O admirador
O espetáculo começou com um atraso de dez minutos. No entanto, em todos os teatros é considerado educado abrir a cortina com um ligeiro atraso. Naquele dia se representaram as "Três Irmãs". Era quarta-feira e o teatro dramático regional não tinha casa cheia, apenas um quarto dos lugares estava ocupado. Paulo fazia o papel do irmão Andrei e estava um pouco entediado com a monotonia que era atuar naquela peça. Pela enésima vez, eram as mesmas frases, a imitação das mesmas emoções. Que melancolia!
"Agora a atriz Violeta Martinez aparecerá como irmã mais velha de Olga. Antes de começar seu monólogo, ela certamente vai olhar para cima, sempre fazendo como se ela estivesse com medo de que um pombo pudesse cagar nela. Se ela caísse e quebrasse a cabeça, não morreria, já que não é tão fácil matá-la", pensou Paulo.
Representava-se uma cena noturna, holofotes escurecidos um pouco e Paulinho podia ver o público na sala. Tratava-se de um contingente principalmente feminino e, em sua maior parte, composto por velhas. Havia alguns espécimes masculinos desagradáveis e sórdidos. Inesperadamente, ele notou um garoto bonito na quarta ou quinta linha.
"Mais uma vez ele veio...", pensou Paulo, "...e claramente para me ver".
O artista via aquela beleza em seu espetáculo pela terceira vez. Ele tinha certeza que ele era um seu fã. O menino, durante toda a peça, fixara em Paulo, não tirando simplesmente os olhos dele. No espetáculo anterior fora presenteado com um buquê de rosas vermelhas. O ator não duvidou que as flores viessem de um novo admirador. Sua cor favorita era o vermelho, a cor da festa, do amor e do sangue. Este último, para Paulo, simbolizava a dor que, como compreendia ele, estava unida num vínculo indissolúvel às relações amorosas.
"Como é belo, eu preciso conhecê-lo melhor, não posso perder aquele jovem tão doce e virgem", dizia Paulo em seus pensamentos.
Ele decidiu encontrá-lo depois da peça no saguão do teatro, conversar e convidá-lo para o seu camarim.
"Eu vou conduzi-lo pelos detalhes da beleza das artes, e assim provavelmente poderia sentir a suavidade da sua pele, o cheiro do seu cabelo", o artista fantasiou.
Após o espetáculo, o grupo fez-se avante para agradecer os escassos aplausos.
"Bravo!" alguém gritou da platéia.
Paulo ergueu a cabeça e viu que era seu admirador que carinhosa e enfaticamente a olhá-lo.
"Ele tem uma voz agradável e a palavra que disse agrada muito um ator", continuou pensar Paulo.
Fechada a cortina, Paulo saiu correndo pelos fundos do teatro. Enquanto o público pegava seus casacos e cruzava o foyer em direção à saída, ele teria tempo de ir ao pórtico do teatro para encontrar seu novo admirador. Paulo correu pela rua escorregadia e foi golpeado pelo frio. Não podia correr e arrastou os pés lentamente sobre o gelo. Chegando à frente do teatro, ele viu com amargura que os espectadores já haviam começado a sair do prédio.
"Espero que ainda não tenha desaparecido", murmurou o artista.
Ficou por meia hora esperando a última pessoa sair do teatro. Olhou no corredor, não havia ninguém a não ser um atendente de guarda-roupa e um faxineiro. Com a cabeça baixa, ele caminhou para o camarim.
"Ok, da próxima vez eu vou capturá-lo!", ele sussurrou para si mesmo, tentando se animar.
Algum tempo depois, foi levada ao palco a peça "Um bonde chamado desejo". Na noite de sábado, o teatro estava cheio, apesar do fato de não ser a estréia. Violetta Martinez atuava como a louca Blanche DuBois. Segundo a opinião de Paulo, esse papel era o mais conveniente para ela, podemos dizer que representava a si mesma. Arnaldo Baratta, um artista mais reverenciado, fazia o papel de Stanley Kowalski. Até o ano passado, ele atuara como protagonista na peça "Romeu e Julieta". Mais tarde, ele se deixou o papel e Paulo assumiu-o, quando Arnaldo não conseguiu se ajoelhar em uma das cenas românticas. Ele interpretava um garoto de dezesseis anos, o que é muito difícil quando seu quinquagésimo aniversário havia sido celebrado há muito tempo. Este Romeu aposentado retirou-se do trabalho. Paulo tinha apenas quarenta e um anos e ainda estava em boa forma: alegre, inteligente, bem preparado, cheio de energia e um pouco sarcástico. Ele parecia um homem de trinta anos.
