O CAIÇARA - CONCLUSÃO
CAPÍTULO VI
MARSAL
O homem gordo morde a ponta de um lápis, parecendo contrariado. Olhou para o Caiçara, que nesse momento estava cercado por dois homens fortes. Levantou de repente, colocou ambas as mãos apoiadas no tampo da mesa, com o semblante fechado como uma rocha, disse:
- Quero saber como você está fazendo para ganhar, como tem ganhado? É a segunda vez que quebra a banca.
- Não tenho nenhuma forma especifica para ganhar, faço grandes apostas e quando ganho, ganho muito, como hoje.
- Novamente não tenho tanto dinheiro em caixa, vou ser obrigado a lhe fornecer uma carta de credito do estabelecimento, poderá usá-la quando quiser. O Caiçara deixou o escritório com a carta de credito no valor de cento e oitenta e sete mil reais, mais setenta e cinco mil e oitocentos reais em espécie. Procurou a dama de vermelho por todos os lados e não a encontrou.
Dirigiu-se a um homem de estatura mediana, magro e simpático, com voz suave e terna, e de movimentos um tanto femininos, possuía uma natureza que no conjunto despertava confiança, o que o levou a perguntar:
- O senhor não viu uma senhora vestindo um traje vermelho, estatura mediana, com uma mecha de cabelos brancos quase no centro da cabeça?
- Não senhor! Garanto-lhe que tal dama não esteve neste recinto hoje à noite.
- Confuso deixou o estabelecimento. A névoa envolveu-o quando ele desceu em direção ao mar, que infatigável, batia na praia rasa de areia. Quase não conseguia dominar o impulso que tinha de tomar alguma bebida, mas tinha de vencer a qualquer preço, havia prometido a Francine que a receberia sóbrio, naquele dia.
Entre o desejo de beber e a força de vontade de resistir à compulsão que tinha pelo álcool, nessa batalha psicológica e, dado ao adiantado da hora, pois passava das quatro horas da madrugada, não encontraria um único estabelecimento que o servisse algo para beber, chegou ao edifício Leblom.
Tentou dormir, mas seus fantasmas começaram a rondá-lo.
Não tinha certeza se estava dormindo ou acordado, mas tinha a mais absoluta certeza de que tudo o que estava vendo, era como estivesse passando um filme em sua frente. Via a mulher que adentrava no oceano e desaparecia. As imagens se emaranhavam com outras que tinha de um homem com uma acha de lenha batia num casal, que levantavam os braços para se defenderem da violenta agressão. Banhado em suor ele levantou, procurou desesperadamente uma bebida, mas nada encontrou. Foi ao chuveiro e tomou uma ducha, ficou molhado de propósito, pois o suor ainda brotava pelos poros.
Abriu uma janela e pode ver a noite, que pelo adiantado da hora deixou as ruas completamente vazias. O ar fresco da noite invadia o ambiente, penetrando pela janela aberta.
Ele subitamente levantou os olhos, seu problema ainda por solucionar, e havia no ar aquela sensação da hora antes do amanhecer, que é tão aterradora a uma vida incerta. Tomado de uma súbita sensação de silêncio, não havia o menor ruído nas ruas. O silêncio era tumular. Ele lembrou-se da estranha ocorrência da noite anterior e instintivamente olhou para o ambiente. E então um sentimento estranhíssimo atravessou-o. Sentou no sofá e começou a raciocinar, reproduzindo em pura abstração as cenas que vira em seu surto psicológico. Lembrou da incrível coincidência da mulher que se afogara há dois anos, parecendo-se em muito com a visão que tivera na praia. E, se perguntava, o que levaria uma mulher como aquela terminar com sua vida. Ao mesmo tempo raciocinava que a morte representava à libertação de tudo aquilo que nos pode afetar, o frio, o calor, a fome, o fracasso, o vicio, em fim, tudo que nos degrada. Analisava sua vida, não tinha feito nada para merecer os distúrbios psicológicos de que era acometido. Seu vício resultara desses distúrbios, porque teria de conviver com isso, quando isso tudo iria acabar? Nesse devaneio quase que inconsciente ele caiu em um sono pesado, mas inquieto e dormiu durante muito tempo até o dia clarear. Acordou e pensou: Logo Francine chegaria e ele tinha cumprido a promessa de não beber até que ela chegasse.
A campainha soou, ele abriu a porta, era Francine.
- Bom-dia! Como passou a noite, tudo bem?
- Excelente, resisti e não bebi uma única gota de álcool, mas tenho grandes novidades.
- Conta que eu estou curiosa.
- Fui ao cassino e quem estava lá? A dama de vermelho, que novamente me indicou em que número jogar.
- E quanto ganhou?
- Aqui está a carta de credito.
- Poxa! Cento e oitenta e sete mil reais, e agora o que vamos fazer?
- Isto é só um papel e tem valor somente na casa de jogos.
Recebi ainda mais setenta e cinco mil e oitocentos reais em espécie. Tenho que estudar um meio de transformar isso em dinheiro vivo- apontando para a carta de credito.
- Parece-me que teremos de jogar no cassino novamente, perder, ou ganhar, mas trocar fichas por dinheiro- disse Francine.
- Nesta noite tive um novo surto psicológico recorrente, foi impressionante. Via a mulher se afogar no oceano, um homem abater um casal a pauladas. Vamos retornar a biblioteca municipal e examinar os jornais da época em que a mulher se afogou, quero maiores detalhes do ocorrido.
- Podemos ir após o café, vou prepará-lo e depois iremos.
Eles chegam à biblioteca e passaram a examinar os jornais posteriores ao que havia noticiado a morte por afogamento.
A manchete dizia:
Identificada a vitima de afogamento na praia de capão da Canoa. Trata-se de Melissa Salzano, filha do influente empresário do ramo metalúrgico Rodrigo Salzano...
Na reportagem dizia que havia suspeitas de suicidio, dada as condições do tempo, inverno e dos trajes que vestia...
Noutra edição trazia a foto da vítima de afogamente. Na foto uma mulher com uma mecha de cabelos brancos quase que no centro da cabeça.
- É está, é esta a mulher que me orienta nas jogadas no cassino - disse o Caiçara, em um sussurro para que ninguém ouvisse, salvo Francine.
Tiraram uma copia da pagina e deixaram a biblioteca.
- Acho tudo muito confuso para o meu entendimento. Mas de tudo o que pude observar, até agora, você é alcoolatra e tem visões fantasmagoricas, que muito bem pode ser por efeito do alcool em seu cérebro, ou não. Por isso eu sugiro que nós procuremos o AA. Já busquei o endereço e hoje haverá reunião, o que achas, podemos ir?
- Não sei, tenho dúvidas quanto a me expor, revelar os meu problemas.
- Não vai falar no primeiro dia, somente falará quando estiver pronto para falar e reconhecer que é um dependente de àlcool.
- Então vamos, mas somente farei isso por você, Francine.
- Não você fará isso por você mesmo, você merece se livrar desse vicio.
Retornaram ao apartamento 507, ele meditabundo encostado na poltrona, pensava: Estarei ficando louco definitivamente, ou será um subproduto do álcool? E Francine o que espera de mim? Um homem cheio de problemas, e não é por dinheiro, pois apareceu antes de eu haver ganhado todo este dinheiro, veio por pura gratidão, não posso decepcioná-la.
O chofer gordo estacionou o carro junto ao meio fio, e sem tirar o cigarro da boca abriu a porta do taxi.
O passageiro adentrou e exibindo uma credencial de policial, disse:
- Sou inspetor Rodrigues da policia de Rio Grande e quero que o senhor me leve neste endereço- alcançando uma pequena folha de papel.
O motorista pegou a folha e leu o endereço e disse:
- Edifício Leblom! Sei onde é, estará lá em alguns minutos.
O interfone toca:
- Sim!
- Sou da policia e desejo falar com o Senhor Marsal Medina.
- Será que o cassino foi descoberto e estão a minha procura, como jogador?
- O que deseja senhor policial?
- É sobre seus pais biológicos, eu sou inspetor na cidade de Rio Grande, e desejo conversar com o senhor.
Ele abriu o porteiro eletrônico.
O homem de, sobretudo elegante e rosto branco, de olhos esbugalhados, entrou de repente.
- Bom-dia! Sou o inspetor Rodrigues, mais conhecido por Rodrigão. É o senhor Marsal Medina?
- Sim, sim, entre, por favor- franqueando-lhe a porta - em que lhe posso ser útil?
Há algum tempo atrás, enviei-lhe uma carta, pedindo que me telefonasse, como o senhor não me telefonou, resolvi procurá-lo.
- Se o estou procurando, é que no cartório o senhor está registrado como sendo filho de um casal que foi assassinado junto com a filha. O casal, a que me refiro, morava em um sitio na cidade de Rio Grande...
O inspetor deu detalhes sobre os assassinatos e finalmente perguntou:
- O que o senhor sabe a respeito?
- O quanto sei, fui adotado pelos meus tios e padrinhos e fui morar em Porto Alegre, a cerca de vinte anos, meus pais adotivos morreram em um desastre de carro, como não mantinha contato com meus pais biológicos, pois nem sabia que tinha uma irmã, não tomei conhecimento dos fatos que o senhor se referiu.
- O que o senhor sabe sobre a sua adoção?
- O que fiquei sabendo por ouvir o meu pai adotivo falar, foi que eu tinha algum distúrbio mental e por isso fui levado a Porto Alegre para ser tratado adequadamente.
- Que tipo de distúrbios o senhor tinha quando pequeno?
- Não só quando pequeno, eu os tenho até hoje. Eu sofro de alucinações, vejo coisas que aconteceram ou que irão acontecer.
Nisso, Francine adentra na sala, os dois homens se levantam. Marsal referindo-se com um gesto a Francine disse:
- Ah! Deixe-me apresentar a senhorita Francine, uma miga de grande valor neste momento.
Rodrigão fez uma mesura e pegou a mão de Francine e a beijou delicadamente.
- Encantado, senhorita.
- Aceitam um café, está quase pronto.
- Aceitamos- disse Marsal- mas sente-se inspetor.
- O senhor estava dizendo que vê coisas... Fale mais a respeito.
- Claro que o senhor não irá acreditar, mas eu vi os assassinatos, como o senhor os descreveu.
- O senhor tem razão é difícil acreditar no que está dizendo.
Logo Francine veio com o café.
O inspetor esvaziou a xícara de café, tocou a ponta do bigode com o dedo e disse:
- Sou todo ouvidos.
Marsal e Francine, contaram o caso da afogada, omitindo os dois aparecimentos no cassino clandestino, afinal se tratava de um policial e ao final o inspetor disse:
- Na sua visão, ou seja, lá o que for o senhor poderia identificar o assassino?
- Normalmente as imagens, são misturadas, nunca sei se estou acordado ou dormindo, no caso específico da chacina de meus pais eu vejo um homem desfechar pauladas e as vítimas se defenderem com os braços.
-Este é um detalhe que eu não lhe disse, mas foi exatamente assim que tudo aconteceu. Diga-me, como é que isso acontece, digo as visões?
-Às vezes quando estou conciliando o sono, e nesse caso, não sei se estou acordado ou dormindo, outras vezes, como aconteceu com o acidente dos meus pais adotivos, parecia um relance, algo indescritível, e a visão se estabelecia como eu estivesse assistindo um filme. Os detalhes eram impressionantes.
- Sim, sim, mas o que o senhor pode ver nos assassinatos do sitio, como você vê o assassino?
- Eu sempre vi o assassino, mas nesse momento não o poderia descrever.
- Há alguma forma do senhor provocar estas visões e buscar o reconhecimento do autor da chacina?
- Não, nunca tentei provocar uma visão, não sei se isso é possível. Creio que não o poderei ajudar.
- É uma pena, pois um homem está sendo acusado, sabe como é um andarilho, sem eira nem beira, que apareceu na cidade, justo quando ocorreram os crimes. Eu particularmente acho que ele não é o bandido, mas uma medalhinha que fora encontrada com ele pertencia a uma das vítimas.
O silêncio sepulcral se instalou no ambiente. O Caiçara colocou a mão no queixo e ficou meditando. O inspetor cofiava o bigode e pensava:
- Tenho de convencer esse homem a me ajudar, deve haver uma forma de convencê-lo, ao menos a tentar ter uma nova alucinação com os crimes e descrever o assassino.
O caiçara por sua vez pensava:
- Se eu pudesse ajudá-lo, se eu conseguisse ver nitidamente o autor dos bárbaros crimes.
Quebrando o silêncio, o inspetor falou:
- Quando ocorrem essas visões, o que é que o senhor está pensando?
Ele tirou seu lenço e enxugou as gotas de suor de sua testa e disse:
- Sabe que não sei, elas aparecem como que sendo um clarão de luz — agitação, fluxo, não sei como designar, não consigo encontrar nenhuma palavra para descrevê-lo satisfatoriamente — afastando da testa seus cabelos escuros e esfregando as mãos pelas têmporas, num gesto de preocupação.
— parece que tudo está acontecendo e que eu sou um espectador assistindo um filme no cinema.
Rodrigão não conseguiu deixar de soltar uma interrogação.
- O senhor disse que teve tais visões, quando caminhava na praia, tendo visto a mulher entrar no oceano, como havia feito na realidade há algum tempo atrás. O que me leva a inferir que somente isso aconteceu porque o senhor estava no mesmo local onde os fatos haviam acontecido.
- Nisso o senhor tem toda a razão, eu não havia pensado nisso.
- Então se formos ao local onde houve a chacina, quem sabe se o senhor não vê com mais clareza tudo o que aconteceu.
Ainda não tomara nenhuma decisão a respeito, mas refletir sobre o problema era algo inesperado para ele. Sentia uma profunda inquietação com essa possibilidade.
- É possível, porém, em outra oportunidade, pois no momento estou passando por algumas dificuldades.
- Sim, já percebi o senhor é alcoólatra e está tentando abandonar o vício.
- É tão visível assim o meu estado?
- Sua aparência o denuncia como sou um policial experiente, tais fatos não me passam despercebidos. Se for falta de dinheiro, eu lhe garanto que o estado pagará todas as despesas de sua ida ao local.
Nisso Francine, que apenas ouvia, se manifestou:
- Eu posso explicar! Nós pretendemos ir a algumas reuniões dos AA. E, no momento está muito difícil segurar a abstinência.
- Compreendo! Digamos que este foi o primeiro contato, certamente outros ocorrerão e quando o senhor se encontrar em condições eu posso providenciar o seu deslocamento.
- Não se preocupe com isso, eu faço questão de ir, em outro momento e será tudo por minha conta, afinal trata-se de meus pais e de minha irmã, tenho o maior interesse em poder ajudar a desvendar os crimes.
- Aqui tem o meu cartão onde pode encontrar todas as formas que posso ser contatado. A propósito pode me fornecer o seu telefone?
O caiçara pegou uma caderneta de anotações, arrancou uma pagina e escreveu o seu telefone e alcançou ao inspetor.
- Bem! Então estamos certos, quando o senhor estiver disponível, isto é, estiver melhor da sua doença me telefone para que eu possa esperá-lo- Passar bem.
O inspetor deixou o AP. O Caiçara e Francine ficaram meditabundos.
- É realmente impressionante este caso dos seus pais biológicos.
