Na funerária

Marcos é um sujeito muito bem quisto pela sociedade. Sempre está disposto a ajudar alguém de alguma forma. Por suas atitudes de caridade, foi eleito vereador pela cidade e foi conduzido ao cargo com o maior índice de votos da população. Em todos os lugares está ele, sempre pronto e levando algumas mensagens aos que ali estão.

Gilberto é um próspero comerciante da cidade. Muito folgado financeiramente e possuidor de um grande patrimônio. É, sem dúvida, considerado um grande pão duro, ou seja, um indivíduo que faz contas de centavo por centavo. É um sujeito que não come banana para não jogar a casca fora. É considerado um “Tio Patinhas” da cidade. Mora em uma casa velha, possui um automóvel velho, veste roupas velhas e não se sabe quando comprou uma nova roupa. Enfim, é uma pessoa que se preocupa somente com o financeiro. Possui aplicações nas bolsas de valores, é acionista de empresas, dono de colégio na capital, então, um grande investidor.

Certa vez, Gilberto fez uma viagem e conheceu o Sr. Pedro, uma pessoa humilde, de coração puro. Aposentado e sem família. Grande foi a amizade dos dois que Gilberto o trouxe para cuidar da casa. Fazia limpeza, capinava, plantava verduras, frutas, cuidava das poucas vacas da fazenda, vendia e fazia queijos. Era um mordomo de Gilberto e sempre estava pronto para o que viesse.

Era final de semana. Fazia um pouco de calor. Gilberto chegou de viagem e foi direto para a roça. No caminho, encontrou Marcos que fazia caminhada. Parou o automóvel e foi logo conversando:

- Meu bom e velho amigo. Quanto tempo não lhe vejo. Estou chegando de viagem e vou até a fazenda. O Pedro deve estar me esperando. Hoje é dia do pagamento dele. Sempre, ele recebe e vai para a cidade fazer as compras. Se você permitir, vamos até lá e depois eu lhe empresto o carro para você voltar e levá-lo para as compras.

Marcos não sabia falar mentira, nem mesmo na política. Era honesto e verdadeiro.

- Com todo prazer, meu amigo.

- Seguirei consigo até à fazenda. Trago o Sr. Pedro e depois retornarei. Convidarei a minha esposa para irmos dormir na sua fazenda.

- Será que jantaremos um franguinho caipira com quiabo?

- É claro, meu amigo. Apesar do meu cansaço, vou fazer um grande e gigante frango. Ficará muito bom.

Sorrindo, seguiram a caminho da fazenda. No caminho viram pássaros, vacas, bezerros e outros animais do vizinho. Chegaram a fazer alguns comentários do preço da arroba do boi, do custo da produção de ração, na criação de mais pastagens. Uma longa e aprofundada conversa seguia os dois.

Após uns dez a quinze minutos, chegaram na fazenda. Pedro não veio encontrar com eles, conforme era o costume. Achando meio estranho, perceberam que a casa estava ainda fechada, como se estivesse esperando a chegada da noite. Olhou por todos os lados e não se via nenhum sinal do caseiro Pedro.

- Pedro, Pedro, gritava Gilberto, com voz bem alta.

Nenhuma resposta ao chamado.

- Pedro, Pedro, insistia. Agora eram os dois gritando ao mesmo tempo.

Mais uma vez estava tudo em silêncio. Ouvia-se o eco dos gritos deles, mas Pedro não respondia, nem mesmo dava sinais de dentro da casa.

- Será que o homem foi embora? Será que está no vizinho e deixou a casa fechada?

A estas perguntas, Gilberto questionava com o colega e este mantinha-se quieto. Não falava nada, nem mesmo dava as devidas respostas. Percebe que os pés de Marcos suavam, juntamente com as mãos. Era clara a expressão facial de que ele estava com medo. Não demonstrava, mas percebia-se com toda nitidez o medo pairando no rosto do vereador.

- Vamos, amigo, vamos ver o motivo do não aparecimento dele aqui.

Imediatamente, dos dois desceram e Gilberto foi à frente abrindo a casa. O vereador ficava mais para trás e parecia que algo lhe afastava cada vez mais. Os pés e mãos suavam e a vontade era de correr de medo. Pensava pelo pior e se o homem estivesse morto por mais de cinco dias, um dia, dois, a cabeça sempre passava piores situações.

