Fantasma do natal

Já era esperado. Quase todos os dias, nos meses de novembro e dezembro dos últimos três anos, ninguém conseguia ficar ou passar perto do cemitério da cidade, entre vinte e vinte quatro horas, sem correr de medo, esconder e se proteger, porque pedras eram atiradas.

À frente do portão, tem uma linda praça, com bancos em madeira, canteiros de flores entre rosas, margaridas, lírios e outras. O piso é todo de ladrilho com vários tipos de desenhos geométricos, que mais imitam uma forma de pensar como é o fim do ser humano. Algumas árvores foram plantadas há anos e nos troncos foram adaptados bancos de cimento a sua volta. A iluminação não era muito boa, pois o arquiteto fez um projeto de pouca iluminação, pois queria mostrar que o local era sagrado e dedicado aos entes queridos que partiram para uma nova jornada. Assim, com todo respeito necessário, quis ele mostrar o respeito e projetou o local com pouca luz.

Nos finais de semana era muito frequente alguns casais de namorados irem sentar na praça. Era um local tranquilo e pouco iluminado. Vários amores foram feitos ali, com bom sentido da expressão. Vários beijos e abraços e um bom local para conversas. A paz era quebrada nos meses de novembro e dezembro. Ninguém sabia o que passava naquele período.

Véspera do dia de Finados, à noite, João e Márcia foram sentar na praça. Estavam noivos e o casamento estava marcado para o dia quinze do mesmo mês. Sentaram-se e foram fazer os planos da festa, da filmagem, das fotografias e outros afazeres. A casa já estava toda mobilhada e felizes estavam até que uma pedrada acertou a cabeça de João. Com a cabeça ensanguentada, teve que ir ao hospital e recebeu uns oito pontos na cabeça. O problema que ele era meio careca e no dia do casamento foi preciso usar um gorrinho para esconder a cicatriz recente dos pontos.

O padeiro saiu mais cedo da padaria. Foi dia de pagamento e sentou no banco para fazer as contas do que devia. Não viu mais nada, a não ser um vizinho que o socorreu e o levou ao hospital. Tinha tomado uma pedrada no rosto e quase o olho foi perfurado.

O coveiro ficou assustado. Ele não tinha medo, mas ao voltar de um sepultamento noturno, foi logo surpreendido por duas pedras que caíram perto do carrinho. Olhou para os lados e não viu nada, nem mesmo nenhuma movimentação. Não sabia de onde tais pedras viriam.

Dona Iolanda, uma senhora cheia de vida, apesar da idade, gostava de fazer as caminhadas na pracinha. Da última vez, recebeu uma pedrada nas costas e de susto, caiu, vindo a quebrar o braço.

Estava difícil, porque quase todos os dias tinha notícias de pedradas na praça.

Macarrão, apelido de um jovem poeta, sempre levava o computador pessoal para escrever seus poemas. No domingo, por volta das nove horas da noite, uma pedra danificou a tela e o prejuízo foi grande: Teve de comprar outro, a um alto preço.

O casal de velhinhos que morava próximo não sentava ali nas noites quentes, pois a qualquer momento receberiam pedradas.

O fato já estava difícil que os moradores ao redor, mais os frequentadores do local foram ter audiência com o prefeito e o comando da polícia. Todos queriam uma solução. Um jornal da cidade próxima sempre noticiava o ataque a pedradas. O editor foi um dia para ver e mal chegou. Enquanto preparava a máquina fotográfica ouviu um barulho e o para – brisa do veículo foi quebrado. Com muita raiva foi embora e não quis saber de retornar. Mandava sempre uma repórter que ficava com medo. Ela chamou o coveiro para acompanhá-la. Com tanta amizade entre ela e o coveiro, passaram a namorar duas semanas seguintes.

O Pedro tinha um caso extraconjugal. Por volta das dez horas da noite, ele parava o veículo na praça para esperar a amante. Ela estudava no colégio. Certo dia, ao entrar no veículo, foi alvo de uma pedra no olho. Desesperado, ele a levou ao hospital, mas esqueceu que a esposa era enfermeira. Quando falou que estava com a moça, a esposa escutou e foi um problema. Parece que ouve divórcio.

O vigário resolveu ir pessoalmente lá. Munido de água benta, com o coroinha queimando incenso. Foi acompanhado do sargento da polícia. Quando iniciaram a oração, foram recebidos por duas pedras. Uma acetou o braço do coroinha que deixou a vasilha com incenso e as brasas caírem. Coitadinho, queimou o a ponta do dedão do pé.

Passados estes meses, tudo voltava ao normal. Nos meses seguintes, namorados frequentavam o local. Pessoas faziam caminhadas e tudo era paz. O problema era nos meses de novembro e dezembro dos dois anos. Ninguém conseguia desvendar nada.

No ano seguinte, a mesma coisa acontecia. Nada de desvendar.

O padre chamou o bispo. O prefeito chamou o delegado e poucas conclusões a respeito.

A população passou a dizer nas redes sociais que o fantasma era de final de ano. Tiveram dois seguidores que deram ideia para colocar presente de natal para o fantasma das pedras. Uns diziam que poderia ser um par de tênis, outros, cesta de natal. Se fosse fantasma fêmea, a presentearia com sapatos, roupas da moda, enfim, um grande bate papo surgiu pela internet e nas ruas da cidade.

No mês de junho era realizada uma festa nas imediações da praça. Os organizadores ficavam alertas, pois poderiam ver pedras sendo arremessadas. Assim decorria o ano até a chegada dos meses de novembro e dezembro de cada ano.

O tempo passou. Junho, julho e setembro. O mês de outubro chegou e junto, as flores de frutas da região cresceram e transformaram em frutos. Peras, jabuticabas, pêssegos e mangas.

Antônio era jardineiro da prefeitura. A casa dele era encostada no cemitério. No quintal do vizinho tinham dois pés de mangas. Muito bonitas e de qualidade diferente das demais. Quando era o mês de novembro e dezembro, as mangas amadureciam. Com medo de pedir mangas para o vizinho, Antônio, no período entre vinte e vinte e quatro horas, quando o vizinho estava ausente, pois era professor na faculdade da cidade vizinha e morava sozinho, Antônio jogava pedras para derrubar as mangas. Os pés de mangas eram próximos à praça e tais pedras caiam lá, causando medo, ferindo pessoas e a cidade achava que era o fantasma do Natal.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 05/05/2019
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