- E dizer que eu vi em pura visão sobrenatural, tudo o que lhes aconteceu. Sem ao menos saber que eles estavam vivos e que tinha uma irmã.
CAPITULO VII
MELISSA SALZANO
ANO DE 2007-
Melissa, uma mulher com trinta e três anos, esbelta, estatura mediana, com um metro e sessenta a sete. Cabelos pretos mechado de branco na parte frontal. Seus olhos verdes pareciam duas esmeralda que se destacavam sob sobrancelhas negras e espessas. Seus seios fartos concordavam com as curvas acentuadas do seu corpo. Sua tez, tranquila, esboçava um sorriso gracioso, rebordado por um conjunto de lábios carnudos.
Nascida em berço privilegiado, pois seu pai era um importante industrial do ramo metalúrgico. Na PUC colou grau de publicitária, aos vinte e cinco anos.
Viajara de Porto Alegre para capão da Canoa. Estava ansiosa para voltar a jogar no cassino clandestino da cidade, pois tentaria recuperar o antes perdido. Parou seu carro junto ao meio fio, eram exatamente, vinte e uma horas e trinta minutos. A casa abriria em função as vinte e duas horas.
Aproveitou o tempo para refazer a maquilagem no banheiro do bar que servia de fachada para a casa de jogos.
Logo a casa abriu, ela fora a primeira a chegar e dirigiu-se logo para a sala do proprietário.
- Boa-noite, senhorita Melissa, - disse-lhe o homem gordo que se encontrava atrás da escrivanhia.
- Também espero que hoje seja uma boa noite para mim e uma má para o senhor- respondeu sorrindo.
- Será com toda a certeza- respondeu o homem.
- Quero que avalize este cheque- estendendo-lhe a mão.
O homem o pegou, olhou, bateu com o dedo no cheque e disse:
- Cinquenta mil! Não prefere que seja um cheque de vinte mil?
- Não, hoje eu quero tirar o atrasado, isto é, quero recuperar o que perdi até aqui.
- A senhorita é quem sabe.
Pegou o cheque e o rubricou no canto. Alcançou-o dizendo:
- Seja feita a sua ordem. Esteja à vontade a casa é sua.
O crupiê era um homem muito alto, muito pálido, de cabelos e barba raspados e com uns olhos de um castanho muito desbotado.
Ela chegou de mansinho e esperou abrir a banca.
Alguns minutos de espera e tudo estava pronto para dar inicio as apostas.
O crupiê anunciou:
- Façam jogo senhores e senhoras.
Melissa começou a apostar e em menos de duas horas de apostas na roleta, havia perdido o valor do cheque que descontara no caixa e foi ter com o proprietário:
- Não acha que é o suficiente por uma noite senhorita Melissa?
- Não, a sorte ira mudar consideravelmente, apenas quero que avalize mais este cheque, estendeu a mão com um cheque de cem mil reais.
- Não posso fazer isso- disse o proprietário.
- Não discuta, está com medo que eu quebre a banca?
- Será uma satisfação perder para a senhora dona Melissa.
Às quatro horas a casa estava se preparando para fechar, Melissa havia perdido mais de duzentos mil reais. Sai da casa, e começa a andar de um lado para o outro, devagar, mas impaciente, o queixo afundado no peito e as mãos cruzadas à frente, como estivesse rezando. De repente para e se dirige ao carro que perto estava estacionado, abre a porta e entra, recua o banco, e baixa o encosto e fica ali, pensando no que havia feito, pensava no seu pai e ficara de espírito acovardado e vazio, com olhar furtivo e expectante do leão que vê o domador levantar o chicote.
Permaneceu ali, de olhos fechados, remoendo seus pensamentos, até ser vencida pelo cansaço e adormecer.
Despertou quando o sol já estava a pino, olhou para o lado e viu as ondas que quebravam na praia. Respirou fundo, virou a chave e saiu levantando areia com os pneus.
- Uma mulher que sempre teve de tudo, recebeu uma educação esmerada, pertencente a uma família tradicional. Perde uma vultosa quantia no jogo clandestino e agora quer que seu pai cubra seus cheques. Sem considerar que esta não é a primeira vez, que tenta dilapidar o nosso patrimônio - disse-lhe o pai com severidade.
Melissa ouviu tudo de cabeça baixa. Enquanto o pai continuava:
- Pai e mãe são os seres mais sem vergonha do planeta, relevam os filhos até quando não deveriam relevar, para o seu próprio bem. Que seja esta a última vez se houver uma próxima, aconselho-a a não vir falar comigo, resolva o problema você mesma, por favor, não me procure mais.
Ela chorou copiosamente e no fundo de sua alma prometeu em pensamentos que jamais se submeteria a tal humilhação.
O remorso a atormentava a cada dia que passava, travara uma luta sem igual, de um lado a compulsão pelo jogo, não podia passar um único dia sem que jogasse de alguma forma, jogos do bicho, bilhetes de loteria, aposta em carreiras de cavalos. Mas seu espírito lhe impulsionava a jogar na roleta, era o que mais lhe causava aquela emoção de apostar, seguida do anseio da espera do resultado, aquela adrenalina e que a subjugava e a leva a efetuar apostas cada vez maiores. Pelo outro lado o objetivo, isto é, penetrar nas camadas profundas do seu íntimo e reconstruir sua vida com elementos consistentes e permanentes. O desejo de parar definitivamente com as jogatinas. Já fizera inúmeras tentativas de abandonar o vício do jogo, mas sempre fora subjugada por ele. Seu cérebro constantemente a lembrava de como era bom fazer uma aposta, a expectativa do resultado da aposta, só em pensar ficava excitada, seu corpo se agitava, seu coração pulsava com maior intensidade. E, finalmente, a compulsão irresistível, largou tudo e se dirigiu até a praia, onde poderia jogar e terminar com aquele tormento.
Assim, ela mais uma vez, partira rumo à praia de Capão da Canoa, por certo seria a última vez, lembrava as palavras de seu pai, que nervoso lhe dizia:
- Não posso deixar que dilapide nosso patrimônio...
Eram vinte e três horas quando ela encostou o carro próximo do cassino clandestino.
Cruzou o bar que servia de fachada e adentrou no salão de jogos e dirigiu-se a sala do proprietário.
- Bom-dia, Dona Melissa!- disse o homem gordo que sentado estava sobre a escrivanhia – veio validar um cheque?
- Adivinhou- estendendo-lhe a mão que portava um cheque.
- De cem mil? Não acha muito?
- Se não quiser, posso voltar para Porto.
Ele levanta ambas as mãos e lhe diz:
- Não seja por isso, eu só quero preveni-la que é muito dinheiro, para apostar em uma noite.
Eram quatro horas da manhã, quando Melissa adentra no escritório do proprietário. Seu semblante, não era o mesmo, parecia exausta e mergulhada em profunda melancolia.
- A senhora perdeu novamente, dona Melissa?- perguntou o homem gordo.
- Sim, e venho lhe pedir que tranque os cheques, por uma semana, depois poderá apresentá-los ao banco.
- Claro, a senhora tem todo o meu credito.
Ela saiu, exausta, derrotada, caminhava com o queixo cravado no peito, passou pelo seu carro que estava estacionado e continuou caminhando. Chega ao apartamento de cobertura, no oitavo andar do Edifício Explanada. Colocou a bolsa sobre a mesa de centro da grande sala de estar.
Abriu uma garrafa de vinho, e serviu um copo até o meio, aninhou o copo frio entre as palmas das mãos. Girou o vinho, pensativa, olhando para o remoinho como que hipnotizada.
Tomou um gole grande, depois involuntariamente um gole pequeno, sentindo to¬da a suavidade do vinho, saboreando as últimas gotas em seu co¬po. Ela parou de beber por um instante, baixando os olhos para o copo, o rosto franzido. Tornou a pegar a garrafa e levantou-a contra a luz, contemplando o líquido âmbar a faiscar. Não sabia exatamente o que fazer. Dirigiu-se imediatamente para uma poltrona no lado oposto da mesa, sentou desajeitada e começou a chorar.
Lembrara do que havia dito a seu pai no meio de uma discussão: “que o pensamento da morte lhe era desagradável” algo triste para uma jovem: O vicio pelo jogo, causava-lhe grande tristeza devia tê-lo dominado, antes que arruinasse toda a sua vida. Mas ao contrário ele a tinha dominado.
Lembrou de sua meninice, do período de universidade, dos amigos que largara, pois não a acompanhavam nas jogatinas desenfreadas. Os namorados que havia perdido, por se sentirem envergonhados dos seus gastos exagerados.
Mas, por mais que pensasse não conseguia lembrar o primeiro jogo que fizera, ou seja, como tudo começara, no entanto, isso não era importante, o fato é que era dominada pelo vicio.
Envolvida por grande devaneio, foi caindo, caindo sobre o sofá e adormeceu. O copo deslizou de sua mão caindo sobre o tapete felpudo, que lhe amorteceu a queda.
Passava das onze horas, quando ela despertou, tomou uma ducha quente, colocou um abrigo de inverno, calçou os tênis, e se dirigiu para a praia. O vento forte de inverno a obrigou a colocar o capuz, caminhava pela praia, que naquele momento estava completamente deserta. Caminhando, seus pensamentos a levaram até o seu primeiro e único amor, tinha na época apenas dezessete anos, cursava o primeiro ano do curso de graduação. Ele era um engenheiro recém formado que ingressara na indústria de seu pai.
Lembrava do dia em que falou a seu pai sobre o namoro:
- Pai! Estou apaixonada.
- É filha, que bom, quem é o felizardo?
- Ainda é segredo, estamos no momento só ficando, quando ficar mais sério eu o aviso.
- Mãe, ele é o máximo, quer namorar comigo, será que o pai vai gostar dele?
- Ora minha filha, seu pai é um homem muito ocupado, não vai interferir no seu namoro, desde que o rapaz seja do bem.
- Quero que a senhora o conheça antes do papai.
- Pode apresentá-lo a mim, quando quiser.
Ela o apresentara a sua tia, que a criara, desde pequenininha, pois sua mãe morrera no parto, e ela a chamava de mãe.
Ela lhe disse que gostara muito do rapaz, que lhe pareceu, um bom sujeito, digno de pertencer a sua família.
No entanto ela estava receosa, Tinha a impressão de que ele só estava interessado em sexo; no entanto, passado algum tempo, mudou de idéia. Gostava de estar com ele, que parecia apreciar genuinamente sua companhia.
Um mês depois ela criou coragem e o apresentou ao pai.
- Pai! Este é o meu namorado.
O pai olhou-o de cima a baixo:
Um rapaz moreno, elegante, saido da adolescencia, ostentando uma singular beleza de corpo e espírito.
Disse:
- Parece que eu já o conheço, mas não sei de onde.
O rapaz olhou-o atentamente.
Rodrigo Salzano, seu rosto era duro e cruel, mau, astucioso e vingativo, com uma boca sensual, nariz adunco e rubincundo, com a forma do bico de uma ave predadora. Seus olhos possuíam um brilho singular e uma expressão terrivelmente maligna.
Um homem, austero, dominador, não era outro senão o patão admirado por por alguns e odiado por muitos.
- Pode ser! Eu trabalho como engenheiro em uma de suas metalúrgicas.
- Há sim, pode ser que eu o tenha visto por ai.
Logo veio um telefonema e eles ficaram mais de quinze minutos na frente de seu pai, enquanto ele telefonava.
Ao término ele se levantou e disse:
-Vocês vão me perdoar, mas eu tenho um compromisso inadiável e o telefonema gastou o tempo que eu tinha destinado a vocês – estendeu a mão para o rapaz e disse:
- Sei que você é um pé rapado, com toda certeza, quer dar o golpe do baú, seu vigarista- pensou, mas não disse, deveria, portanto, esperar até que o tempo lhe fornecesse uma oportunidade e algum evento inesperado, resignando disse: Apareça para conversarmos algum dia destes.
Saíram e ela logo lhe disse:
- Não faça caso ele é assim mesmo, muito ocupado, nunca teve tempo para mim. Primeiro os negócios, depois o resto. E eu sou o resto.
- Compreendo ser um homem de negócios como o seu pai, deve ser muito complicado.
- Espero que quando casarmos, não fiques assim.
- Certamente que não, afinal eu sou um engenheiro e não um empresário.
Ele costumava a frequentar a casa, mas nunca encontrava o pai de Melissa, pois este sempre estava ocupado. Sua tia é quem lhes dava guarida e atenção.
- O senhor mandou me chamar?
- Olhou-o, colocou a mão tapando o telefone e disse:
- Sim, sim, sente-se e fique a vontade enquanto termino a ligação.
Falou mais de dez minutos e o rapaz ali esperando.
Sentaram-se lado a lado em um sofá cheio de papéis, e não foi difícil ver, pela expressão ansiosa de ambos, que era um assunto da mais relevante importância.
As mãos do rapaz, finas, de veias azuladas, comprimiam-se, dado o sistema nervoso ativado ao extremo.
- Bem, você é o namorado da Melissa, trabalha na minha empresa, é engenheiro mecânico. Estou fechando um negócio de máquinas, isso é quero importar algumas máquinas da Holanda. Quero que você as examine antes que eu feche o negócio. Nada mais natural que eu o escolhesse para viajar para a Europa. Como é, aceita a incumbência?
- Claro senhor, será uma honra examinar as máquinas para o senhor.
- Você viajara até o Rio e lá no Galeão, pegará o voo direto para Amsterdam. Qualquer coisa mais que necessite é só falar com a minha secretária, que já tem ordens para facilitar a sua viagem, como retirada de passaporte e cheques de viagem e, etc.
As noites, que sucederam a viagem, vinham sendo preenchidas com pesadelos, e todas as manhãs ele despertava com uma sensação de ameaça iminente.
- Melissa! Seu pai me deu uma oportunidade para ir a Europa, mais precisamente para a Holanda, devo examinar algumas maquinas que a empresa esta adquirindo, mas estou sentindo uma estranha sensação de que algo de errado possa acontecer. Talvez pela minha inexperiência em viagens para o exterior, afinal será a primeira.
- Isso é natural, eu já fui a Europa, claro que não fui à Holanda e sim a França, Paris, mas foi uma viagem com papai e a tia e eu tinha quinze anos. Foi uma viagem comemorativa dos meus quinze anos, aproveitamos e fomos conhecer Veneza na Itália e Madri na Espanha.
- Talvez tudo isso seja fruto da minha imaginação e medo do desconhecido.
- Tenho uma idéia, vamos nós dois assim nos amparamos mutuamente. O que acha?
- Sou terminantemente contra- disse seu pai com severidade. Se fossem noivos, mas são apenas namorados.
- Se é isso que o preocupa. Noivamos antes da viagem.
- Não, não quero que vá, ele vai a negócio, não é uma viagem recreativa. Noutra oportunidade poderão ir a passeio, agora não, e está encerrado o assunto.
Três dias depois:
- Bom-dia pai! – disse Melissa ao entrar na sala de trabalho de seu pai.
- Bom-dia minha filha, Posso lhe adiantar que até agora não temos a mínima noticia de teu namorado. Mas não se preocupe que eu tenho alguns contatos em Amsterdam que o estão procurando. É só uma questão de tempo, além do mais ele tinha o endereço das empresas, telefone, inclusive o telefone do nosso cônsul em Amsterdam. Qualquer embaraço bastaria nos telefonar, poderia fazê-lo a cobrar.