- Venha aqui depressa, meu amigo. Uma voz forte e medrosa.

- O Pedro está morto, na minha cama. Venha ver, venha depressa.

- Eu não. Não gosto de ver gente morta. Tenho pavor. Eu vou embora, vou correndo...

- Que sujeito medroso é você. Onde está sua coragem?

- Ela ficou em casa, há muito tempo.

Desta forma, Marcos tentava o máximo para não entrar na casa. Estava escrito no rosto que ele tinha medo, principalmente de pessoas mortas. Nos velórios em que ia, ele cumprimentava as pessoas, os familiares, mas nunca olhava para o defunto preso ao caixão. Diversas vezes, ele fechava os olhos e ia esquivando aos poucos.

- Vamos, chame a polícia e a funerária, murmurava Gilberto, bastante apavorado e com certo receio.

Marcos, porém, ficava ali parado. Não tinha nenhuma disposição para fazer nada, nem mesmo ligar para a polícia. Tão menos dar um passo. As pernas, as mãos, os braços, os pés, todo o corpo tremia de medo.

Gilberto saiu da casa e logo chegaram a polícia e a funerária. Foram entrando e com pouco momento, o caixão entrava na casa e o corpo de Pedro já estava dentro, indo direto para a funerária. Não se sabe como, Marcos entrou no carro da funerária e foi lado a lado com o caixão. Marcos estava bobado e nada que falasse com ele tinha sentido. Chegaram e logo foram preparando o corpo para o enterro.

- Sr. Sargento. Como vou proceder. Estava viajando e cheguei. Fui com o amigo aqui e encontramos o corpo do Pedro.

- Ele não tem família. Veio da região nordeste. É aposentado, era muito honesto, muito trabalhador. E agora, como faço?

- Fique tranquilo, Sr. Gilberto. Sabemos que a cidade é pequena e qualquer notícia que vá contra o senhor será fatal a seus negócios.

- Vá agora para a cidade de origem dele. Faça todos os preparos para o sepultamento.

- O corpo será preparado para o enterro. O Marcos ficará tomando conta dele aqui na funerária e por volta da meia noite, quando não estiver mais movimento na cidade, eu, o Marcos e o motorista da funerária vamos levá-lo para a cidade. Chegaremos lá ao anoitecer e sepultaremos o Sr. Pedro, como ser humano, digno de toda honra e agradecimento.

Gilberto concordou com a iniciativa do sargento e partiu para a cidade. Não foi de carro, mas fretou um avião que o levaria para a cidade perto da cidade natal de Pedro. Chegando lá, alugou um veículo e foi fazer os preparativos.

Júlio era o motorista da funerária. Disse em voz alta para Marcos:

- Eu preciso ir fazer alguns reparos no carro, pois a viagem é longa e sem os reparos necessários, poderemos ficar no caminho. Vou sair e você ficará aqui, vigiando o defunto. Vou aproveitar e passar na sua casa e contarei tudo para sua esposa.

Júlio saiu. Fechou a funerária e Marcos ficou ali, olhando para o cadáver. O medo era constante.

Marcos olhava para o caixão de Pedro. Os olhos não queriam ver, as mãos não mexiam, os pés estavam gelados. O medo e o pavor eram constantes. Não tinha nenhuma alternativa a não ser ficar ali, parado olhando o corpo de Pedro, todo enfeitado de cravos amarelos, um terço nas mãos, um terno de cor preta, com gravata azul, camisa branca, algodão no nariz, os olhos bem fechados. Era tudo o que ele não queria ver.

O tempo foi passando e nada de Júlio chegar. Em um momento, ouviu-se a tampa do caixão caindo, porque estava perto da janela e o vento a derrubou. Neste momento, Marcos ganhou forças e saiu correndo. Arrebentou a porta, saiu cambaleando, meio ensanguentado e corria pela rua até a sua casa. Lá chegou e encontrou Júlio dizendo que Marcos ia viajar. A esposa, já sabendo do medo do marido, disse apenas que Júlio errou e Marcos ia diretamente para o hospital.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 12/05/2019
Código do texto: T6645404
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