1083-O TESOURO ENTERRADO

Histórias da Vovó Bia.

— Era uma vez um lavrador viúvo conhecido por Seu Juvêncio, que tinha um filho levado da breca. O pai procurou educar o filho dentro de suas possibilidades, e com o próprio exemplo, mandando-o à escola e ensinando-lhe as lides agrícolas.

Assim começou vovó Bia a contar uma história aos netinhos. Era tempo da seca, agosto poeirento e enevoado pelas queimadas. As noites após o jantar eram de preguiça e malemolência. Dorinha, Tavinho e Carlinhos sentavam-se no chão do alpendre da grande casa da Fazenda Palmital, aos pés da bondosa avozinha para ouvir mais uma de suas histórias.

— Mas o garoto era malandro, e malandro cresceu. Ajudava o pai, durante o dia, nos serviços do sítio, e de noite ia para cidade encontrar com os amigos, como dizia ao velho.

Para grande desgosto do pai, Malvino (assim se chamava seu filho) começou a andar com más companhias e virou ladrão. Coisa que o pai só veio saber quando Malvino foi preso. Condenado a alguns anos de prisão, cumpria pena em uma penitenciaria estadual.

Foi um baque muito profundo para o Seu Juvêncio. Com mais de sessenta anos, agora tinha de cuidar sozinho do sitio, sem a ajuda do filho, que apesar de tudo trabalhava bastante, principalmente nos serviços mais pesados.

Chegou o tempo de plantar o mandiocal. Labuta pesada, que exigia o revolvimento da terra da pequena eira destinada ao plantio da mandioca.

Seu Juvêncio, que guardava ainda a capacidade de ler e escrever, coisa que aprendera há mais de cinquenta anos, decidiu escrever ao filho para uma tomada de opinião.

Escreveu:

“Meu filho, você me faz uma falta muito grande aqui no sítio. Agora está no tempo de plantar mandioca e era você que, com o enxadão, revolvia a terra para o plantio. Como não aguento mais a fazer este serviço, estou pensando em pedir aos vizinhos para me ajudarem num mutirão. Que é que você acha?”

Malvino escreveu uma resposta que enviou com urgência ao pai. Dizia na carta:

“MEU PAI, NÃO FAÇA ISSO. Não deixe ninguém mexer naquele pedaço de terra, pois vão achar o tesouro que ali enterrei. Se o senhor não puder cavoucar o terreno, não deixe ninguém fazer isto.”

Seu Juvêncio ficou muito intrigado com a história. Não se lembrava de ter contado para ninguém, mas sabem como é, sempre tem alguém que descobre um segredo e passa adiante frente.

Assim foi que o delegado ficou sabendo da história, e mandou todo o contingente sob sua responsabilidade, seis homens bem dispostos, cavoucar o terreno do sitio de seu Juvêncio.

— Quem achar o tal tesouro vai ter um bom premio — Prometeu o delegado aos seus soldados.

Chegaram cedo os soldados amontoados no jipe do delegado, armados não de espingardas ou revólveres, mas de enxadas, enxadões e picaretas. Desceram rapidamente do jipe e um deles, que parecia o chefe da equipe, falou grosso e alto para seu Juvêncio:

— Viemos buscar um tesouro que seu filho enterrou aqui no sítio.

— Mas... Não, não pode ser! Meu filho nunca enterrou nada aqui.

Atarantado, seu Juvêncio não sabia o que fazer, mesmo porque os soldados foram logo metendo mãos à obra. E justamente no local onde seu filho disse que tinha enterrado o tesouro — o campinho onde deveria plantar mandioca.

Foram metódicos, a fim de não deixarem um palmo de terra sem ser cavoucado. No meio do dia chegaram à metade do terreno. Pararam pra comerem umas quitandas e atacaram de novo. Quanto mais cavoucavam, mais empenho colocavam, pois acreditavam estar se aproximando do local do tesouro. Já era bem de tardezinha quando terminaram de revirar todo o terreno.

NÃO ENCONTRARAM NENHUM TESOURO. Nem mesmo um saquinho de couro, ou uma caixa de sapatos com algum objeto que pudesse valer algo. Nada.