- Ele tinha pressentimentos de que alguma coisa poderia dar errada, disse Melissa.
- Não se preocupe, afinal, ele é um engenheiro, deve saber o que faz.
Os dias foram passando e as noticias não chegavam, Parecia que o rapaz tinha simplesmente sumido da face da terra.
Melissa desesperada ficou reclusa, em seu quarto, o que evoluiu para uma depressão gravíssima.
Passou um ano de reclusão, até que um dia, levantou-se, vestiu-se adequadamente e foi ter com o seu pai:
- Pai! Sei que o senhor foi o culpado do desaparecimento do meu namorado.
- Não diga isso Melissa, o rapaz se perdeu, sei lá, onde se meteu. Eu envidei todos os meus esforços para encontrá-lo, tudo foi em vão.
- Não importa, ressuscitei dos mortos, aqui está uma nova Melissa.
- O que quer dizer com isso?
- Nada de mais, vou concluir a minha graduação e tocar a vida como ela é.
- Faça isso minha filha, eu aprovo a sua resolução, e pode contar comigo. E tire da cabeça essa ideia de que eu fui responsável pelo sumiço do seu namorado.
- A propósito quero um cartão de crédito ilimitado.
- Fale com minha secretária que ela irá providenciar em tudo que você quiser.
Passou a estudar muito, mas nos finais de semana passou a se divertir, gastando grandes quantias em festas. Foi numa festa que ela conheceu Fortunato, um rapaz elegante e bem disposto, fizeram amizade e passaram a fazer programas juntos.
Certo dia ele a convidou para irem ao jóquei clube de Porto Alegre. Lá ele apostava nas corridas e a ensinou a técnica de apostar em cavalos. Ganhar ou perder para Melissa não importava, apenas sentia em cada aposta uma sensação de risco e expectativa, que a levavam ao êxtase. Ele sistematicamente a convidava a frequentar casas de jogos, até que certo dia a levou a conhecer um cassino clandestino que funcionava na Praia de Capão da Canoa.
- Ao chegarem à casa de jogos, ela foi levada a sala do proprietário, um homem gordo que a cumprimentou e colocou a casa a sua disposição. Jogaram na roleta e no final da função ele contabilizava uma pequena perda, a qual nem poderia ser considerada, dada a satisfação que lhe dera as apostas e a expectativa dos resultados.
Fortunato a acompanhou por mais uma vez e ela nunca mais o viu, desapareceu como por encanto. Mas Melissa continuou a jogar, já havia aprendido o caminho e estava algemada ao vicio de jogar, não mais poderia resistir à compulsão pelo jogo.
O vento cortava a pele, mas parecia que ela não sentia o vento que a açoitava, caminhava ao longo da praia, saltitando os córregos que sulcavam a areia úmida. De repente ela faz um giro de noventa graus e se dirige ao oceano que arrebentava na praia suas grandes ondas. Ao entrar na água, uma vaga de dois metros a derruba e a sepulta no fundo do oceano.
CAPITULO VIII
ERIONETO.
EM AMSTERDAN dois anos depois.
Um homem, sentado no meio fio, esfrega uma mão na outra, para aquecê-las do frio intenso. Com uma expressão lúgubre, traz no rosto uma fisionomia que retrata a desesperança. Com longos cabelos e barba que lhe roçava no peito, vestindo um, sobretudo marrom, velho, sujo, na gola e nas mangas, calça de brim azul, camisa escura, um suéter vermelho, botinas pretas (rotas), com espessas meias de lã, nos pés. E, na cabeça, um chapéu de couro, com tapa orelhas voltadas para baixo.
Levanta e começa a caminhar de um lado para outro e diz:
– Mais uma noite em Amsterdam, tudo calmo, nenhum transeunte! Mas, quem vai sair com um frio deste? Só o grande Erioneto.
Parece que foi ontem! No entanto, já vão dois anos, que aqui cheguei. Só não morri de fome, porque comi restos de comida retirados dos contentores de lixo.
Hoje me deu uma tristeza tão grande, que até chorei, lembrando da minha terra. Lá o sol brilha quase que todos os dias. Quando é frio, não baixa dos 10 graus centígrados, qualquer roupa nos aquece. Que terra maravilhosa, só nos apercebemos disso quando estamos longe, sofrendo um frio intenso, passando dias e dias sem ver o sol.
Lá eu era feliz e não sabia. Era respeitado e tinha uma posição social invejável. Era engenheiro de uma grande indústria. (aumentado o tom da voz) Sim engenheiro mecânico, foi isso que me trouxe até aqui. Vim importar máquinas.
A se eu soubesse, teria aprendido a falar inglês antes de viajar! Com certeza estaria salvo, dessa penúria em que me encontro.
Dirigindo-se ao único transeunte, levou um tempo para conseguir falar, balançando o corpo e puxando a barba, como alguém que tivesse alcançado o limiar de suas forças e estivesse tendo um surto de angustia e aflição, disse:
- Você está me vendo? Não, não está! Eu sou invisível aos olhos de todos. Minha voz não é ouvida, meu sofrimento não é percebido, todos me desconhecem. Como cheguei aqui? E, por que, estou neste estado deplorável?
Apontando para o homem que havia parado para ouvi-lo e diz:
- Você esta me vendo? (aumentado o tom da voz) Se eu quiser falar com o senhor, quando estiver passando nesta rua? Sendo o senhor um cidadão Holandês, e eu falando-lhe em uma língua, completamente desconhecida, (baixando o tom da voz) você certamente não me daria ouvidos. (Aumenta o tom da voz) Daria? – Não, não, não! (Baixando o tom da voz). Isso já me aconteceu milhares de vezes.
O homem sacode a cabeça e se afasta deixando-o falar sozinho.
Ele baixa a cabeça, coloca ambas as mãos cobrindo o rosto, chora, chora. Alguns instantes de choro e soluços levanta a cabeça e diz:
- Quando aqui cheguei era um jovem, finamente vestido, com barba escanhoada, cabelos bem aparados, cobria-me com um sobretudo preto novo, calça de pura lã, um suéter de gola longa, botas forradas com pele de cordeiro, bem lustradas. Na cabeça um chapéu de couro, com tapa orelhas voltadas para cima. Estava eu parado na frente de um prédio antigo, mas bem conservado. Diversas pessoas transitavam pelo local, gente que ia, gente que vinha.
Na porta do prostíbulo, um homem, anunciava em Inglês, Espanhol, Holandês e Turco, sei lá que línguas falavam, apontava para a vitrine, onde se via uma meretriz, quase nua, vestida apenas com um lingerie preta e uma estola de pele artificial.
Eu estava ali admirado, nunca tinha visto algo parecido, quando três homens me cercaram, falavam, provavelmente, em turco. Logo senti uma batida na cabeça e tudo ficou preto. Quando acordei, cambaleei tonto. Os três homens não estavam mais, haviam me deixado sem norte. Coloquei a mão nos bolsos e vi que tinha sido roubado, não tinha mais minha carteira com o dinheiro, cheques de viagem, documentos de identidade e passaporte, tudo tinha sumido. Gritei por socorro, gritei desesperado, dizendo que tinha sido roubado. Mais desesperado ainda fiquei quando notei que haviam substituído as minhas roupas, eu estava vestido com o um mendigo, roupas sujas e velhas.
Corri até o anunciador e lhe falei que fora roubado, ele simplesmente me disse:
- “No comprendo”
O que faria Erioneto sem dinheiro, sem documentos e sem falar a língua local?
Vestindo andrajos, sujos e rasgados, nos pés um par de botinas surradas, estava abrigado com um casacão imundo e malcheiroso. Parecia um mendigo. Andei, andei, tentei falar com as pessoas, ninguém que me dava ouvidos, talvez por estar vestido como um mendigo, ou por não entenderem a língua que falava. Quando meu sistema nervoso se acalmou, pude avaliar a situação em que me encontrava. E lembrei que podia ligar a cobrar para a empresa onde trabalhava. Procurei um telefone público e liguei a cobrar. Quando disse meu nome o telefone foi transferido para a sala da presidência. Finalmente achei que estava salvo.
- Alo senhor Rodrigo! Aqui é Erioneto, falando de Hamsterdam da Holanda. Eu tive um contratempo, isto é fui assaltado e levaram meu dinheiro e meus documentos.
Do outro lado:
É e que tenho eu com isso, você se deixou enganar por qualquer um que lhe atravessase o caminho, como eu previa você é um inútil, e teve a intenção de casar com a minha filha.
- Mas senhor eu...
Do outro lado, apenas gargalhadas e o telefone foi desligado.
Liguei mais umas vez e quando disse:
- Aqui fala Erioneto, falando de Amsterdam na Holanda, o telefone era desligado. Fez inúmeras tentativas, por diversos dias, sempre o telefone foi desligado.
- Esse canalha! - disse ofegante. - Esse canalha maldito, sujo, repugnante! Esse...
Assim, Erioneto passou os últimos dois anos. Nos últimos seis meses, refugiara-se em um prédio abandonado, quase em ruínas, o que é muito comum na Holanda, ter-se prédios novos ao lado de prédios antigos e desativados, muitas vezes, calçados com paus para não ruírem.
Certo dia, ele estava à procura de comida nas lixeiras, quando viu uma jovem, que ao passar por ele, não se afastou, para não lhe sentir o mau cheiro, ao contrário procurou passar bem perto e o olhou atentamente e pensou:- Parece simpático e é muito atraente, mas a verdade é que e um verdadeiro desconhecido. Demasiado perigoso. Mesmo muito perigoso.
Ele parou a coleta e a olhou detidamente, pode ver uma Jovem, a primeira vista não devia ter mais do que dezoito anos, de cabelos loiros e olhos singulares, azuis-claros - olhos de criança. Já passara da primeira adolescência, mas não podia ainda dizer-se que se tratava de uma mulher feita.
Seu talhe tendia a corpulência e seu porte era orgulhoso e inflexível. O rosto rosado e confiante. Era um rosto estranho, bonito, mas enigmático, ora parecia angelical, ora soberbo, com um que sutil e angelical, na boca pequena, reta e firme no queixo arredondado. Estava envolvida numa espécie de casacão espesso, cumprido e solto. O Negro contrastava com seus cabelos louros, quase brancos, com uma gola que cobria completamente o pescoço. O volume no peito destacava os avantajados seios, dando sexualidade a sua imagem. Ele a acompanhou com os olhos, até vê-la entrar na casa, onde todos os dias, pela manhã, havia no lixo, uma garrafa com café com leite e um pedaço de pão rechiado. A dita casa ficava à frente do prédio em que se abrigava. Ele passou a observá-la diariamente, devia ser estudante, pois saia todos os dias pela manhã carregando uma pasta e retornava ao cair da noite.
Na residência dos Van den Bergen:
- Bom-dia a todos- disse Madge a seus pais que se encontravam já a mesa de dejejum. Sentou a mesa, serviu-se de café e pegou um pedaço de pão passou manteiga e antes de morder disse:
- Vocês já viram o nosso vizinho?
- Você quer dizer aquele para quem você prepara diariamente o dejejum. - disse sua mãe.
- Hoje eu pude vê-lo detidamente, me parece que não é um homem velho, também não me pareceu um louco, como todo mundo pensa que ele é que fala coisas incompreensíveis e cantarola musica estranha.
- Fique longe dele, pode ser que o povo tenha razão e ele seja um doido- disse seu pai em tom enérgico.
O dia amanheceu. Os transeuntes começavam a circular pelas ruas, dirigindo-se aos seus afazeres. Erioneto, no meio das pessoas, se aproximou de um cesto de lixo, que estava na frente da casa, que ficava defronte ao seu reduto. Abre o latão, e, tira de seu interior um embrulho e uma garrafa descartável cheia de café com leite. Senta-se no meio fio, desembrulha o pacote, um pão recheado, com mortadela e queijo. Abre a garrafa e toma um bom café com pão. Olha para uma moça que sai pelo portão da casa. A moça o olha antes de seguir o seu caminho. Erioneto lhe acena com a mão que segura o pão e faz uma mesura, em agradecimento.
Erioneto, após haver tomado o café, levanta-se cantarolando.
- “Minha vida era um palco iluminado, eu vivia vestido de dourado...”
Seus pensamentos voam e ele lembra em pura abstração, para de cantarolar e começa a falar:
- Alo! Sim é Erioneto falando, perfeitamente, já estou indo. Sim senhor, mas eu nunca viajei para o exterior, não, não falo inglês, muito menos holandês. Perfeitamente sei o que devo fazer, conheço as máquinas. Acho que uns oito dias será o suficiente. Sim, posso retirar o passaporte e viajar imediatamente após obtê-lo. Ah! Que maravilhosa viagem, como eu estava feliz. Viajar para a Holanda, nunca esperei que isso acontecesse na minha vida. Como estava feliz.
As lágrimas brotam de seus olhos e escorrem pela face.
Eu amava Melissa, tinha os mais respeitáveis sonhos junto a ela. Queria construir uma família, termos filhos e vivermos a vida mansa e pacificamente. Custei muito a conceber a idéia de que tudo o que me acontecera fora orquestrada por seu pai, que sinicamente, concordara com o nosso namoro. E aqui estou, como um miserável, sofrendo como um cão abandonado.
Chorando ele adentra na única porta da velha casa.
Uma caminhoneta furgão, que em seu costado estava impressa na língua holandesa os seguintes dizeres: AREA DA SAÚDE PÚBLICA, SEVIÇO DE ATENDIMENTO AOS DESASISTIDOS.
Dela descem uma mulher e um homem, vestidos de branco, sendo eles paramédicos.
Batem à porta com entusiasmo, logo a empurram até abrir, pois ela roçava no solo, dificultando sua abertura.
Os dois vão encontrar Erioneto, que sentado estava sobre um caixote. Ao vê-los, levantou-se e ficou na expectativa, eles lhe falaram em holandês, inglês, e ele somente, deu de ombros, como querendo dizer que não entendia nada.
O homem lhe disse:
- Somos da equipe de saúde do reino e queremos levá-lo para fazer alguns exames médicos e aplicar-lhe algumas vacinas- em continente, pegaram-no pelo braço e o conduziram até a caminhoneta e partiram.
Dois dias depois, após haverem concluído os objetivos da missão, Erioneto é deixado no mesmo local. Suas vestes são as mesmas, mas estão higienizadas. Seus cabelos estão cortados e sua barba raspada.
Madge Van den Bergen, ao passar pela rua vê aquele, homem, jovem e belo, vestido com as roupas de seu protegido e chega até ele e lhe diz em holandês:
- O que foi feito do dono das roupas?
Erioneto não entende nada do que está dizendo, apenas diz, apontando para o peito:
-Eu, Erioneto, brasileiro e passa a repetir a mesma frase.
Madge lhe responde: - Brasileiro... Entendi. Brasileiro...
No dia seguinte Madge, ao vir da escola, se faz acompanhar de um homem, de meia idade, ele o levou a adentram no reduto onde Erioneto vivia com tranquilidade; na verdade, tranquilidade não era a palavra adequada a qualificá-la — solidão era o único termo que convinha a seu isolamento. E, lá está ele sentado a conversar consigo mesmo.
O homem, falando em português de Portugal, lhe diz:
- Sou português e falo a sua língua.
