lo. Ela era uma espécie de Santo Graal ─ a taça que conservara o sangue de Cristo ─, que muitos achavam ser uma das relíquias conservadas pela Irmandade do Templo.
Jacques de Moplay esboçou um sorriso discreto diante dessas especulações. Ele sabia muito bem o que era o Graal. Era o sangue de Jesus, o Sangue Real, transmitido de geração a geração a uma família, e que, por conta disso levara o Ocidente à uma guerra com o Oriente, em um dos mais sangrentos conflitos que a humanidade já presenciara: a Primeira Cruzada. Esse era um segredo que os Irmãos do Círculo Interno Superior guardavam à sete chaves e somente o revelariam se um dia houvesse condições políticas para isso.
No entanto, gostaria que a crença dos alquimistas tivesse algum fundo de verdade. Se houvesse um artefato com tal poder... Um composto mágico que fosse capaz de transformar metais comuns em ouro. Ou então, agir sobre o espirito do homem com um poder capaz de transformá-lo, de um momento para o outro, de um simples ser ignorante e passageiro, em outro cuja inteligência seria próxima à de um deus, e cuja vida seria quase eterna. Pois era essa a promessa feita a quem conseguisse produzir a pedra filosofal...
De qualquer modo, um artefato como a pedra filosofal poderia ser mais uma maneira de engordar o tesouro da Ordem. Por isso o Templo encorajava e financiava alguns de seus monges a trabalhar nessa ocupação, que para muitos era demencial. De uma forma ou de outra, se lucro não trouxesse, também não haveria prejuízo. Alguns bons resultados já tinham sido obtidos. O aço fabricado nas forjas templárias era mais duro e resistente do que o obtido em outras oficinas. As boticas templárias eram muito melhores providas de medicamentos, unguentos e outros produtos químicos do que em qualquer outro lugar; os couros trabalhados pelos curtumes do Templo eram mais resistentes e duradouros. Tudo obtido através das pesquisas e das experiências feitas pelos alquimistas da Ordem.
Aliás, essa lenda já corria mundo. Muita gente pensava que os alquimistas do Templo haviam, de fato, descoberto a pedra filosofal. E que a extraordinária riqueza dos Templários vinha dos seus laboratórios, onde seus monges haviam aprendido a transformar chumbo, ferro e outros metais comuns em ouro e prata. Afinal, perguntavam os incrédulos, onde os Templários iam buscar tanta prata, sendo esse um metal raríssimo nas terras da Cristandade? No entanto, o Templo possuía estoques imensos desse metal...
Jacques de Molay esboçou outro sorriso em face desse pensamento. Ele sabia de onde vinha a prata dos Templários. Esse era outro dos grandes segredos da Ordem. Em pensamento viu as galeras com a cruz vermelha singrando os desconhecidos mares que os superticiosos marinheiros mediterrâneos chamavam de Mar Exterior. Seu sorriso se ampliou ao lembrar-se dos titulos que os marinheiros Templários colocavam nesses mapas para despistar suas rotas. Aqui a Ilha dos Dragões. Acolá o Rochedo dos Ciclopes, mais além a Terra dos homens de pele vermelha e olhos puchados, que cortam a cabeça de seus inimigos em sacrifícios realizados no alto de pirâmides tão altas quanto as do Egito. A terra Merica e a ilha dos grandes carvalhos, no miste-rioso continente onde as velas templárias já tinham aportado, além do grande oceano, habitado por povos bárbaros, que ainda cultuavam deuses estranhos e faziam sacrificios humanos em honra a eles...
Mas logo seu semblante se anuviou novamente. Um pensamento desagradável e preocupante trouxe de volta à sua cela uma mente que vagueava por terras inóspitas, habitadas por povos tão diferentes daqueles que ele conhecera em sua vida de monge guerreiro. Terras que ele nunca visitou, mas tinha as descrições de quem o fizera. Uma terra cheia de prata e ouro, metais que seus habitantes só usavam como enfeites e adereços, sem se dar conta do seu valor monetário...
As figuras de Filipe, o Belo, William de Nogaret e Clemente V, encheram de novo a tela da sua visão interior. Seu coração se contraiu como um passarinho que tivesse sendo esmagado por uma mão de ferro.
“Como Adão e Eva foram expulsos do Paraíso por terem comido o fruto do conhecimento do bem e do mal, não teremos nós, o mesmo destino, pelo fato de termos ido longe demais?”, concluiu ele. Então ajoelhou-se e persignou-se, olhando para o rabisco de uma lua crescente desenhada na parede da cela. Quase inconscientemente murmurou para si mesmo: “valei-me Ò Virgem, Ísis, divina Mãe, por quem a Sabedoria e a Glória Divina entraram na terra”.
(DO LIVRO REGNUM DEI- A IRMANDADE DOS SANTOS MALDITOS), NO PRELO