Paulo interpretava Mitch, um papel que não era o principal, e aproveitou a oportunidade para observar o público dos bastidores. Em algum lugar no meio das fileiras, ele viu seu admirador novamente. Desta vez, ele estava com um traje mais elegante mas, ao mesmo tempo, um pouco puído. Embora hoje muitas pessoas se vistam casualmente para ir ao teatro, que não é mais um templo, nem tampouco um santuário.
"Provavelmente, é um músico ou artista, isto é, da nossa classe artística", pensou Paulo.
Desta vez, o artista decidiu não tornar ao palco para receber os aplausos e passou despercebido por uma das saídas do público mais próxima do lugar onde seu jovem admirador estava sentado. Após a apresentação do último ato, Paulo rapidamente correu para o vestiário, vestiu um casaco, colocou a jaqueta velha para não se destacar na multidão. Entrou silenciosamente na sala de estar e escondeu-se por detrás da cortina, observando o seu objeto de desejo. Para dizer a verdade, nos últimos dias esse jovem simplesmente não saia da cabeça de Paulo. A paixão e a luxúria perseguiram o solitário solteirão à noite e não o deixaram dormir. Ele imaginou cenas de amor terno com o jovem Apolo que parecia disposto a tudo pelo objeto de sua admiração.
Arnaldo Baratta, com voz rouca, gritou: "Stella! Stella! Stella!" O espetáculo terminou, a sala quase explodiu em aplausos. O jovem levantou-se, aplaudindo energicamente. Paulo saiu de trás das cortinas e começou a se mover suavemente em direção ao garoto. A cortina se fechou, os aplausos cessaram e a platéia aproximou-se da porta. Apenas o jovem cupido seguiu na direção oposta, subindo contra a corrente. Paulo correu atrás dele, mas a multidão que se acumulava nos corredores estreitos não deixou que ele passasse. Ao todo, poucos metros o separavam do menino, mas eram metros impenetráveis numa selva humana.
De repente, o admirador se virou e viu Paulo. Em seu rosto parecia fulgurar o medo, o pânico, o terror. Ele, com força total, começou a infiltrar-se através dos corpos humanos, tentando escapar do ator. Paulo acelerou a perseguição, queria por todos os meios necessários alcançar aquele jovem admirador. Naquele momento, ele estava possuído não apenas pelo desejo, mas também por uma curiosidade insaciável. Ele não conseguia descobrir quem ele era. Por que fugira?
A perseguição, que durou alguns minutos, terminou com a derrota do ator. O cupido correu do hall ao foyer, e Paulo saltou para lá somente alguns segundos depois. No entanto, o admirador não estava mais lá. O ator correu em vão de um canto para o outro, na esperança de encontrá-lo entre platéia. Ele esperou até que o salão estivesse vazio e então viu o auditório. Não havia ninguém lá. A tristeza apoderou-se de sua alma, ele queria ficar bêbado.
Paulo não conseguia dormir à noite, o jovem bonito preenchia seus pensamentos. Durante a perseguição pelo teatro, ele pôde ver seu rosto mais claramente. Parecia-lhe já tê-lo visto em algum lugar. Mas onde e quando? Em sua memória sobrepunham-se cenas diferentes.
"Provavelmente em uma das festas de teatro", sugeriu ele.
Artistas gostam de relaxar e se divertir. Às vezes a diversão se tornava uma bebedeira, senão numa orgia. Às vezes a mobília do teatro era quebrada, embora eles festejassem no templo da artes. Às vezes, comemoravam os aniversários em restaurantes. Haviam também muitas pessoas diferentes. Talvez numa daquelas noites Paulo tenha conhecido o rapaz. Seu rosto parecia muito familiar.