Erioneto o abraçou e chorou copiosamente. Passado alguns minutos, disse-lhe amavelmente o quanto apreciava seu interesse por ele e acrescentou: Senhora! Na verdade a senhora não precisa preocupar-se comigo!
O homem traduziu o que ele lhe havia dito, ele respondeu, para o tradutor:
- Diga-lhe que eu quero ajudá-lo a encontrar o seu caminho, a mudar de vida, se possível for.
Erioneto contou-lhe toda a sua história.
Madge, que tudo ouvia sem entender, recebeu a tradução de tudo o que Erioneto falava.
Na casa dos Van den Bergen:
- Pai, mãe! Descobri quem é o nosso vizinho.
Seu pai com extrema severidade que diz:
- Eu já lhe avisei que não devia se meter com esse mendigo.
- Ai é que o senhor se engana, ele não é um mendigo, é Brasileiro e é engenheiro mecânico, que veio até nossa terra importar máquinas, foi roubado e teve de sobreviver como mendigo por mais de dois anos.
- Se é assim, mande-o entrar, que será bem recebido entre nós.
Os Van den Bergen, deram-lhe toda a ajuda que necessitava como; roupas enxoval completo, refeições adequadas e um bom quarto para dormir.
À noite lhe foi destinada uma suíte, com banheira e água quente. Ele tomou um demorado banho de imersão, e deitou na cama limpa e cheirosa, algo que não fazia há mais de dois anos. Caiu em um sono pesado, mas inquieto e dormiu durante muito tempo; e, quando a Sra. Dempster, a governanta da casa o despertou na manhã já bem avançada, pareceu pouco à vontade e por alguns minutos não parecia perceber exatamente onde estava. Estava pálido, suando apesar da temperatura fria, e com um olhar tão estranho, tão esquisito. Pareceu que tinha bebido ou que chorara.
Ela o interrogou em holandês, porém ele não lhe deu resposta alguma, apenas sacudiu os ombros, como a dizer que não entendera nada do que falara a governanta.
O dia estava mais frio do que se poderia esperar em outubro, inicio de outono na Holanda, um vento forte soprava e sua força aumentava com tal rapidez que se podia prever com certeza uma tempestade durante o dia.
Os primeiros dias como hospede dos Van den Bergen, pareciam incríveis, todos naquela casa tinham deveres e obrigações a cumprir, ele não deveria ser diferente:
Passou a receber aulas da língua local e de inglês. Seus documentos foram providenciados junto ao consulado holandês no Brasil. E passou a trabalhar na empresa da família Van den Bergen.
Aos 18 anos, a promessa da beleza inicial de Madge estava mais do que cumprida. Transformara-se numa mulher belíssima. Tinha feições finas e delicadas, olhos de um azul violeta e cabelos macios de um louro quase branco. A pele era fresca e dourada como se tivesse sido embebida em mel. Tinha uma figura impar, com seios fartos e firmes, e uma cintura fina e pernas compridas e bem torneadas. A voz era bem timbrada, doce e macia. Havia uma sensualidade forte e ardente em Madge, mas essa não era a sua melhor. A sua magia residia na sensualidade, parecia haver uma ilha de inocência intocada, e o resultado era irresistível.
Ele a olhava, de quando em vez, durante o café da manhã, ou no jantar a noite. Mas sempre manteve uma distância regulamentar, que convinha a sua condição de agregado da família. Ele por sua vez, a ela não lhe passava despercebido, e, os olhares eram denunciadores da grande atração que existia entre os dois.
Passado mais de três anos na nova vida, ele já falando corretamente a língua local e a língua inglesa, ela com quase vinte e dois anos, passaram a encontrar-se para passear pela grande Amsterdam, uma cidade linda. Para cada lugar que eles olhavam, viam prédios bonitos: os típicos holandeses com fachada estreita, muitas janelas e diferentes cores; e os prédios grandes e históricos, com design meio medieval. Além dos prédios, podiam ver os canais, que são mais de cem a cortarem a cidade. Tudo aquilo estava lá o tempo todos, mas ele apenas podia apreciar a beleza e a harmonia dos lugares, agora que estava com seu espírito leve e seu corpo livre da condição de mendigo errante.
Ele fez questão de retornar, ao local onde foi desapropriado de seus pertences, a zona da “Luz Vermelha”, outra atração que só existe em Amsterdam. Um bairro de prostituição que virou ponto turístico. Como tudo na cidade é permitido, a zona é repleta de sex-shops, que não hesitam em expor seus produtos na vitrine. Nos prédios, cada janela uma vitrine de mulheres. Elas fazem poses seminuas com trajes, digamos, sugestivos, convidando os homens a entrarem no seu quarto. Eles podiam ver famílias que por ali andavam em passeio. Caminhando despreocupados percorreram a famosa zona, até chegar a uma curiosidade, era o museu do sexo. Uma escultura do órgão masculino na rua, assim como as formas do corpo feminino esculpidas no chão. Coisas que só podiam ser vistas em Amsterdam.
Quando fez oito anos que fora protegido pelos Van den Bergen, Erioneto recebeu autorização para namorar Madge, pois até então apenas se viam esporadicamente e como bons amigos.
- Sabe Madge, eu estou pretendendo voltar ao meu país, tenho algumas contas a ajustar, com certo senhor.
- Não estais bem entre nós, meu pai pode conseguir a cidadania holandesa para você. Não precisa te expor a confrontos desnecessários.
- Não ficarei em paz, enquanto não retornar a minha terra e resolver tudo.
- Tudo o que? Por acaso não esqueceste Melissa Salzano? Ou queres te desforrar do pai dela?
- Não, Melissa é carta fora do baralho, eu quero enfrentar o pai dela.
- Com que propósito, isso te fará mais mal do que a ele próprio. Prometes que vais pensar no assunto antes de decidir?
- Prometo pensar e decidir depois.
Alguns dias se passaram e ele lhe dera sua resolução. Não iria ao Brasil, permaneceria na Holanda, que seria a sua terra para o resto de sua vida.
CAPITULO IX
A REUNIÃO DOS ALCOÓLICOS ANÔNIMOS.
Marsal Medina (o Caiçara) e Francine adentram no salão dos ALCÓOLICOS ANÔNIMOS, todos os participantes, sentados, formando uma circunferência.
Procuraram duas cadeiras e sentaram um ao lado do outro. Francine segurava a mão de Marsal, que parecia inseguro e amedrontado, como juncos verdes batidos pelo vento. Seus olhos apavorados, como que pretendendo pular fora da cara.
Um homem de cabelos ralos, cabeça pequena, olhos profundos, quase escondidos por olheiras escuras, seu porte esbelto, finamente trajado e com ar de quem sabe o que quer, levantou e dirigindo-se aos participantes, disse:
- Sou Alberto Cristiano Larsen, sou médico de profissão, mas mesmo sendo médico, sou alcoólatra e estou, neste momento, mestre de cerimônia desta reunião dos ALCÓOLICOS ANÔNIMOS
Hoje temos mais um novo membro, o senhor Marsal Medina, a quem dou boas vindas.
Meus irmãos! O primeiro passo, para o alcoólatra se recuperar é reconhecer sua condição de alcoólatra, ao ponto de afirmar com convicção “eu sou um alcoólatra” Se tiver este arrojo e discernimento, ele pode abrir a porta para um novo mundo, uma nova vida. É o começo da caminhada rumo a sua libertação. Porque a afirmação de que é alcoólatra nasce de uma simples resposta à pergunta “consigo beber controladamente?”
Ser alcoólatra não é somente aquele indivíduo que perdeu tudo que tinha e passa a viver sujo, jogado à sarjeta, bêbado e sem dinheiro. O local pode ser também o tapete de uma mansão ou de uma casa, um consultório médico onde o alcoólatra não está na miséria, mas não consegue controlar a bebida. Porque a sarjeta é o estado físico, social e moral em que o homem se encontra.
O alcoólatra é uma criatura diferenciada, porque vai tendo seus órgãos, sua mente e seu convívio social debilitados. Sua deficiência orgânica o leva definitivamente a ser diferente dos outros, por não poder consumir álcool. Seu raciocínio é débil podendo chegar ao ponto de enfrentar, fantasmas que o passam a atormentar, tremores que não permitem que ele, se quer, possa segurar uma xícara de chá. Fica submetido a situações constrangedoras quando se encontra sob efeito da bebida, que o levam a ser tratado de formas indesejável, até sob o tom de deboche ou escárnio.
Quero lembrar aos convidados de que as opiniões e interpretações que escutarem aqui, são de responsabilidade única do orador que as apresenta. Todos os membros têm total liberdade de interpretar o programa de recuperação segundo seu próprio parecer, mas ninguém pode falar pelo Grupo ALCÓOLICOS ANÔNIMOS em sua totalidade.
Mas, o que estamos fazendo aqui?
Ou melhor, o que são os Alcoólicos Anônimos?
Nós somos uma Comunidade de homens e mulheres que perderam a capacidade de controlar a sua maneira de beber, e que, devido a isso, se encontram envolvidos em toda a espécie de problemas. Tentamos a maior parte de nós, com um razoável êxito, criar uma maneira satisfatória de viver sem álcool. Para isso, precisamos da ajuda e apoio de outros alcoólicos em AA. Para isso criou-se os doze passos de Alcoólicos Anônimos.
Os doze passos de ALCÓOLICOS ANÔNIMOS consistem em um grupo de princípios, espirituais em sua natureza que, se praticados, como um modo de vida, podem expulsar a obsessão pela bebida e permitir que o sofredor se torne íntegro, feliz e útil. Não são teorias abstratas; são baseadas na experiência dos êxitos e fracassos dos primeiros membros de Alcoólicos Anônimos
1 - Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.
2 - Viemos a acreditar que um poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade.
3 - Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que o concebemos.
4 - Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.
5 - Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.
6 - Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.
7 - Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.
8 - Fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.
9 - Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando faz, significasse prejudicá-las ou a outrem.
10 - Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.
11 - Procuramos através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que o concebemos, rogando apenas o conhecimento de sua vontade em relação a nós e forças para realizar essa vontade.
12 - Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades.
- De imediato vamos ouvir o depoimento de um de nossos membros o senhor Arão Flores.
Nesse momento levantou-se um senhor, de mais ou menos cinquenta anos, tez morena clara, cabelos lisos penteados para trás, com um pouco de obesidade, que disse:
- Chamo-me Arão, Arão Flores e sou um alcoólatra, o melhor, sou um abusador do álcool. Explico:
Como abusador do álcool não sou necessariamente alcoólatra, ou seja, não sou dependente, não faço uso continuado. Bebo alternadamente, podendo passar dias, semanas e até meses sem beber. Mas quando bebo, não paro de beber e o álcool exerce em mim um efeito sórdido. Fico intolerável, brigo, faço coisas que jamais faria estando sóbrio, como; bater nos filhos e na minha mulher, por exemplo. E o pior que depois não recordo de nada do que fiz.
Certa feita estava em uma empresa, tinha ingressado havia seis meses, como um simples torneiro mecânico e fui promovido a chefe de equipe de manutenção. Poucos meses depois é chegado o final do ano, a empresa sempre nessa época, promove uma festa para os funcionários. Estava eu na grande mesa onde sentava toda a chefia da empresa. Comecei a beber chope e finalmente acampei no entorno do barril, ao meu lado estavam alguns subalternos meus, bebíamos juntos.
Na segunda feira, quando voltei à empresa para trabalhar, fui logo encaminhado ao setor de pessoal e fui demitido. Surpreso! Perguntei ao gerente de RH, o motivo da minha demissão e ele me disse:
- Inacreditável! O senhor tem o desplante de perguntar o porquê de sua demissão, ora, ora, dá-me paciência. Quer dizer que não sabe o que ocorreu na festa no sábado passado.
- Não sei não, o que aconteceu?
- O senhor simplesmente, vomitou na mesa dos diretores da empresa, por uma aposta que fez com seus subordinados, foi lá colocou o dedo na garganta e vomitou em cima da mesa, justamente onde estava o presidente da empresa. Os guardas o pegaram e o colocaram para fora da festa.
Depois desse vexame fiquei desempregado por sete meses. Finalmente consegui um novo emprego como mecânico de manutenção de um frigorífico. Tive de trabalhar duro, mostrei serviço e tive a oportunidade de passar a chefe de manutenção, de um dos turnos, quando o titular se aposentou. Foi na festa de primeiro de maio, dia do trabalho, uma grande festa para os empregados, a empresa distribuiu senhas para retirar latinhas de cerveja, três para cada funcionário. Como minha sede era maior que três latinhas, por isso, peguei as senhas dos que não queriam beber e tomei todas.
No dia seguinte fui demitido, por haver brigado com vários guardas, que tentaram me pegar quando eu batia numa moça do escritório que não queria me dar mais senhas para bebida.
Novamente desempregado, comecei a beber com mais freqüência, até que um dia completamente bêbado, adentrei em casa e comecei a bater em minha mulher, mas havia errado de casa, pois as casa eram geminadas e tinha entrado na casa do visinho, e estava batendo na mulher dele, pensando que fosse a minha. Tomei a maior surra da minha vida, fui parar no hospital com grandes hematomas.
Depois desta feita, passei mais de ano sem colocar uma gota de álcool na boca, e fui convidado a fazer parte dos AA. E aqui estou, sou um alcoólatra convicto e estou há mais de cinco anos sem colocar uma gota de álcool na boca. Estou vivendo muito bem com minha família e estou empregado com torneiro mecânico.
O falante agradeceu e sentou.
O anunciador levantou e disse:
Ouviremos agora o depoimento de nosso participante a senhora Iolanda Barros, a quem passo a palavra:
Levantou-se uma mulher de trinta e tantos anos, esbelta, bem vestida, de traços aristocráticos e olhos castanhos, inteligentes e ansiosos. Provida de uma discreta elegância e atrativos surtis. Os cabelos escuros batiam-lhe suavemente sobre os ombros.
- Sou Iolanda Barros e sou alcoólatra. Estou fazendo hoje, três anos, cinco meses e vinte e três dias, sem colocar uma única gota de álcool na boca.
Nasci de uma família tradicional de grandes posses, dinheiro farto e tempo de sobra. Aos vinte e três anos estava totalmente dominada pelo vicio do álcool. Fui internada por diversas vezes para desintoxicação, mas sempre tinha uma recaída e voltava ao vício.
Como em casa meus pais não deixavam entrar bebidas, tinha de beber na rua, chegando ao ponto de beber nos botequins no meio de outros bêbados. Por inúmeras vezes fui levada, por estranhos ou conhecidos, até a porta de minha casa completamente alcoolizada.
Fiquei grávida e não me lembrava com quantos homens havia tido relação, mas a gravidez não evoluiu dado ao meu estado de fraqueza, pois não me alimentava direito, apenas queria beber e cada vez mais até que fui parar num hospital, onde os médicos me disseram que se eu não parasse de beber morreria dentro de seis meses. Passei por um processo de desintoxicação alcoólica e terminei nos AA, e a qui estou renovada, levando uma vida normal. Sou novamente respeitada e aceita pela sociedade como uma pessoa doente, de cuja doença está se recuperando.
Outros depoimentos foram dados e a reunião terminou.
Francine e Marsal deixam a reunião e começam a caminhar pelas ruas de Capão da Canoa. Ainda em sua mente parecia ouvir os depoimentos dos alcoólatras. Parecia que seu ânimo, se renovara e tinha convicção de que esse era o caminha a ser trilhado.
