Uma Vida Azul - Capítulo IV: Infância
Vinte anos atrás a pequena Deb brincava no parque com Billy, seu cãozinho de estimação. Eles estavam em sintonia entre jogar e buscar o graveto. Incansáveis, repetiram o gesto por pelo menos quarenta vezes. Após seu pai chamá-la de volta para o banco onde estava sentado, Deb prendeu a guia na coleira de Billy. A coleira era feita em couro, com adornos azuis celeste e um pingente em formato de losango, onde na frente lia-se 'Billy' e atrás o nome de Deb, junto a seu endereço.
Segurando a mão de seu pai com uma das mãos e a guia de Billy com a outra, Deb caminhava rumo ao carro do pai, no fim daquela tarde ensolarada de verão. Se soubesse que aquela era a última oportunidade de brincar com Billy talvez tivesse dado um pouco mais de intensidade ao momento, ou talvez vivesse aquele dia exatamente como fizera. Talvez, se ao invés do carro, tivessem ido de metrô, ou se o motorista do caminhão não tivesse trabalhando há mais de setenta e duas horas sem dormir, tudo tivesse sido diferente, mas tudo ocorreu exatamente daquela forma, entraram no carro, avançaram cerca de sete quilômetros antes de Deb dormir após uma longa buzina e acordar no hospital, sem seu pai e sem seu cãozinho.
...
Outra buzina tão alta quanto àquela fatídica trouxera Deb de volta ao presente. Ela estava no carro de um estranho, fugindo sabe-se lá do que, debaixo de toda aquela chuva. Esperava que fosse só mais um pesadelo, mas, consciente, sabia que não podia contar com isso. Lembrou por um minuto do animal que invadira seu quarto. Por um momento teve a impressão de ter visto a coleira de Billy no pescoço daquela criatura. Sabia do quão improvável era aquilo, mas, diante de tantas coisas improváveis, decidiu não duvidar de mais nada naquela noite.
-- Chegamos, disse o homem colorido.
Deb virou-se assustada, como quem nem lembrava dele. Assentiu com a cabeça, desceu do carro e fitou o lugar em um desespero interior. Estavam no parque do Ibirapuera, mesmo lugar onde Deb se despediu de Billy e de seu pai, onde não voltara nos últimos vinte anos.