Música mais linda do planeta.
- Sabe da música mais linda do planeta? Aquela que ouvíamos, bem juntinhos, sentados ao sofá da sala, perto da janela, que dava fundos para a rua? Ela me dá uma sensação de liberdade, de estar perto de quem amo, de ver o mundo com os outros olhos. De sonhar e poder contar os sonhos para as pessoas. De querer ver que estou ainda viva, cheia de forças, de vontade de vencer...
Dona Maria, aos oitenta e nove anos, dizia várias vezes ao dia. Falava a esmo, pois não tinha ninguém por perto para ouvi-la, nem mesmo um pássaro que vinha todos os dias e pousava no galho da árvore de beijo, logo abaixo da janela do quarto. Sorria, muito alegre. As risadas eram altas e eram interrompidas por uma pequena tosse. Tossia muito, mas aos poucos a crise ia passando e ela, novamente, repetia a mesma frase:
- Sabe da ...
Conta-se que Dona Maria foi uma jovem muito bonita. Tinha um dom de prever as coisas do futuro. Dizia-se que ela, por muitas vezes, via e sentia algo sobrenatural dentro dela. Tornava-se leve como uma folha. Sentia-se livre e parecia flutuar como se fosse uma pena de ave junto ao vento que lhe soprava. Às vezes sentia-se calor dentro de si. Outras vezes dizia que via algumas criaturas bem pequenas, de mais ou menos sessenta centímetros aproximando dela. Neste momento, os sonhos, as previsões e tudo o que lhe diziam ela guardava dentro de si. Não tinha medo e sempre falava que eles eram os melhores amigos dela. Falavam que ela casaria com um jovem muito rico, grande possuidor de terras, imenso criador de rebanho bovino e que eles seriam felizes para sempre, até que a morte os separasse.
O tempo passou. Dona Maria realizou os sonhos. Casou-se muito bem. Teve filhos e o marido foi muito bom para ela. Ele foi um dos primeiros que comprou sofá na época, um lindo sofá. Comprou também um rádio, daqueles de quatro faixas, sintonizado em ondas AM e eram poucas as emissoras da época.
Todas as noites, após o término da labuta do lar e dos afazeres da fazenda, os dois sentavam no sofá, logo abaixo da janela. Ele, imediatamente, ligava o rádio e a sintonia já era própria. O som não era tão bom assim, pois, às vezes, com vento forte e chuva, a sintonia era difícil e sempre a emissora saia do ar. Voltava logo. Ali, juntos, os dois ouviam músicas, ouviam notícias e sempre mantinham as conversas. Falavam de tudo. Conversavam entre si e ainda buscavam os dois filhos para ouvirem, mas logo eles dormiam e os dois permaneciam ali, juntos, ligados nos acontecimentos narrados pela emissora.
Não todas as noites, mas com intervalos de quinze a vinte dias, pelo menos uma vez, eles ouviam o rádio, mas inesperadamente, ouvia-se uma linda música tocada. Não era da época, em si, mas um som tão forte, um ruído suave, uma sintonia tão perfeita, que os dois pareciam estar flutuando na mesma direção. A porte se abria. Os cães não latiam e a sala era completamente iluminada. De pé, eles recebiam as pequenas criaturas e elas não mexiam com a boca, mas eles sentiam a conversa deles dentro da mente. Contavam dos acontecimentos, da saúde deles, da saúde dos filhos e até do rebanho. Previam os dias de chuva forte, do calendário para a colheita, enfim, diziam e previam tudo o que aconteceria no futuro.
O tempo foi passando. Em um dia, eles chegaram e levaram o marido e os dois filhos para sempre. Diziam que não a levariam, porque ela não poderia ir. O marido e os filhos eram propriedade deles e ela estaria perto do esposo e dos filhos todas as vezes que cantava e lembrava daquela música.
Dona Maria permaneceu cantando a mesma música sempre, desde a época até os dias de hoje. Sempre a mesma música e sempre prevê o futuro.