Chega o dia da próxima reunião, ele com uma vontade férrea, conseguira passar aqueles dois últimos dias em abstinência.
Após a abertura da sessão ele se levanta, respira profundamente e inicia sua fala:
- Sou Marsal Medina, formado em economia e sou um alcoólatra. Minha relação com o álcool iniciou quando tentava sufocar, imagens que me atormentavam, durante a noite, e que, não me deixavam descansar. Tinha sonhos aterradores e premunições espantosas de coisas horríveis que iriam acontecer, ou que já haviam acontecido. Tais anomalias iniciaram quando eu tinha tenra idade...
Quando tinha apenas nove anos:
- Pai! Eu vi o seu Pedro batendo na dona Julia.
- Deixa disso menino, os vizinhos moram há mais de dois quilômetros da nossa casa, como podes ter visto o vizinho bater na vizinha?
- Eu vi! Juro que vi.
- Deixa de dizer bobagem e inventar causos, vai brincar.
- Acho que temos problemas com nosso filho ele diz que tem visto coisas, acho que ele tem algum distúrbio mental.
- Deixa disso querido! Ele é um menino saudável, gosta de inventar estórias, apenas isso.
- Não vejo assim, parece que você não quer tomar conhecimento do que está ocorrendo. Ele diz coisas que são impossíveis dele saber. Por exemplo, que o vizinho tinha batido na vizinha, sabe que ele bateu mesmo?
Que o mascate tinha atolado a caminhoneta no riacho há um mês, pois ele me disse hoje que atolara a caminhoneta. Como ele soube disso, justo no dia em que ele atolou há mais de cinco quilômetros daqui?
- Tá certo ele parece estranho, mas será uma doença? Ouvi falar que tumor na cabeça descontrola todo o cérebro.
- Reconsidere o meu pedido, vocês têm mais facilidades e mais recursos, são padrinhos do menino, nada mais natural que tomem conta dele.
- Mas Ramiro! Tenho de consultar minha mulher, além do mais, Anita pretende engravidar, através de uma nova técnica de fertilização in vitro, não sei se ela vai querer tal incumbência.
- Nos aqui não temos como tratá-lo, ele necessita de tratamento especializado. Ele sofre de transtornos da mente, conforme me disse o médico daqui. Ele nada pode fazer por ele.
- Mas o garoto tem nove anos, esta acostumado com vocês, mas viu poucas vezes, será difícil a adaptação.
- Você representa a única oportunidade que ele tem de se tratar adequadamente.
... Fui morar com meus tios em Porto Alegre, para proceder no tratamento da saúde.
Meus pais continuaram no sítio no interior do município de Rio Grande.
Um médico especialista em transtornos da mente foi consultado. O diagnostico foi de que eu sofria, possivelmente, de uma doença rara, que provoca alucinações. Medicamentos foram receitados e houve uma substancial melhora, não mais passei a ter visões as quais me atormentavam muito. Fui dado por curado e passei a não mais depender de remédios.
Passado os efeitos dos remédios, as visões voltaram. Eu passei a escondê-las de meus pais, não queria decepcioná-los.
Meus tios e pais adotivos, com mais posses do que meus pais biológicos propiciaram-me estudar e me formei em Ciências Contábeis e administração, aos vinte e cinco anos. Aos vinte e sete anos contrai matrimônio, com uma colega de faculdade e logo tivemos um filho. Por acordar a noite em sobressalto e com intensa sudorese, passei a dormir em quarto separado. À noite passei a ingerir um cálice de vodca para conseguir dormir e descansar. As doses foram aumentando até que fiquei dependente.
Estes fatos ele contou parcialmente, pois muitas das partes ele não recordava ou não chegou a tomar conhecimento.
Ao termino de sua fala, ele foi aplaudido e cumprimentado por todos os AA. O que lhe encheu de orgulho e esperanças. Agora bastaria prosseguir com sua meta de passar sem beber um dia de cada vez.
CAPÍTULO X
DONA HELGA.
José Silveira chegou a estância dos Neihause a procura de emprego. Um jovem alto e magro, com o rosto formado por planos convergentes que lhe davam um ar severo e feroz.
Tinha um queixo saliente com uma cova no centro e profundos olhos verde-escuros. De pele morena clara, cabelos negros e lisos. Usava uma camisa cinza para dentro da calça de brim azul. Botas de couro cru, de cano curto, feitas de encomenda. Seu aspecto parecia calmo, vivia a vida como se estivesse atrasado para um encontro. Estava em constante movimento, lutando em segredo contra antagonistas invisíveis. Tinha uma constituição robusta e vigorosa. Era um homem de uma ambição desmedida que sempre conseguia tudo o que queria alcançar. Revestira-se da aparência de um civilizado serviçal, mas, no íntimo, era um lutador inato, um homem que não esquecia nem perdoava.
Falou com o capataz, fez testes de montaria e laço, aprovado passou a fazer parte da pionada.
Era voluntário para qualquer serviço de campo, na época de tosquia, ou nas marcações do gado, ele sempre fazia frente nas atividades.
Certo dia apareceu um anjo branco e esbelto que o deixou impressionado. Ao vela, repentinamente, seu espírito inundou-se de alegria, seu coração pulsou com vigor, sentiu todas as fibras do seu corpo vibrarem como se tivesse tocado num vibrador mecânico, enquanto o vulto angélico se tornava espectro insignificante. Os louros cabelos esvoaçavam a cada passada do cavalo que montava. E, então, ele gravou-a na mente para jamais esquecê-la.
Era a única filha do dono da estância. Notou que não lhe era indiferente, aos seus olhares, logo tratou de se aproximar sorrateiramente da moça, que na epoca tinha vinte e um anos. Começara o romance as escondidas da familia da moça. Até que um dia seu Justino Neihause, o fragou fazendo a corte a sua filha. Clamou-o e lhe disse:
- Você não se encherga, seu misero pé rapado, você não é partido para a minha filha, se voltar a importuná-la eu o expulso da fazenda.
O rapaz apenas baixou a cabeça e nada disse.
Quando seu Neihause, falou à sua filha sobre o namoro, ela foi categórica e lhe disse:
- Pai, eu sou maior de idade, namoro e caso com quem eu quiser, e se o senhor não consentir, parto com ele para onde ele for.
O pai que conhecia o genio de sua filha, não duvidou e alguns dias depois aceitou, sob protesto, que ela namorasse José Silveira.
Porém antes, chamou-o e lhe disse:
- Eu sei que você a está bobiando, só quer o nosso dinheiro, eu vou consentir que a namore e até mesmo que case com ela, no entanto, quero previní-lo que se não a fizer feliz, eu o expulso de minha casa.
Ele como de costume, ouviu tudo o que o patrão tinha a lhe dizer, de cabeça baixa. Monento em que pesava:
- Velho idiota, vai ter que me aceitar como genro e eu serei bonzinho até um certo dia.
Em uma grande festa de casamento na estância eles contrairam matrimonio.
Passados trinta anos, Dona Helga Neihause Silveira acabara de completar cinqueta e dois anos. Era uma senhora formosíssima e virtuosa, que amava o marido e dedicava-se inteiramente a proporcionar-lhes uma existência feliz e venturosa. Em seu rosto de perfil nórdico, de rosada epiderme, destacavam-se belos olhos rasgados, de um azul-celeste. Moldurava-lhe a fronte abundante ca¬beleira de bela cor áurea, com grande quantidade de fios brancos, que, exposta aos raios do Sol, desprendia reflexos dourados.
O brilho do sol de uma manhã de inverno penetrava pela janela e iluminava a mesa onde o casal fazia o desjejum.
- Helga! Acho que deves ir visitar os teus parentes na Alemanha. Afinal tu nasceste no Brasil e nunca os vistes, e eles te escrevem seguidamente mandando noticias. – disse seu marido.
- Por que isso agora, eu somente tenho primos e primas na Alemanha, não carece visitá-los, assim, está muito bem, eles lá e eu cá.
- Foi só uma sugestão, afinal achei que terias interesse em conhecer os teus parentes na Alemanha, afinal temos muito dinheiro, não temos filhos para quem deixá-lo. Por isso achei que poderias querer ir visitar teus parentes na Alemanha.
O homem calou e serviu mais uma xícara de café, e posse a pensar:
- Este plano já nasceu morto, ela com toda a certeza não ira a Alemanha. Devo traçar uma nova estratégia. É isto! Por que não pensei nisso antes, posso fazer o mesmo que fiz com sua mãe. Ela não necessita ir à Alemanha – amassou o pedaço de pão que tinha na mão. Olhou para a mulher, deu um sorriso e disse:
- Querida, como você é econômica, não quer ir só para não gastar o dinheiro que temos.
Ela olhou para ele e deu um sorriso de canto de boca como costumava a fazer e disse:
— Como! Estarás tu, louco para insistires em tamanha estroinice?
O rosto do marido tingiu-se de escarlate.
Terminou o café em silêncio, e, ao término, mormurou com voz sursurrante:
- Bem vou até a vila, tenho de tratar de alguns negócios, depois passarei no sitio, que servia de pouso das tropeadas do teu pai. Quer que compre alguma coisa para a casa?
- Não, no momento não está faltando nada.
Apanhou o chapéu, e se dirigiu a porta de saída. Sua esposa o acompanhou até o alpendre e observou-o enquanto ele caminhava rumo à estrada; ao retornar à mesa do café da manhã, ela parecia divertir-se com a iniciativa do marido.
Logo fechou os olhos e ficou, como se estivesse, concentrada nalguma grata lembrança.
Recordava de sua meninice, quando na estância, morava com seu pai e sua mãe, vivia a correr pelos bosques e alamedas. Que estultice de seu pai não queria que namorasse o José, pois o achava ganancioso e astuto, que queria casar com ela apenas pelo dinheiro da família. Como ele estava enganado, José sempre foi um marido fiel e carinhoso. Muito embora tenha herdado todas as terras de seu pai, quando ele morreu vítima de um acidente fatal. José fizera tudo para salvá-lo, mas tudo tinha sido em vão.
No sitio, José chegou e foi recebido pelo casal de agregados, caminhou, viu o gado de leite e a plantação.
- A propósito seu Ramiro, onde está a sua filha?
- Deve estar na vila, fazendo compras.
- Tem certeza, eu estive lá e não a vi.
- Quer que eu a chame, seu José?
- Não, não perguntei só por perguntar, apenas de lhe as minhas recomendações.
A PESCARIA:
- Seu Francisco, já está tudo arrumado para a nossa pescaria, a caminhoneta está carregada- disse José ao sogro.
- Se é assim, vamos que o dia não demora amanhecer.
Na lagoa Mirim, enquanto o velho Francisco, comodamente sentado na popa, José sentado no meio do caíque, remava com dois remos e pensava:
- Velho desgraçado, só quer que eu trabalhe enquanto ele fica no bem bom, mas isso não vai ficar sempre assim. Um dia desses, eu perco a paciência e ele me paga. Eu já não aguento mais viver das migalhas que ele me alcança e sempre diz que um dia tudo será meu e de Helga. Esse dia nunca chega, eu já estou fato desse alemão velho. Faça isso, faça aquilo, vocês pelos duros, são mesmo uns inúteis.
- Pare! Que eu vou tarrafear.
- Seu velho estúpido, não vê que aqui está muito perto da margem, é muito raso, não vai pegar peixe algum, pensou, mas apenas disse: - Sim, como queira.
- Quando o senhor vai me ensinar a atirar a tarrafa, seu Francisco?
- Pensei que você não gostasse de pescar com tarrafa, que pescava só com linha. Mas posso ensiná-lo agora mesmo. Veja como eu faço, Coloque uma parte na boca, de espaço de abertura da rede, com as duas mãos jogue a rede, em forma de leque, ela deve abrir no ar e entrar na água toda aberta. Assim, veja:
O velho estava de pé na popa e José, no centro do caíque, pegou a tarrafa, Ajeitou a posição e a arremessou cobrindo o velho, passou a corda ao seu redor, imobilizando-o e o atirou na lagoa, ele submergiu se debatendo, José esperou alguns minutos e se atirou na água, para salvá-lo, onde eles estavam a lagoa era rasa, a água lhe cobria até pouco acima da cintura. Pegou o corpo e o colocou no barco, ajeitou a rede de forma que parecesse que havia se enredado nela ao cair na água.
José chegou a casa afoito e nervoso, sem saber como iria contar que seu sogro havia falecido vítima de um grave acidente. Contava que haviam ido pescar na lagoa Mirim, o barco virou, quando seu pai arremessara a tarrafa, ele enredou-se na rede e afundou. Quando José o encontrou e conseguiu colocá-lo no barco já estava morto. O corpo foi levado para o Instituto Médico Legal, após a autopsia, o laudo de causa morte, acusou que os pulmões estavam inundados, que a redução da taxa de oxigênio causou danos em todos os tecidos, principalmente nas células nervosas. O cérebro estava gravemente lesionado. Que o potássio estava presente nessas células havia vazado para o plasma sanguíneo em concentração elevada, com isso, o coração parara de bater. Que a vítima não apresentava nenhuma lesão externa, comprovando que a morte fora por afogamento.
Na vila: Época atual:
- Mandragua! Podes me levar à cidade, tenho de fazer umas compra- disse José ao motorista.
Enquato viajavam Jose pensava:
- É uma idéia, ela usa adosante e eu açucar no café, é só preparar uma infima dose de arsenico no adoçante e ela vai se envenenar aos poucos, parecendo que está sofrendo do estomago, como a mãe.
Alguns dias depois:
- Sabe José, não estou me sentindo bem ultimamente, tudo o que eu como me faz mal.
- Deves consultar um médico, isso pode não ser coisa boa.
No médico:
- Dona Helga! Vamos ter de fazer uma endoscopia, para ver o que está acontecendo, com o seu estomago.
- Dias depois.
- O resultado da endoscopia deu normal, a senhora tem apenas gastrite. E nos vamos tratá-la.
O tratamento não surtiu nenhum efeito, dona Helga continuava cada vez mais doente, com o surgimento de irritação da mucosa, erupções descamantes, mialgias, neuropatia periférica e linhas brancas transversas (Mees) nas unhas e nos dedos.
Com o agravamento da doença, os médicos mudaram o diagnóstico para, diabetes em alto grau, seguida de doenças vasculares, hepáticas e renais.
O obito era esperado para os proximos dias. O que aconteceu em quinze dias.
No atestado de óbito constou que o falecimento se dera por falência geral dos orgãos.
José no velório dentro da capela do crematório, se mantinha com aspecto de desolado, recebendo as condolências de todos os conhecidos e amigos. O padre encomendou o corpo, dando um breve discurso, sobre a vida proficua e digna da falacida que deixou apenas seu marido, pois o casal não havia tido filhos.
Logo após a encomendação, uma chuva de petalas de rosa caiu sobre o caixão, no mesmo momento em que uma cortina decia do teto encerrando o feretro. As pessoas deixaram a capela, ficando apenas José, que permaneceu para assistir a queima do corpo de Helga.
O caixão foi logo encaminhado para o interior do forno com todas as roupas e ainda dentro do caixão - apenas as alças de metal foram retiradas. Sustentado por uma bandeja que impedia o contato direto com o fogo, o caixão foi submetido a uma temperatura de 1200 ºC. Esse calor fez a madeira e as células do corpo evaporarem e volatilizarem, passando direto do estado sólido para o gasoso. O cadáver começou a ser consumido.
