JEREMIAS E A PULGA
Por JOEL MARINHO


Primeira parte: (A História de Jeremias e a desconfiança de traição)

Jeremias era ainda um jovem, salvo não fosse o sol que lhe queimava a pele e o deixava envelhecido, tinha aproximadamente 35 anos, um corpo magro, porém definido pelo esforço do trabalho pesado do roçado. Morava com sua esposa Jesuíla em um lugar separado de vizinhos, o mais próximo era seu Zé e dona Acelina a cerca de dois quilômetros de distância.
Naquele interior distante de qualquer cidade a vida era regida pelo caminhar do tempo, amanhecer e anoitecer, uma existência bem pacata.
Jeremias foi criado aos moldes antigos onde a mulher era a dona do lar e o homem o provedor, por isso ele saía todos os dias para a roça sozinho com sua cachorra Rubi, enquanto a sua esposa ficava em casa cuidando dos seus afazeres nessa divisão de trabalho bastante acentuada.
Às vezes Jeremias se aventurava com sua cachorra pelo mato em busca de um animal selvagem para diversificar a alimentação, geralmente matava paca, cotia, porco do mato e até uns veados, ainda bastante encontrados na região e levava para Jesuíla tratar e cozinhar.
Os dois casaram ainda muito novos, Jeremias tinha acabado de completar 16 anos e Jesuíla 15, foram pegos pelos pais namorando escondidos e como a regra era casar muito cedo foram obrigados pelas leis sociais dos pais a consumar o casamento.
Não era um casamento de contos de fada, porém também não viviam em pé de guerra, com o tempo eles se acostumaram um com o outro e houve de certa forma uma cumplicidade e quem sabe até mesmo o amor.
Mas de uns tempos pra cá Jeremias começou a perceber algumas mudanças em Jesuíla, passou a se arrumar mais, quando ele chegava da roça ela estava cheirosa e banhada, coisa que para ele era bom, porém não era o costume de sua mulher a vida toda e isso o deixava com uma pulga atrás da orelha.
Desconfiado de que algum outro “bode” estivesse pulando a sua cerca Jeremias resolveu vigiar um pouco mais o “curral”. De vez em quando chegava um pouco mais cedo em casa, batia na porta da sala e ia esperar na cozinha, porém nenhum indício de que sua mulher estava lhe traindo, a não ser uns rastros de botas diferentes que encontrava de vez em quando pelo terreiro, no entanto, ele jamais disse alguma coisa para a sua mulher sobre tais desconfiança e as vezes tinha vergonha de desconfiar assim de alguém que nunca lhe deu indícios nenhum de que havia outro agricultor molhando a horta de Jeremias.
 
Parte dois: (A hora da verdade)

Naquela dia de setembro o sol amanheceu sem muitos amigos, era escaldante já em seus primeiros raios por volta das seis e meia da manhã.
Jeremias pegou sua velha cartucheira, sua enxada e chamou Rubi, e lá se foram para mais um dia de trabalho árduo sertanejo.
As dez da manhã o sol esquentou ao ponto que parecia querer rachar-lhe a pele, Jeremias então chamou Rubi e lá se foram de volta para casa.
Ao se aproximar de casa olhou de longe e não viu Jesuíla, lá vieram as desconfianças novamente, ao mesmo tempo que sentia vergonha de si mesmo sentia raiva só de pensar que poderia estar sendo corneado por quem lhe jurou amor eterno e fidelidade no altar e ele mantivera a sua promessa até o momento. Lembrava que tudo que Jesuíla queria era ter engravidado, porém por algum motivo que eles não sabiam nunca ocorreu essa possibilidade.
Será que Jesuíla ainda pensa em engravidar e está procurando outro homem para isso?
Será que não seria melhor eu deixa-la para que essa possibilidade possa acontecer com outra pessoa?
Essas perguntas sem respostas fervilhava a sua mente que naquele instante não sabia se estava em sã consciência ou a insanidade havia lhe tomado.
Se aproximou devagar com a cartucheira nas mãos abaixado como quem está procurando uma posição para atirar em um bicho selvagem.
De repente um grande barulho caiu da janela e Rubi disparou latindo para lá correndo até longe sem que Jeremias visse qualquer coisa.
Aos gritos entrou em casa espraguejando Jesuíla, chamando-a de todos os nomes pejorativos que jamais um homem poderia chamar a uma mulher, por mais errada que ela pudesse estar. Ao entrar no quarto ainda de cartucheira nas mãos encontrou Jesuíla sentada e vestida na cama, as mãos postas uma a outra rezando um terço como se estivesse em transe.
- Você pode me explicar o que aconteceu aqui, sua meretriz traidora?
Com um olhar angelical Jesuíla olhou para Jeremias e perguntou:
- Mas o que se passa meu amor, por que essa ira tão grande, não ver que estou no momento em um encontro com Deus fazendo as minhas orações diárias?
Desconcertado Jeremias perdeu a fala, olhou a janela fechada, saiu para olhar lá fora o possível sinal das botas do suposto traidor e nenhum sinal foi encontrado.
Se houve qualquer traição ali somente Rubi pode ter visto o rosto ou pelo menos a bunda sendo batida pelos calcanhares do conquistador de mulher alheia.
Depois daquele dia nunca mais Jeremias percebeu nenhum sinal que pudesse incriminar sua mulher de traição, mas assim como você e eu, Jeremias ficou para sempre com aquela pulga atrás da orelha.
Afinal, jeremias foi corno ou não?
Como disse, só Rubi poderia responder essa questão, mas parece que esse é um segredo que ela vai levar para o túmulo e para o “paraíso dos cachorros”, pois resolveu não falar nem para seu melhor amigo.

 
                           FIM