Do Prisioneiro...

A luz aumentava à medida que me aproximava... Sem medo, apenas com a certeza de que uma mudança irrevogável em mim se anunciava, fui em direção ao brilho convidativo me que atraia rumo a algo desconhecido...

- Você está pronto? - ouvi a voz me perguntar.

- Sim... mas, para o quê?

- Pra se reconhecer... relembrar...

Quando a luz de repente se apagou, percebi que ao meu redor o escuro não era parte do contexto onírico ao qual uma parte de mim se encaminhava como se quisesse se extinguir pra o que fosse real... o escuro, era o meu lado de dentro...

Acordo sufocado.

Eu estava preso dentro de mim... e a luz era o próprio reconhecimento disso...

Nunca fui inclinado a interpretações psicanalíticas das coisas, mas confesso que esse sonho já me tirou o sono diversas vezes, acredite, em muitas ocasiões deixei que os primeiros feixes do sol nascente me permitissem o pequeno aconchego de um cochilo. Tudo pra fugir do som daquela voz... aquela voz insistente que vem me feito a mesma pergunta desde que me dei conta de algo que supus ser uma verdade... embora tal verdade moldada por mim na verdade pareça uma ironia. Se estivesse de frente a Freud relatando com minhas impressões as nuances introspectivas desse sonho banal, ele talvez olhasse a hora, encostasse seu bloco de anotações em algum lugar, e em seguida me chamasse para tomar uma cerveja, alegando que meu diagnóstico era de simples constatação: solidão...

O que também é a cura.

A prisão...

Gostaria de uma cerveja agora. O suicídio lento e metódico sempre me foram atraentes, confesso. Além do mais, essa tosse nunca passa... e ainda é manhã...

Bem, mas, veja bem. Não falo pra olhar com atenção, embora isso também seja necessário. Compreenda, para ser mais formal. Como se reconhecer? E assim, relembrar?

Isso, claro, diante do que pressuponho ser uma verdade, a verdade que me faz ouvir a Voz que persegue...

Não estou querendo dar uma de filósofo, e nem é preciso, mas suponho que o reconhecimento provém de um suposto conhecimento, e nesse sentido, parando bem para analisar, independente de sua perspectiva sobre a vida e seu sentido, reconhecer traz uma certa certeza sobre algo. Algo adquirido pelo conhecimento que acreditamos ter sobre qualquer assunto ou experiência, vivida ou relatada.

Eu quero uma certeza.

“Por que o Mistério? Quem é a Voz?”

“Sou eu? É minha Voz?”

Esse sonho é como uma emboscada...

E eu sei que o que sei, não é nada diante do que não sei. Alguém sabe do que falo? De que “nada” se trata? Falo da “tela em branco”. Essa a qual agora mesmo estamos rabiscando traços do presente... E mesmo admitindo de forma clichê que “só sei que nada sei”, me predisponho a acreditar que esse mesmo nada talvez seja o verdadeiro objetivo a ser alcançado, já que “tudo” importa somente aquele que quer algo. “Sei de nada”. Claro, claro, claro. Não é fácil tentar expor qualquer conceito sobre o tema em questão sem antes precisar argumentar com uma gama de imprevisíveis versões sobre a realidade exposta perante os sentidos a nós reservados, diante da condição inefável de cego em frente sua verdade, nós, humanos, símbolos de uma perfeição inconsequente e à deriva. Continuar sem se dar conta, faz parte do plano... e pensar que tantos se perderam por isso...

Esse é o ápice da realidade...

Preciso ultrapassá-la.

Transcender...

Levanto, o corpo suado, meus olhos são incapazes de não mostrar o que é o presente de todas as coisas... todas as mesmas coisas que me habituei a chamar de minhas, as minhas coisas. Tudo desarrumado, mas não tanto quanto meu interior... que como já mencionei, está às escuras há um bom tempo. Pelo menos do lado de fora basta uma boa faxina e por um tempo a ordem pode se estabelecer. No entanto... lavar a dor da alma... não sei nem por onde começar. Embora seja a única coisa que talvez me reconforte com um presságio de recomeço...

Superar a mim...

Me imponho metas.

Talvez este já seja o primeiro passo rumo ao tal reconhecimento que provém de um conhecimento, e que que faz por alguma razão, ao menos por uma fração de tempo incalculável, perceber o sentido do que se “É”... a própria natureza da realidade... erguer levemente o véu ao qual ela omite sua verdadeira face...

