O FANTASMA DO PORÃO

   Cacilda sentou-se na frente de casa e ficou a pensar, queria distrair-se um pouco e esquecer a briga com o namorado, que ficara no porão de sua casa arrumando os livros que ela jogara para cima e espalhara pelo local impregnado de cacarecos e poeira. Desde que o pai falecera, há cerca de seis meses, que não entrara nesse canto da enorme casa que deixara para ela e a mãe, já com seus setenta anos. Justamente nesse dia quando o complicado namorado veio vê-la resolveu descer até o porão, a pedido dele, iniciando então uma discussão que resultou no ocorrido já mencionado. A velha genitora dificilmente se metia em suas confusões, seu namorado Gerson até que era bom rapaz, apesar de explosivo, ela que provocava. Tinha induzido a mãe a vender o imóvel antigo e comprarem uma casa menor na cidade, mas não foi atendida, gostava dali, lembrava o marido, mas prometera pensar a respeito.

   O tempo passou e Gerson não subiu para importuná-la ou reclamar por ter espalhado os seus luvros. Cacilda ficou curiosa e desceu ao porão para se ver com ele ainda de cara amarrada. Espantou-se por não tê-lo encontrado ali, imaginou ele ter saído sem ter lhe dado atenção, estava chateado com certeza.

   A noite chegou, Cacilda jantou junto com a mãe e após isso decidiu procurar o namorado em sua casa, que ficava no centro, usando uma velha lambreta que foi do seu pai. Lá não o encontrou e a mãe dele estava aflita, queria saber do filho.

    Passaram-se alguns dias e Cacilda não teve notícias de Gerson nem teve mais coragem de entrar no porão. Até havia pensado em fazer uma faxina com ele naquele local que só cheirava a poeira e jogar fora alguns objetos que de nada serviam. Decidiu ir naquele momento, havia almoçado fazia cerca de uma hora, nada melhor do que disparecer e fazer alguma coisa útil e não pensar mais no namorado, afinal ele sumiu sem dar notícias. Desceu os degraus de madeira e ganhou aquele aposento que precisava de uma limpeza geral e teve náuseas quando sentiu um forte odor de carniça. Atrás de um móvel antigo estava o corpo do namorado em adiantado estado de decomposição. Gritou assustada ao ver que uma barra de ferro esmigalhara a cabeça dele e o sangue grosso borrara todo o piso, já completamente duro.

   Cacilda saiu presa de sua própria casa por policiais que concluíram ser ela a causadora da morte do rapaz, apesar de suas negativas foi encaminhada para a prisão, já que ficou esclarecido que brigavam muito e que outra hipótese para o crime não existia. A mãe dela tomou a iniciativa de mandar fazer a faxina geral no porão e pôs placa de venda no imóvel.

    O primeiro comprador chegou, queria avaliar o imóvel e ao descer ao porão ouviu uma voz que dizia:

- Ela não me matou, foi um acidente. Eu quero vê-la.

Assustado o pretenso comprador afastou-se rapidamente e saiu em busca de outra casa que não fosse assombrada. Isso se repetiu com outras pessoas interessadas na compra, que sempre desistiam da aquisição.

   Anos se passaram e Cacilda foi libertada por bom comportamento, foi um alívio para sua mãe que vivia muito só, tinha ajuda de uma senhora que vinha de vez em quando para as tarefas domésticas. Foi a oportunidade de ir até o porão, pois ouvira falar que Gerson em espírito queria vê-la e que não a culpava pelo ocorrido. Desceu a escada e viu um ambiente bem diferente do que deixara, bem limpo e arrumado, lamentou ela mesma não ter feito isso. Súbito ouviu um suspiro e em seguida a voz dele que dizia:

- Enfim você veio. Sei que não é a culpada pela minha morte, foi um acidente. Aquela maldita barra de ferro caiu sobre mim quando tentei me esconder para surpreendê-la.

Cacilda caiu em prantos, além de assustar-se com a "visita" do namorado. Quiz gritar mas a voz não saiu, tinha vontade de sorrir, mas de nada adiantaria, na verdade ele não estava alí, apenas seu espírito lhe falava. Sentiu um grande desgosto por ter brigado com ele por coisas bobas, sentiu-se culpada de certa forma pela sua morte, sentiu horror de si própria. Uma imagem surgiu na sua frente, era ele, Gerson, que correu para abraçá-la. Mas esse abraço físico não poderia se concretizar e ao correr ao seu encontro tropeçou e caiu. Bateu com a cabeça numa quina pontiaguda e viu o sangue jorrar em abundância.

    Novamente a força policial alí adentrou para remover o cadáver da moça a pedido da mãe que ouvira os gritos. Com o passar dos dias as investigações concluíram que a morte do rapaz fora acidental, mas ela não mais alí estava para ser beneficiada pela justiça.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 13/02/2019
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