Depois de duas horas no forno, apenas partículas inorgânicas como os óxidos de cálcio que formam os ossos resistiram à onda de calor. Esses restos foram colocados no moinho de bolas, uma espécie de liquidificador que tritura os ossos com bolas de metal que chacoalham de um lado para o outro.
O moinho funcionou, por cerca de vinte e cinco minutos. Depois restaram apenas, as cinzas em pó que foram colocadas em uma urna e entregues a José, que pacientemente esperava.
Logo após ele saiu carregando uma pequena urna com as cinzas. Tomou o carro e partiu.
A encosta da planície, no ponto em que passava, com o carro num rodar lento, num pequeno declive, mais abaixo ele viu um pontilhão que cruzava um córrego, cuja lâmina de água, naquele momento, era inferior a cinquenta centímetros. Pouco mais abaixo, a planície lamacenta sucumbia numa serração que tudo cobria.
Parou sobre a ponte e espalhou as cinzas, que foram levadas pelo vento e parte caiu nas águas do corrego e foram levadas pela correnteza.
A última prova do seu crime tinha sido totalmente destruída.
Agora estava livre para o gran finale, mas teria de deixar passar algum tempo conforme a prudência determinava. Feixou-se de luto, não saia de casa, quando recebia alguma visita, sempre lamentava a morte de sua querida esposa e dizia da falta que ela lhe estava fazendo.
Seis meses se passaram da morte de Helga, José retirara o luto e passou a frequentar o velho clube da vila, tomar um aperitivo no bar da Nosca, uma senhora, gorda muito pintada, que, por isso, tinha o apelido de gorda.
Dois meses após haver tirado o luto ele resolveu dar conclusão ao seu sinistro plano. Vestiu-se e foi para o sitio de sua propriedade onde tinha um casal de agregados que moravam com sua filha.
- Bom-dia seu Ramiro, bom dia dona Arminda, como tem passado?
- Bom-dia seu José, sentimos muito a perda de sua esposa
-disse-lhe o velho entroncado e sólido, vestindo a blusa preta dos camponeses, calças cinzentas e alparcatas de lona e corda, olhava por cima do ombro de sua mulher.
- Já passou, não posso ficar de luto a vida toda, afinal foi Helga quem morreu, eu ainda estou vivo e tenho de retomar minha vida.
- Aqui no seu sitio está tudo dentro dos conformes. Todos os animais estão bem. Temos dois novos terneiros.
- Eu vim aqui para conversar com sua filha, pode chamá a?
- Helena está no galpão trabalhando, quer que vá chamá-la?
- Não, não é necessário, eu vou até lá.
O casal se olhou com interrogação, o que seu José quereria com sua filha? Seu José pediu licença e foi ter com Helena.
Era uma moça honesta e de incrível ingenuidade para os padrões atuais. Nunca tinha sido tocada. E o assassino estava de olho nesse anjo terreno.
Nesse momento, ela se encontrava fazendo a limpeza do galpão, recolhendo os excrementos dos animais. José chega sorrateiramente, ela não o vê entrar. Ele olha para suas pernas e glúteos, como pensara naquela mulher, cometera a loucura de assassinar sua esposa para poder tê-la, agora finalmente chegara o dia de completar o seu sonho. Bateu palmas vagarosamente, a moça se virou e ficou surpresa ao vê-lo.
Ele pegou o buquê de flores que trazia escondido em suas costas e expôs, alcançando a ela.
- Para que as flores?
- Flores para uma rosa. Eu a quero pedir em namoro.
- O que? O senhor quer namorar comigo?
- Sim, sou um homem viúvo e tenho posses, para oferecer-lhe uma vida de rainha, não precisará mais recolher estrumes do galpão, nem ordenhar vacas.
- Quem lhe disse que quero casar com o senhor? O senhor é mais velho do que o meu pai. Além do mais, eu já tenho namorado, ele é pobre, mas tem a minha idade, um homem simples como eu.
- Você não pode fazer isso comigo, ele a agarrou e tentou beijá-la, ela por sua vez, empurrou-o e lhe disse:
- Velho nojento, eu sempre o detestei, não aturava como olhava para mim.
- Cadela, eu matei minha esposa para ficar contigo e agora você me recusa.
Falou sem querer falar, mas já havia falado, a moça ficou espantada com a revelação. Ele a pegou com brutalidade e a jogou no chão, logo subiu sobre ela, pegou um tijolo que estava por perto e o ergue até o alto o máximo que o braço estendido alcançou. Os olhos da vítima expressaram terror. Terror e medo da morte. Colocou as mãos na cabeça, cobrindo a face, para se defender. O assassino a golpeou, a peça atingiu-a sobre as mãos, tudo ficou preto, outros golpes se sucederam. O assassino, enfurecido, deixou o galpão e se dirigiu a casa, ao passar por uma pilha de lenha, pegou uma acha, ao chegar á casa, o casal saiu para encontrá-lo, quando este desfechou o primeiro golpe que atingiu a cabeça de Ramiro, logo a segunda paulada atingiu a cabeça da mulher, outros golpes se sucederam até que ambos estivessem mortos.
O assassino verificou se todos estavam mortos, destruiu todas as provas da chacina e, com toda a tranquilidade, deixou o local.
Passadas cinco horas ele ligou para a inspetoria de policia.
CAPITULO XI
O ASSASSINO
Marçal Medina (O Caiçara)
Os primeiros dias de abstinência, foram cruéis, passava as noites a caminhar como uma alma penada. Deitava e logo levantava, para caminhar no pequeno apartamento. Francine o acompanhava de perto, dando-lhe apoio. Quando conseguia dormir, tinha pesadelos horríveis, água, sangue, imagens de pessoas mortas e outras sendo trucidadas. Acordava em sobressalto, com o corpo molhado pelo suor. Mas o tormento diminuía a cada dia que passava no décimo quinto dia ele se sentia animado e disse a Francine:
- Hoje vamos comemorar com um jantar, regado a refrigerante, os meus quinze dias de abstinência.
Procuraram um restaurante modesto, mas que servia bem.
Já passava das nove horas da noite, quando eles chegaram ao restaurante. O recepcionista os recebeu e os conduziu a uma mesa. Ao dispensar a carta de vinhos o Caiçara explicou que era alcoólatra em recuperação e somente iriam beber refrigerantes. Após o jantar que estivera excelente, ele tirou do bolso, uma pequena caixa, abriu-a sobre a mesa. Francine pode ver um anel, de brilhante. Ele estendeu sua mão na direção dela, ela estendeu a mão oferecendo-a a ele. Ele a pegou e disse:
- Francine, quer ser minha mulher de hoje em diante? Ela chorou de contentamento e disse:
- Sim era tudo o que eu estava esperando, desde o dia em que o conheci.
- Queira receber este anel que servira de símbolo do nosso compromisso.
Após o jantar, eles foram para o apartamento e fizeram amor pela primeira vez.
No dia seguinte Marçal Medina (O Caiçara), quando faziam o dejejum, pegou uma fatia de pão e ao passar manteiga disse a Francine:
- Sabe Francine, que as visões recorrentes, ou premunições, seja lá o que for com a minha abstinência ao álcool, é bem possível que venha a clarear.
- Sim, entendo e você está com medo?
- Não se trata de medo, mas isso me causa uma angústia intolerável.
- Entendo! É só uma sugestão, o que achas de irmos procurar ajuda, como fizemos, com a bebida?
- De que ajuda, estais falando?
- Ajuda psicológica é claro.
- Não sei não, um psiquiatra trata dos loucos e eu não sou louco, apenas tenho visões.
- Vamos procurar na Zero Hora, nos anúncios, talvez encontremos alguma solução.
Ela pegou o jornal que estava sobre a mesa de centro e começou a procura.
Alguns minuto depois:
- Ouça este aqui; Parapsicólogo, distúrbios da mente, premunições, visões e inquietudes.
Doutor Valter Harres. Rua do Mar, 4560- Bairro Moinho de Ventos, fone 051 525 3576 - Poá- Que achas, vamos procurá-lo amanhã?
- Não sei, vamos pensar um pouco, talvez não seja uma boa idéia.
- Se quiser eu vou e sondo como é que o homem trabalha depois você vai, se entender que seja viável.
- Não, não posso submetê-la a isso. Pode marcar vamos nós dois.
Eles chegaram ao consultório do psicólogo, um casarão antigo e bem conservado. A recepcionista os encaminhou, após uma pequena espera, na ante-sala sala do consultório.
Um homem, que pela aparência passava dos setenta anos, vestia uma túnica branca, calça e sapatos brancos, também brancos eram os seus cabelos e barba.
Nunca dantes o casal de consulentes tinha visto uma figura tão austera, seus olhos pareciam penetrar em tudo que olhava. Seu aperto de mão era inflexível, chegando quase ao exagero de tão forte que apertava. Uma criatura superior, sem dúvida. Uma destas criaturas que se enclavinham na memória dos outros e não os deixa esquecer.
Com voz indobrável, cumprimentou-os e solicitou que sentassem a frente de sua mesa de trabalho.
- Então a que devo a visita?
- Estou necessitando de sua ajuda doutor- disse o Caiçara.
- Relaxe e conte o que deseja esta sala não tem ouvidos é a prova de som, propositadamente a recepcionista fica a três salas de distância deste consultório. E, antes que inicie o seu relato, farei uma observação: Por mais incoerente, a mais perturbadora e menos lúcida, que seja a sua história, durante ela não deixe escapar um pormenor, por mínimo que seja, ou aparentemente incoerente.
Marçal e Francine, contaram toda a história, ora um ora outro, faziam o relato. O doutor Harres, que escutara tudo com a máxima atenção sem interromper, ao final, levantou olhou o casal fixamente é disse em um tom sério e inflexível.
- Senhor Marçal, dona Francine! A mente humana é prodigiosa, há partes do nosso cérebro, que até hoje a ciência não descobriu a sua função. Por isso, de vez em quando aparecem alguns seres humanos com habilidades especiais, diferenciadas de todos os demais. Por falta de conhecimento científico, os profissionais, em não entendendo os estranhos comportamentos de seus clientes, tratam logo de sedá-los com antidepressivos, o que foi o seu caso quando garoto. O senhor próprio, por não entender o que estava acontecendo, resolveu beber até tornar-se um alcoólatra. Posso lhe afirmar que não há nada de errado com o senhor, o senhor é mais um ser especial, com habilidades especiais que a ciência não pode explicar até o presente momento. Não tenha medo do que ocorre com o senhor. Tente decifrar, correr atrás, incentivar, promover este estado de coisas que lhe acontecem.
Tive conhecimento de uma senhora, que ao pegar um objeto que pertencera a alguma pessoa, ela podia ver onde estava esta pessoa e o que tinha feito em um determinado momento. Quando ela chegou a mim, estava cheia de duvidas como o senhor. Ela seguiu os meus conselhos e hoje é uma colaboradora da policia para casos de difícil solução.
Mas analisemos o seu caso; o senhor viu um espectro, de uma mulher, que entrou no oceano em uma pura visão de algo que havia acontecido a mais de dois anos. É isso?
- Sim, exatamente isso.
- Depois esse mesmo espectro, indicou-lhe onde jogar na roleta de um cassino?
- Exatamente. Isso me leva a inferir que essa pessoa quando se jogou ao mar, havia perdido no cassino, sendo esse o motivo de seu possível suicídio.
- Senhor viu um casal ser morto a pauladas e uma moça ser morta com um tijolo. Tratava-se de seus pais naturais. Teve um pré-aviso do que ocorreria com seus pais adotivos. Chegou a ver o acidente em uma espécie de visão antecipada dos acontecimentos.
Não posso lhe explicar como isso acontece, mas posso lhe dizer que o senhor é um elo entre este plano e outros planos, futuros e passados. Use esse dom que Deus lhe deu para fazer o bem, para ajudar a policia e as outras pessoas.
Se você é o único meio que eles têm para corrigir mal feitos e as maldades, ajude desinteressadamente e seja feliz.
Seis meses depois.
O Caiçara não havia colocado uma gota se quer de álcool na boca. As visões se repetiam com freqüência, isso não mais o apavorava. Ao contrário, sempre que elas ocorriam, tentava visualizar mais. Estava feliz com Francine. Achava-se seguro e queria seguir os conselhos do doutor Harres.
- Francine! Acho que é hora de Procuráramos o inspetor Rodrigão, onde está o telefone dele?
- Alo inspetor Rodrigão? Pode falar agora?
- Sim quem fala?
- É Marçal Medina, lembra?
- Oh seu Marçal, como vai o senhor, conseguiu superar os seus problemas?
- Sim, inspetor! Estou abstêmio há mais de seis meses, e estou disposto a ajudá-lo no caso do sítio.
- O senhor pode vir a Rio Grande, as despesas o estado pagara para o senhor.
- Não seja por isso, posso ir imediatamente se o senhor achar conveniente.
- Estou esperando-o na rodoviária de Rio Grande.
- Não é necessário, iremos ao meu carro, não se preocupe, amanhã estaremos ai.
- Estarei a sua espera senhor, Marçal.
Em Rio Grande:
- Bom dia senhor Marçal, meus respeitos dono Francine- disse o inspetor Rodrigão- Fizeram boa viajem?
- Tudo perfeitamente correto inspetor, estamos prontos a ajudá-lo no caso dos meus pais, que foram mortos no sitio.
- Sentem-se, água café?
- Os dois, por favor- disse Francine.
- Bem, eu vou telefonar para o senhor José e solicitar permissão para fazer uma visita ao sitio, onde ocorreram as mortes. Só um minuto, esteja há vontade.
- Alo, é o inspetor Rodrigão, bom dia seu José! A respeito do sitio, eu queria permissão para fazer uma visita no local onde houve os assassinatos.
- Oh! Claro que pode, lá tem um novo agregado é só se identificar, ele tem ordem para cooperar com a polícia. Não quer passar aqui antes, posso acompanhá-lo.
- Passaremos ai após a visita se não se importar.
- Como queira.
A caminho do sitio, calado e oco, olhando nostalgicamente o espaço, à procura talvez de complexas lembranças, de repente, Marçal cortou seus pensamentos e comentou:
- Como as lembranças das crianças são interessante, parece que víamos tudo, dentro da nossa pequenez, tudo parecia tão grande e tão distante, agora vejo que, o longe era perto e grande era pequeno. A grande figueira, não era tão grande assim. Como eu a via, a distância entre o galpão e a casa, em minhas lembranças parecia ser mais que o dobro do que realmente é.
- Isso acontece, quando nos separamos das imagens, quando somos pequenos e as vemos novamente quando somos adultos. Podemos constatar que a nossa referência, quando pequeno, era a nossa própria pequenez, por isso é que tudo nos parece imenso- disse Rodrigão.
A velha casa onde morara, quando pequeno, era a mesma, porém fora restaurada recentemente, mas foram mantidas as formas construtivas de então.
O caseiro os recebeu, e nada indagou. Nem lhe foi dito. Os visitantes examinaram tudo, como quem estivesse procurando alguma coisa em especial.
- Vamos até o galpão, disse Caiçara.