Encostaram seu Juvêncio na parede e perguntaram-lhe, com modos ameaçadores:

— Diga aí, seu velho caduco, onde seu filho enterrou o tesouro?

— Eu não sei de nada! Ele tá preso na penitenciária, vão perguntar pra ele.

— Não se faça de esperto. Amanhã voltaremos e vamos revirar o sitio inteiro.

Seu Juvêncio tremeu nas pernas, quase caiu.

— Num tem tesouro nenhum. Quem falou proceis que tinha?

— Não interessa. Amanhã a gente acha!

Montaram no jipe e foram embora.

Na manhã seguinte, conforme prometido, voltaram. Não mais os seis soldados, mas o próprio delegado e dois praças. Desceram do jipe e o delegado ordenou-lhes:

— Andem por todo o sitio, veja onde tem sinal de terra escavada recentemente. Não precisam mexer em nada, é só procurar uma cova recente. Eu vou falar com o velho.

Com muito jeito, conseguiu que o velho mostrasse a primeira carta que ele escrevera ao filho.

— E a resposta? O que foi que o Malvino respondeu?

Seu Juvêncio não teve como esconder a resposta do filho. Mostrou-a ao delegado.

Num instante o delegado percebeu a esperteza de Malvino. Mas não falou nada.

— Tá bom, seu Juvêncio, Vou parar com essa investigação. Pode ficar sossegado.

Da porta da cozinha, gritou para seus comandados:

— Podem voltar! Não precisam procurar mais nada!

Os guardas apareceram, subiram no jipe com o delegado, que o manobrou e partiram de volta à cidade. Durante todo o percurso, o Delegado guardou o mais absoluto silêncio.

Á noite, Seu Juvêncio, abalado pela presença dos soldados no dia anterior e pela “visita” do delegado de polícia naquela manhã, acendeu o lampião e aumentou a luz ao máximo, para escrever a seguinte carta ao filho:

“Meu filho Malvino: fiquei muito assustado com a polícia que teve aqui no sítio procurando o tesouro enterrado, que você me falou na carta. Eu não falei nada prá ninguém e não sei como o delegado ficou sabendo. Eles cavoucaram todo o campinho de plantar mandioca e não encontraram o tesouro. Agora estou com medo que eles voltem de novo prá outra procura. Que vou fazer se eles voltarem de novo?”

Na manhã seguinte, seu Malvino foi à cidade e colocou a carta no correio. A resposta veio rapidamente.

Malvino escreveu:

Meu pai, não se preocupe, a polícia não vai procurar mais nada no sítio. Eu fiz o que pude, estando preso e sem poder ajudá-lo. Mas agora o senhor pode plantar as ramas de mandioca sossegado, que o terreno já esta pronto.

Seu filho Malvino.

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Dorinha e Tavinho estavam de olhos arregalados. Carlinhos esfregou os olhos sonolentos (acordando de um cochilo).

—Acabou, vovó?

—Sim, Carlinhos. Agora vamos pra dentro e...

— O Malvino, além de ladrão, era mentiroso. Pregando aquela mentira no pai, que tinha tesouro escondido no terreno. — disse Dorinha.

— Sim, ladrão ele era, mas ele usou foi de esperteza.

—Uai, vovó, todo mundo acreditou na mentira dele.

—Era isso mesmo que ele queria. A polícia queria encontrar o tesouro e cavoucou o terreno onde seu Juvêncio queria plantar a mandioca. A polícia acabou fazendo o serviço que o filho, Malvino, deveria fazer para seu Juvêncio.

— AH, bom. Se foi assim, ainda vai...

— E lembrem-se, isto é apenas mais uma história para distrair vocês.

— Tá! Agora vou escovar os dentes prá dormir. – Disse Dorinha. — Benção, vovó.

— Eu também! Bença, vovó! — gritou Carlinhos, correndo na frente.

— Bença, vovó. Té manhã. — Tavinho disse, levantando-se bem devagar,

Vovó Bia sorriu e levantou-se para também se recolher.

— Deus os abençoe, meus queridos.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 25 de Agosto de 2018.

Conto # 1083 da SÉRIE INFINITAS HISTÓRIAS.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 05/12/2018
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