Chego até a pensar que estou tendo algum tipo de delírio ou estou falando coisa com coisa, mesmo que isso também não deixe de ser fato, mas essa percepção da minha condição é meu maior consolo. E se de repente algo nisso fizer algum sentido? Pelo menos, pra mim, pode ser que essa dor venha de repente ter algum valor...

Pois bem. Acho que enrolei demais até aqui e ainda não falei sobre o principal. A Dor... Sem ela, não haveria a prisão... nem o Sonho...

Imagino que assim como eu, você tenha sua vida, seu mundo, todos seus hábitos e tudo mais. Até aí, nada demais, claro. Mas existe um sentimento que está além do que pode ser perceptível por qualquer parte física desse corpo que nos move, algo tão profundo que só pode ser sentido quando em algum momento nos damos conta de que algo irreversível fora feito mediante nossas próprias escolhas... nesse momento sente-se dentro de algo que não é o que vemos no espelho mas que é o que realmente somos... ela... a Dor... como a chamo... a falta de que falo. Ela não dói... mas fere...

Você já a sentiu? Se não, aprecio sua sorte.

Essa Dor, é “uma” com a Luz, a luz em meus sonhos. Isso, lembro de ter ouvido inúmeras vezes, essa perseguição implacável ao qual me submeto enquanto busco decifrar o sentido de meus próprios atos. Essa claridade aprisiona. É uma prisão em que se escolhe estar. Ao fechar os olhos, um mundo de sensações a mim fora reservado com o único intuito de me torturar com a convicção tão exposta que chega a ser um ultraje negá-la. Todo o egoísmo, toda a morbidez mascarada em cada mínimo ato visando estar acima submetendo alguém, não pode por mim ser esquecida, porque esse corpo magro e suado só me faz ter mais convicção de que nada valeu à pena. Nada. E é aí que essa dor faz sua parte... lentamente... ela tanto tem me ensinado... e eu não aprendo...

Ainda assim preciso superá-la. Essa é uma das metas. Talvez, a mais importante.

E no prosseguir do que me é inevitável, procuro avistar no horizonte conturbado de minhas aflições a chance de reescrever esses passos trôpegos e quem sabe encontrar a peça fundamental que servirá para elucidar essa questão que me assola e não permite sequer que eu durma bem. Isso, é demais. Negar o descanso a quem precisa aceitar ser fustigado pela necessidade de comer, é uma tortura. Enfraquece a vontade. Te faz rastejar quando tua angústia é por um voo. E sabendo que prosseguir é a Lei, acabo esquecendo esses problemas secundários da vida de um homem comum e busco me focar nela... na Luz... na Dor... escolho viver e reviver esse Sonho...

Existirá alívio depois que tudo isso passar? Estarei livre?

Se não alívio, ao menos o que sobrar após esse reconhecimento tênue entre Luz e Dor, como no ato primordial do nascimento, auspícios de uma possibilidade de avanço me farão continuar e por fim me defrontar com o que após a transposição de seu limite, será o encontro final... antes do fim verdadeiro...

“Você está pronto? Ainda negas o Sonho?”

A voz irá continuar perguntando... e ainda assim me sentirei ainda mais distante dessa parte que se foi quando em busca de alívio acabei por me enganar, e me enganando, fiz com que lágrimas cristalinas e pesadas que não eram minhas escorressem de outros olhos... outros olhos que conseguiam ver o que a mim estava totalmente oculto pela névoa da ilusão que é se deixar levar pelas paixões... e enganar-se ou acertar, é consequência... uma simples e direta ciência... viver pra transcender esse Viver...

Preciso de mais alguma evidência?

Olho ao redor e sei que a mim será inevitável fugir a tudo que me aguarda se decidir seguir e enfrentar a ordem a qual fui submetido quando a Luz a mim foi entregue... nesse labirinto de possibilidades... seguir essa missão... quando o Sonho retornar, saberei o que responder... agora, preciso despertar... sei que a Dor ainda me fere... tentarei disfarçar... porque essa prisão, não será pra sempre meu lar...

Espero... estar pronto...

...

Edgar Lins
Enviado por Edgar Lins em 18/05/2019
Reeditado em 18/05/2019
Código do texto: T6650281
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