Seguiram pela estradinha, estreita de passar o gado, lá chegando abriram a porta lateral. E, Caiçara adentrou no galpão. Momento em que teve o primeiro surto de visão do passado. Imagens apareciam e desapareciam como num fleche, ele, seguindo as instruções do Doutor Valter Harres, se concentrou e as fez estabilizarem. Todos ficaram em silêncio. O Caiçara pode ver nitidamente as cenas, que tanto o perturbaram no passado, sua expressão era de horror e medo.
Francine, o olha e em grande tensão, tem os dentes contraídos uns contra os outros. Seu rosto está meio esverdeado.
Uma moça fazia limpeza de excrementos, quando um homem velho enquadra aporta, ela não o vê entrar. Olha para suas pernas e nádegas, tinha na face uma expressão de desejo incontido.
Bateu palmas vagarosamente, a moça virou-se e expressou surpresa ao vê-lo. Ele pegou o buquê de flores que trazia escondido em suas costas e expôs, alcançando a ela.
Discutiram por algum tempo, a moça recusa as flores, ele insiste, falando, falando. Ela discute, parecendo brava.
De repente ele a pega com brutalidade e a joga ao solo, sobe sobre sua barriga, imobilizando-a, pega um tijolo e o ergue, momento em que a moça coloca ambas as mãos protegendo o rosto. A “arma” atingiu-a sobre as mãos, outros golpes se sucederam. O assassino, enfurecido, deixou o galpão e se dirigiu a casa, ao passar por uma pilha de lenha, pega uma acha, ao chegar á casa, um casal saiu para encontrá-lo, quando este desfechou o primeiro golpe que atingiu a cabeça do homem, logo a segunda paulada atingiu a cabeça da mulher, outros golpes se sucederam até que ambos estavam mortos.
Rodrigão e Francine, que assistiam as feições do Caiçara se modificar, de simples contemplação, passar para uma expressão de horror e medo.
Exausto e aterrorizado, ele passa a mão sobre a testa e retira duas gotas de suor. Nada diz, fica ali sob os olhares expectantes de Rodrigão e Francine. Após haver se recuperado, Marçal, diz que tudo está meridianamente claro, pode ver a face do assassino.
- Faremos um retrato falado- disse Rodrigão.
- Quero deixar este local o mais rápido possível- disse Marçal.
- Antes, vamos dar uma passada na estância do senhor José que fica no Albardão. Ele é o proprietário do sítio.
Retornaram até alcançar a estrada que vai para o Chuí, passando por Albardão. A estância distava mais de cem quilômetros do sítio.
Durante o trajeto, Marçal se manteve apático, sem assunto, parecia cansado, esgotado por tudo o que havia visto em um transe sem igual.
Na mansão do senhor José Leotário Silveira, ao desembarcarem do veiculo, o proprietário já os esperava no alto da larga escadaria de pedra que servia de acesso a casa.
Do centro da escada, o Caiçara olhou para o homem e teve um novo surto, quase caiu, mas conseguiu se segurar no corrimão da escada. Aquele homem que ali estava era o assassino, impiedoso e cruel, que matara seus pais, novas visões se estabeleciam, via o mesmo homem, colocar veneno no adoçante da sogra, depois da esposa, viu-o jogar a tarrafa, sobre um senhor velho e de origem alemã, o assassino na oportunidade era ainda jovem e forte. Lançou a tarrafa sobre o homem velho, e o amarrou com a corda e jogou na água, viu o corpo enrolado na rede cair levantando barro do fundo da lagoa, que parecia ser rasa naquele local.
De volta das visões, apenas disse ao inspetor, leve-me da qui que não estou passado bem.
- Desculpe seu José, mas meu acompanhante está passado mal, voltaremos outro dia.
- Como queira senhor inspetor, mas de quem se trata.
- Falaremos em outro dia se nos permitir, iremos imediatamente, pois como disse o homem está passado mal.
Já dentro do carro e retornando para a cidade de Rio Grande, Marsal saindo de seu estado de reflexão disse:
- Prepare-se inspetor, para uma revelação inimaginável.
- Sou todo, ouvidos, senhor Marçal.
- Querido! Acha que é o momento certo de relatar o que viu? – disse Francine, amparando-o com o braço sobre seu ombro.
- Sim, querida pararemos a margem da estrada e contarei tudo o que vi em minhas visões.
Francine e o inspetor ficaram na expectativa do relato, momento em que um silêncio sepulcral se instalou no interior do veiculo. O narrador colocou a mão sobre a testa, parecendo forçar a lembrança de tudo o que havia visto em suas expectantes visões.
- Primeiro vi os três assassinato como ocorreram, no sitio. Pude ver claramente o rosto do carnífice. E o reconheci na estância quando subia a escadaria, ele estava lá em cima a me olhar, com os mesmos olhos que fulminaram minha irmã quando discutiam. Vi mais, ele colocando veneno em um frasco de adoçante, vi-o jogar uma rede que envolveu um velho de origem alemã, logo o amarrou com a corda da tarrafa e o atirou na água.
Ao ouvir isso, o inspetor bateu uma mão na outra e disse:
- Quem iria desconfiar que o seu José fosse o assassino do sitio e que havia antes envenenado sua esposa e matado o seu sogro afogado na lagoa.
- Sim, inspetor, e tudo isso o senhor terá de provar, pois minhas visões de nada servirão num tribunal.
- Sim, mas pelo fato de saber que o seu José é um assassino, já facilita as coisas, agora é só uma questão de estratégia policial o que sei fazer muito bem. Considere sua missão plenamente cumprida, e receba os melhores agradecimentos do estado, você impediu que um inocente fosse condenado e um criminoso saísse impune.
O casal partiu deixando o inspetor na delegacia de Rio Grande.
Rodrigão sentou em sua cadeira, pegou um arquivo da gaveta e o abriu. As fotos tiradas durante o exame pericial da cena dos crimes. Deu asas a sua imaginação:
- Se José é o assassino do sitio e também matou sua esposa e seu sogro. Mas como vamos provar que ele é o culpado de tantos crimes?
Como fazia sempre, o inspetor Rodrigão, deixava o caso amadurecer em seu pensamento, crendo que seu cérebro, de tanto pensar na solução de um caso, lhe dava a resposta quando menos esperava.
Foi para casa, já passava das dez horas da noite. Sua esposa o esperava. E, lhe disse quando entrou:
- Que foi querido, como demorou hoje, algum problema grave?
- Não querida, ainda o caso do sitio, hoje tive as informações que esperava a mais de seis meses, agora é só colocar o meu cérebro a trabalhar.
Devia ser próximo das quatro horas da madrugada, o inspetor acordou, em um sobressalto, levantou imediatamente. Sua esposa continuou a dormir calmamente.
- É isso, porque não pensei nisso antes? É claro ele envenenou a esposa com micro doses de veneno, possivelmente arsênico.
Como sua esposa morreu da mesma forma que sua sogra, ele deve a ter envenenado também. A esposa foi incinerada, portanto, nada mais é possível fazer nesse caso, mas a sogra, esta foi enterrada no cemitério da vila. É possível fazer uma exumação e analisar se tinha vestígios de arsênico no estomago e outros órgãos. Quanto ao sogro, ele disse em seu depoimento que o homem tinha se afogado ao lançar a tarrafa em águas profundas, que custou muito a encontrar o corpo e que quando o retirou já estava morto. Ao passo que o vidente disse que ao cair o corpo removeu lama que turvaram a água, portanto deveria estar próximo da margem da lagoa. Nesse caso ao engolir água, esta estaria saturada de lama, o que poderá ser constatado em uma exumação de cadáver. Mãos a obra, inspetor.
Levantou e em quinze minutos estava na frente do promotor público.
- Doutor! Tenho a mais plena convicção de que os assassinatos do sitio foram praticados pelo seu proprietário, Senhor José Leotário Silveira.
- De que vem toda essa convicção inspetor?
- De uma fonte fidedigna, senhor, mas o qual não desejo revelar até o momento da comprovação dos fatos. Por isso peço que o senhor me ajude nesta empreitada, fazendo os procedimentos legais para a exumação dos corpos do sogro e sogra do seu José.
- Vá lá, se o senhor tem certeza do que está fazendo, eu farei os procedimentos legais, mas devo saber o que os legistas devem procurar:
- Na sogra, sinais de envenenamento possivelmente por arsênico. No sogro contaminação dos pulmões por lama.
As autopsias revelaram vestígios de arsênico na sogra e vestígios de lama nos pulmões do sogro.
O carro da policia estacionara junto à escadaria da estância, dele descem o inspetor Rodrigão acompanhado de um policial militar. O proprietário que de longe avistara o carro, já o esperava do alto da escada.
- Se aproxime Inspetor, a que devo a visita. Como está o homem que passou mal no dia em que aqui esteve?
- Muito bem senhor José. Quanto a minha visita, trata-se de uma visita oficial. Estamos aqui para convidá-lo a comparecer à delegacia de policia para prestar alguns esclarecimentos.
- Sim, quando eu for à cidade, darei uma chegada lá.
- Não senhor José, deverá ir comigo, o senhor está preso pelos assassinatos do sitio, de sua sogra, seu sogro e de sua esposa. Tem o direito de permanecer calado até constituir um advogado.
CAPÍTULO XII
DOUTOR RODRIGO SALZANO
Era a sensação mais estranha e mais sensacional do mundo, conseguira revelar o assassino de sua família, com detalhes impressionantes, que, se bem investigados levaria o facínora para a cadeia pelo resto de sua vida.
Não se arrependia dos momentos que sofreu, carregava as cicatrizes como se fossem medalhas, sabia que a liberdade tem um preço alto, tão alto quanto o preço da escravidão.
Permanecera sentado ali, na sala de seu apartamento. Pensava naquele momento, em tudo o que havia acontecido em Rio Grande. Saber que os supostos males que sofria quando era pequeno, na verdade eram dons que recebera ao nascer, que, hoje, lhe permitiam desvendar mistérios insondáveis. Bastou que alguém lhe explicasse tudo aquilo que não era entendido, por ele e pela maioria das pessoas.
A sorte estava com ele agora, sorrindo-lhe. A sorte cega, a sorte estúpida, mas sempre sorrin-do, pronta para lhe dar paz e quietude. Mas de repente, a tão alardeada paz, se transformou em inquietação. Acabara de lembrar, que nem tudo estava resolvido, que a dama que lhe aparecera na casa de jogos, a mesma que entrara no oceano, queria dele alguma coisa, e ele, até aquele momento, não lhe tinha dado resposta alguma. Quem tanto lhe ajudara, apontando onde deveria jogar sem, o qual teria morrido de fome, abandonado pelas sarjetas de Capão da Canoa, como um cão sarnento. Teria de fazer algo: Levantou-se de um pulo e disse a Francine:
- Querida, estamos esquecendo de que devemos procurar solucionar o caso da dama da casa de jogos. Aquela que se suicidou entrando no oceano gelado. Lembra?
- Claro que lembro, mas você não quer dar uma descansada antes de tentar entrar em contato com ela, isto é ter novos, como direi?...
- Distúrbios mentais, premunições, contatos estranhos, ou seja, lá o que for, – disse Marçal.
- Sim, é isso que eu queria dizer. Qual a estratégia que irei montar para ter as visões?
- Não sei ainda como isso funciona, mas acho que devo ir ao cassino à noite e ver se a encontro lá.
- Eu apostaria em ir caminhar na praia, a manhã está linda e fará calor de trinta e três graus, segundo meteorologia, o que é normal para o mês de fevereiro.
- Pelo sim, pelo não, farei as duas coisas. Vou caminhar na praia agora mesmo.
- Devo ir junto?
- Acho que não.
- Vá! Ficarei arrumando o apartamento, ainda é cedo.
Uma hora depois retorna decepcionado. Francine lhe pergunta:
- E daí, como foi?
- Nada, caminhei uma hora e simplesmente nada aconteceu. Como eu digo sempre, ainda não sei como isso funciona, mas hei de descobrir.
Passaram o resto do dia, como tantos outros, e, à noite, passava das vinte e uma horas, quando ele disse:
- Bem, vamos tentar no cassino.
- Devo ir com você, querido? Ou preferes ir sozinho? Quero lembrá-lo que no sitio estava acompanhado e tudo funcionou.
- É, acho que pode ir junto, vamos aproveitar e jantar antes em um restaurante qualquer.
Eles que até então, não mais haviam ido ao cassino, não sabiam que ele não funcionava na temporada de veraneio, pois era uma casa clandestina, e nessa época havia muitos veranistas, o que tornava arriscada as atividades. Logo após o jantar dirigiram-se a casa, e com surpresa ela estava fechada, apenas o bar de fachada estava aberto.
Ele se dirigiu ao mesmo atendente, que o reconheceu e perguntou:
- A que horas abrirá a casa dos fundos?
- Está de recesso, não funciona durante o período de veraneio.
Decepcionados retornaram ao apartamento e foram assistir televisão. Estava sendo exibido um filme antigo, daqueles que ocupam as madrugadas. Francine logo adormeceu sentada no sofá, Marçal a pegou delicadamente e a levou para o quarto, deitou-a carinhosamente e retornou a sala para continuar assistir o filme.
De repente ele se viu não mais assistindo o filme, foi tomado de uma súbita sensação de silêncio. Não havia o menor ruído nas ruas. O silêncio era tumular. Parecia que não estava em seu apartamento, lembrou da estranha ocorrência que tivera na praia no inverno passado e instintivamente olhou para o ambiente. E então uma visão estranhíssima surgiu a sua frente. Nela via um homem, jovem perambulando por ruas estranhas, parecia que era em outro lugar fora do Brasil. À forma construtiva das casas eram diferentes do convencional. Casas modernas entre casas extremamente antigas e mal conservadas. O jovem catava lixo e de vez em quando comia alguma coisa que encontrava. A dama do cassino apareceu e apontava para o jovem mendigo.
Tentou falar com ela, mas foi em vão, parecia que não o ouvia, a comunicação não se estabeleceu. Logo ele passou a ver um homem idoso que falava ao telefone, parecia irritado em um momento e em outro parecia se divertir ao falar, pois gargalhava. De repente tudo voltou ao normal, o filme na televisão, continuava e ele sentado no sofá o assistia. Logo o sono veio e ele foi deitar.
Na manhã seguinte:
- Como é senhor não vai acordar hoje, o café já está servido- disse Francine sacudindo-o.
Levantou-se ainda sonolento, lavou o rosto e sentou-se a mesa.
- Sabe! Querida, aconteceu ontem, logo após tê-la levado para a cama? Não entendi nada. A dama do cassino apareceu e apontava para um homem jovem que catava lixo em uma estranha rua, comia o que encontrava. Depois vi, com a máxima nitidez, um homem velho que telefonava bravio e depois gargalhava ao telefone. Não sei o que isso significa.
- Querido! Tudo deve ter fundamento, apenas não sabemos interpretar as visões que você teve. Analisemos, a dama era a mesma, o rapaz mendigo em um lugar estranho, um velho falando ao telefone. Tudo isso quer dizer alguma coisa, o que será?
- Se ela apontava para o jovem mendigo quer que eu o busque em algum lugar que se encontre. Mas o velho, o que tem o velho a ver com isso?
- Vamos procurá-lo.
- Por onde começamos?
- Os jornais.
- Sim os jornais.
- Aqueles que noticiaram a morte dela. Vou buscá-los.