Era quinta-feira. Apesar de ser no meio da semana, o espetáculo «Otelo» tinha sala quase cheia, porque se tratava-se de Sua Majestade William Shakespeare. Violetta interpretava a jovem Desdêmona, acabara de voltar da Tailândia, onde passou quase um mês a bronzear-se na praia. O papel do Mouro lhe seria mais conveniente, tanto na aparência quanto no caráter. Aquela mulher não hesitaria em mandar para o caixão quem atravessasse seu caminho. Arnaldo, claro, interpretava Otelo. Na temporada anterior, quando fez este mesmo papel, na última cena quase teve um ataque cardíaco e não conseguiu sufocar Desdemona. Violetta então brincou dizendo que queria fumar, enquanto esperava pelo sufocamento.
Paulo atuava como Brabantio, pai de Desdêmona, mas queria muito o papel do mouro para estrangular com suas próprias mãos aquela fúria viciosa. Em uma cena, ele teve a oportunidade de olhar para o corredor, e notou, novamente, seu fã sentado na cadeira mais distante, como de costume. Ele decidiu que desta vez não iria esperar até o final da peça e que capturaria o jovem admirador durante a apresentação.
Aproveitando um momento em que não estava em cena, Paulo escapou para o auditório, esgueirando-se por detrás de uma cortina e ocultando-se ali. Chamou uma velha funcionária do teatro que estava ali perto e lhe pediu que fosse até o jovem e lhe dissesse para ir ao vestíbulo.
"Aquele menino de terno cinza, não explique nada e diga a ele que é um assunto urgente!", o ator deu as instruções.
"Tudo bem, senhor Paulo", disse a velha, e rastejou na escuridão.
Ela se aproximou de homem que parecia ter entre trinta e cinco e quarenta anos e estava sentado logo atrás do admirador. Para ela, aquele homem também era um menino e, na escuridão, não conseguia distinguir as cores. O espectador desavisado, no entanto, levantou-se e seguiu a mulher.
"Velha tola!", exclamou Paulo. Ele pulou de trás das cortinas e passou correndo por eles em direção ao seu admirador. Ele não se importava com o fato de que o seu traje medieval pudesse atrair a atenção dos espectadores. Havia apenas uma chance de pegar aquele jovem demônio e descobrir quem era ele. Correndo para a cadeira, Paulinho logo descobriu que não havia ninguém lá, estava vazia. O admirador simplesmente desapareceu no ar como uma miragem.
Nesse momento, uma sobrecarga de energia atingiu a cabeça do artista, como se em algum lugar do subconsciente um gêiser tivesse ressurgido, carregando correntes de memória. De repente, Paulo se lembrou do belo rapaz. Há vinte anos, ele, junto com um grupo de estudantes, seus colegas de classe, passara as férias em algum lugar no litoral. Ali, ele começara um romance com um dos amigos. Agora ele não tinha dúvidas de que seu admirador era o garoto.
"Qual era o nome dele? Fabio, Flávio, Fernando?" Ele tentou recuperar os restos de memória.
Seu relacionamento durou apenas uma semana. Foi, talvez, a semana mais feliz de sua vida, embora mais tarde ele tentasse de todas as maneiras esquecer isso. Nenhum dos colegas sequer suspeitavam que eles eram amantes. Conseguiram disfarçar, com habilidade, e assim esconder do mundo seu pequeno segredo.
Uma noite todo o grupo ficou muito bêbado. Com a superestimulação provocada pelo álcool, decidiram dar um mergulho no mar à noite. Houve uma tempestade violenta, o menino de Paulo morreu, batendo a cabeça contra as rochas. Uma forte onda jogou-o no recife, que era difícil de ver à noite. Agora Paulo se lembrava de ter proposto a todos aquele banho de mar.
"Não foi minha culpa! Não sou culpado!" ele gritou, jogando as mãos teatralmente. Quando acordou, viu que estava em pé no meio da sala em absoluto silêncio. Todos, incluindo os atores da cena, quietos e espantados, olhando para ele. O ator gesticulou confusamente, pediu desculpas e acelerou em direção à saída.