Logo Francine vem trazendo as cópias dos jornais.
-Veja aqui! Ela era filha de um importante empresário do ramo metalúrgico. O nome dele é Rodrigo Salzano.
- Isso é o suficiente para buscá-lo na internet.
Consultaram a WEB, e lá estavam todos os dados das organizações Salzano.
- Aqui está o endereço do centro administrativo do grupo, com certeza ele será encontrado neste endereço- disse Francine.
- Vamos à Porto Alegre, hoje mesmo.
- Concordo, não quero perder tempo, poderá ser importante para o caso.
- Não devemos esquecer que faz mais de dois anos que a dama se suicidou.
Chegaram ao edifício onde estava instalada a sede administrativa das organizações Salzano.
Dirigindo-se a recepcionista, Francine disse:
- Bom-dia! Por favor, nos gostaríamos de falar com o senhor Rodrigo Salzano.
- A quem devo anunciar?
- O Casal Marsal Medina e Francine.
- Aguardem, por favor, que vou anunciá-los.
Alguns minutos de espera.
- O Senhor Rodrigo, quer saber qual é o assunto, pois pode não ser com ele que querem falar.
- Diga que é sobre Melissa Salzano.
A recepcionista retornou minutos depois e disse:
- Por favor! Aguardem alguns minutos que ele os vai atender. Ele pediu que preenchessem o cadastro de visitantes, com nomes, endereço e telefones.
No escritório do senhor Rodrigo:
-Ah! Deve ser cobrança de divida de jogo clandestino, vou armar uma cilada para eles. Assim, pensando, ligou as câmaras que cobriam toda a área do escritório e ligou o gravador de áudio.
- Pode mandar que subam ao meu escritório - disse à recepcionista pelo interfone.
- Sigam-me, por favor - disse a recepcionista.
Ao entrarem na sala, Marsal pode ver o homem velho que havia visto em aparição, era realmente o pai de Melissa, escondeu a surpresa e se apresentou:
- Bom-dia! Sou Marsal Medina e esta é minha esposa Francine.
- Bom-dia! Por favor, sejam breves, digam logo o que os trouxe aqui, não tenho tempo a perder.
Marsal vacilou e disse:
- Não sei nem como começar, mas é da maior importância o que lhe tenho a dizer.
- Minha filha está morta, não sei o que de tão importante o senhor tem a me dizer. Mas, fale que o tempo urge e os compromissos são sempre inadiáveis.
Francine tomou a palavra e disse:
- Senhor Rodrigo! Meu esposo tem visões espontâneas com os mortos, e ele teve mais de uma visão com a sua filha, embora nunca a tenha conhecido.
- Hora! Façam-me o favor, eu tenho mais o que fazer, do que ouvir bobagens dessa natureza.
Marsal intervém dizendo:
- Esperávamos que nos ajudasse a interpretar o que ela quer. Apenas isso.
- Bem! Vamos, conte para que veja se lhe posso ajudar.
Marsal Medina (O Caiçara), conta como fora a ultima visão, de um rapaz esfarrapado em uma rua estranha a catar lixo para se alimentar e que ele, Senhor Rodrigo, apareceu na visão como é sem que ele o tivesse visto seque uma única vez.
- O homem ao ouvir o relato, parecia que iria desmaiar. Ficou branco como uma cera, teve de ser ajudado por Francine que lhe serviu um copo com água.
Recuperado do susto, voltou à frieza com a qual os recebera e disse:
- Sou um homem de negócios e não tenho tempo a perder com alucinações, como essa que acaba de contar. – falou com aspereza e indignação - Passem bem e deixem-me trabalhar. Não os posso ajudar.
Levantou-se, abriu a porta do escritório e disse:
- Passem bem.
Fechou a porta, logo em seguida, nervoso que ficara, sentou a mesa de trabalho e pensou:
- O que será que eles sabem, faz mais de dez anos que enviei o rapaz para Holanda. Será que ele está de volta e os contratou para me vigiarem? Não, não pode ser! O rapaz desapareceu muito antes da Melissa se suicidar. Esta é uma ameaça que paira sobre a minha cabeça. Como me arrependi de ter feito isso, se pudesse encontrar o rapaz, trataria de redimir-me. A final, após o seu desaparecimento minha filha passou a ter comportamento estranho e irresponsável. Eu estava errado em querer dirigir o seu destino.
Colocou a mão sobre o peito, sentira os sinais evidentes de uma angina. Algo o estava estrangulando, tossiu, sentiu uma forte dor no braço esquerdo que lhe correu até a carótida. A dor no peito foi o terceiro dos sintomas de pré-enfarto. Chamou a secretária pelo interfone e logo foi conduzido ao hospital.
Já fora do prédio, saindo do estacionamento:
- Viu como ele passou mal quando você contou o que havia visto em sua visão? - disse Francine.
- Pelo jeito ele tem alguma culpa em algo que aconteceu.
- Sim, mas ficamos na mesma.
- Vamos analisar com mais calma tudo o que aconteceu- disse Francine. Eu pude observar o semblante dele quando você lhe disse que ele falava ao telefone com veemência e que depois começou a gargalhar. Nesse momento é que ele quase desmaiou.
Os dias passaram calmos, parecia que não haveria solução para o caso de Melissa, até que três meses depois o telefone tocou.
- Alo! É Francine.
- Bom-dia! Aqui é do escritório do doutor Rodrigo Salzano, poderia falar com o senhor Marsal Medina?
- Alo é Marçal falando.
- Senhor Marçal, vou transferir a ligação para o doutor Rodrigo Salzano.
- Rodrigo! Bom-dia. Senhor Marçal. Inicialmente quero lhe pedir desculpa pelo modo com que o tratei quando aqui esteve. E solicitar que me procure novamente, acredito no senhor e quero saber mais sobre o que tentou me dizer.
- Pois não, Doutor Rodrigo! Estarei ai amanhã sem falta.
No dia seguinte:
- Senhor Marçal, dona Francine. Queiram receber meu pedido de desculpas, pela vez anterior. Na verdade eu estava preparado para receber um casal que possivelmente tivessem vindo para cobrar alguma conta de jogo de minha filha Melissa. Cheguei até agravar e filmar vocês. Depois pensei e vi que tudo o que havia dito era coerente e que eu tinha de assumir os meus erros.
Peço que conte novamente com todos os detalhes possíveis as suas visões.
O Caiçara olhou para aquele homem, não parecia o mesmo que, os recebera anteriormente, sua soberba e arrogância haviam dado lugar a uma intensa melancolia seguida por uma não menos atuante humildade.
Marçal contou detalhadamente, toda historia relativa à Melissa Salzano, a visão na praia, as visões que tivera por duas vezes no cassino clandestino e finalmente a última visão, onde aparecia um jovem mendigo. Logo o silêncio se instalou no ambiente.
Rodrigo, cabisbaixo que estava, ergueu a cabeça e falou:
Namorei e casei com a mulher que escolhera para ser minha esposa, eu a amava e era por ela correspondido, tinha eu na época do casamento, trinta e um anos, ela tinha vinte. Ela ficou grávida logo no inicio do casamento, a gestação foi de alto risco e quando Melissa nasceu ela se foi.
Passei a dedicar minha vida inteiramente ao trabalho e a minha filha.
Minha irmã serviu-lhe de mãe, condignamente, assim Melissa cresceu com muito amor e carinho. Quando ela tinha apenas dezessete anos, namorou um rapaz que trabalhava em uma de minhas fabricas, como engenheiro mecânico. Eu não queria o rapaz como genro, queria alguém melhor, para Melissa. Por isso, resolvi livrar-me do rapaz. Enviei-o à Holanda para fazer compras, e contratei dois homens para assaltá-lo e deixá-lo vestido como mendigo, sem dinheiro, sem documentos, em fim sem rumo. Ele chegou a me telefonar, eu lhe disse alguns desaforos e ri do estado em que ele se encontrava.
Essa conversa é que o senhor viu em sua revelação. Tudo o que fiz foi em vão, Melissa se formou, e começou a trilhar caminhos estranhos, começou a jogar e jogar, perder somas absurdas, até que se suicidou como o senhor viu em sua visão.
Depois da morte de Melissa eu fui a Holanda procurar Erioneto, procurei-o entre todos os mendigos de Amsterdam e não o encontrei. Quisera me responsabilizar e me redimir por tudo o que fiz ao rapaz, mas não consegui. Confesso que fui egoísta e insensível na época. Por isso eu acho que o senhor em suas visões poderá encontrá-lo para mim.
- Muito interessante o que acaba de nos contar, mas acontece que as visões, ou seja, lá o que for, acontecem, sendo que eu não sei como provocá-las, ao menos por enquanto. Mas acredito que em breve poderei ter outro encontro com Melissa e ela provavelmente me ira informar onde está o rapaz.
- Ficarei esperando noticias suas.
Passaram-se alguns dias sem que as visões recorrentes surgissem, até que certa manhã o Caiçara vai caminhar na praia, pela manhã enquanto Francine preparava o almoço. Estava nas imediações onde tivera a visão em que Melissa adentrava no oceano. De repente abriu-se a sua frente uma visão, onde estava Melissa apontando para um rapaz que entrava em um estabelecimento. Era um edifício grande, agradável à vista, com dois andares, telhado de lousa, com grandes manchas amarelas de liquens nas paredes cinzentas. Na fachada do grande prédio podia ser lido Roelland Engineering & Contracting...
Tratou de decorar ao menos o primeiro nome, pois os outros dois podia ver que se tratava de engenharia e contratações. Mas, por vias das duvidas, escreveu na areia tudo o que via.
- Alo, é o senhor Rodrigo? Aqui fala Marçal Medina, o rapaz pode ser encontrado na empresa Roelland Engineering & Contracting..., provavelmente na Holanda.
- Grato senhor Marçal, tomarei minhas providências para reparar minhas ações.
Já sozinho em seu escritório, contemplou durante alguns momentos, o retrato de sua filha, quando tinha quinze anos, trêmulo, convulso; o seu cérebro girava sob a ação de mil pensamentos incoerentes.
- Como Erioneto o receberia? Furioso, agressivo, não o deixaria explicar o porquê de sua presença.
Corou até a raiz dos cabelos, balbucia algumas palavras, fica tonto e confuso. Depois, cria coragem e, vencendo a vergonha, chama a secretária e lhe diz:
- Reserve uma passagem para Amsterdam na Holanda, partirei o mais breve possível.
A reserva fora feita para o dia seguinte. À noite, acordou, sentou-se empertigado na cama, o suor pingando do corpo torturado, enquanto onda de náusea culpa e arrependimentos rolavam sobre ele como um maremoto surreal.
O médico foi chamado e a causa do mal estar seria uma recorrente angina, a qual já o tinha levado a uma internação anterior, não poderia sofrer qualquer tipo de emoções fortes, se quisesse ter uma vida mais longa. Viajou assim mesmo, levando consigo medicamentos para serrem usados em caso de uma nova angina.
Já em Amsterdam, a noite, apesar de morna, não começou tão bem. Sentia um ardor no peito e uma dor ardida lhe corria do braço esquerdo até a carótida. Reagiu à dor lancinante, tinha de encontrar Erioneto, nem que fosse a última coisa que fizesse em sua existência. Tomou os medicamentos e repousou.
Naquela noite, Rodrigo dormiu aos sobressaltos, pois as imagens continuavam a golpeá-lo como ondas implacáveis contra um rochedo.
Pouco antes do nascer do sol, por fim, levantou entorpecido, à deriva num mundo subitamente sem significado.
- Se aprendi uma coisa na vida, foi que usar a violência para resolver um problema sempre cria um problema ainda maior - pensou.
Respirando fundo soltando o ar lentamente, acalmou-se.
Pegou o envelope que trouxera na mala, olhou-o e o colocou no bolso do casaco.
Tomou um taxi no estacionamento do hotel e disse em inglês ao motorista: alcançando-lhe um pedaço de papel e disse:
- Leve-me nessa empresa. O homem pegou o papel, olhou atentamente e respondeu em inglês.
- Essa empresa é muito grande, tem várias sedes, posso levá-lo a sede de Amsterdam.
- Faça isso, por favor.
O veículo andou por grandes rodovias e auto-estradas, até estacionar a frente de um grande prédio. Logo Rodrigo o reconheceu pela descrição que lhe fizera Marsal.
- É aqui mesmo, muito obrigado.
Desceu, pagou a corrida, embora fosse um homem experiente e acostumado a fortes emoções, se encontrava frágil e assustado como fosse um adolescente a enfrentar o pai da primeira namorada. Nesse estado de torpor, dirigiu-se a secretária e falando em inglês lhe disse:
- Estou procurando o senhor Erioneto.
- A quem devo anunciar?
- Rodrigo Salzano- alcançando-lhe um cartão de visita.
A secretária pegou o cartão e se dirigiu a um dos escritórios.
- Com licença Doutor Erioneto- Alcançando-lhe o cartão- este senhor está a sua procura.
- Erioneto pegou o cartão e leu mentalmente – Rodrigo Salzano o homem que fora seu algoz, que o sujeitou a comer do lixo e a perambular como um mendigo por dois anos, pelas ruas de Amsterdã. O que quereria o que pretenderia. Não o receberei, seja pelo motivo que for não será bom para eu vê-lo, talvez não me contenha e o agrida.
- Mande-o entrar- respondeu a moça.
- Por aqui, por favor.
Ela abriu a porta do escritório e convidou-o a entrar. E, logo fechou a porta as suas costas.
Erioneto estava ali a sua frente e de costas para ele. Certamente não o queria ver.
- Erioneto! Não sei nem o que lhe devo dizer, mas asseguro-lhe que estou arrependido de tudo que fiz a você e a Melissa. Depois que você desapareceu, Melissa nunca mais foi a mesma, andou em, mas companhias, começou a jogar em cassinos clandestinos e terminou se suicidando.
- Lágrimas, começaram a correr dos olhos de Erioneto, que inflexível, se mantinha de costa para Rodrigo. A voz de Rodrigo silenciou.
Uma dor violenta no coração irradiando ao braço, um ardume no peito, um espasmo na glote, um esgar de pavor em seus olhos medrosos e surpresos, um soluço de esforço, e caiu redondo no chão,
Erioneto ouviu apenas o barulho da queda dele sobre o espesso tapete. Virou-se e viu-o caído no solo, com a mão direita no peito e a esquerda segurando um envelope. Procurou os sinais vitais, e constatou que estava morto.
Chamou socorro, que logo veio a secretária e mais dois colegas atenderam o chamado.
Erioneto pegou o envelope que o morto ainda segurava na mão, abriu- e viu estarrecido que se tratava de um testamento, que deixava a ele Erioneto, todos os seus bens.
Na cidade de Capão da Canoa:
- Alo é o senhor Marsal Medina?
- Sim, é ele mesmo:
- Aqui é da delegacia de policia de Rio Grande, vou passar para o gabinete do inspetor Rodrigues.
- Bom dia meu caro Marsal, tenho boas novidades, o facínora que assassinou seus pais biológicos, foi condenado a cento e vinte anos de prisão pelos quatro assassinatos, no entanto ira cumprir a pena máxima de trinta a nos.
Marsal e Francine continuaram vivendo em Capão, ele nunca mais bebeu e continua a ter visões, mas hoje sabe como absorvê-las e interpretá-las.
FIM