A NEVOA DO TERROR

O NEVOA DO TERROR

PEDRO HARTHUR GUTMANN retornava de Caxias do Sul, rumando para Montenegro. Ao tentar encurtar o caminho pegou um atalho, por uma estrada de chão batido. Tal estrada iniciava na cidade de Bom Principio, passando por Harmonia, terminando em Montenegro.

Já havia rodado aproximadamente cinco quilômetros, pela estrada vicinal, quando é surpreendido por um denso nevoeiro. Quanto mais avançava mais denso ficava o nevoeiro. Por não enxergar mais nada a frente, resolveu parar o automóvel, o que naquele momento, era o mais recomendável para evitar acidente. Permaneceu dentro do carro a espera da dissipação da nevoa. Já haviam passado mais de uma hora, de repente, cães começaram a ganir e uivar de uma maneira incomum e apavorante, quando Pedro é surpreendido por uma mão que fora espalmada sobre o vidro lateral esquerdo do carro.

Seus cabelos ficaram em pé, sua mão trêmula, alcançou a manete de abrir a vidraça, ele baixou o vidro, logo apareceu o rosto de um homem velho, de seu rosto sobressaiam rugas a decrepitude era evidente, que lhe disse:

- Está perdido? Ou está esperando o nevoeiro passar?

- Esperando o nevoeiro passar. O senhor mora por aqui?

- Sim, minha casa fica logo ali à frente, você não a pode ver por estar encoberta pelo nevoeiro. Convido-o a dar uma chegada à minha casa, às vezes o nevoeiro leva várias horas para se dissipar.

- Sendo assim, aceito o seu convite.

Pedro desceu do carro e pode ver o seu interlocutor. Um homem que deveria ter mais de setenta anos, magro, corpo arqueado, cabelos longos no entorna da cabeça, calva no topo, olhos azuis, a barba por fazer. Uma verruga na lateral esquerda da face, de onde saiam três fios de cabelo encaracolado.

No canto da boca um palito, que se movimentava, entre os lábios, quando ele falava.

O homem estendeu a mão para cumprimentá-lo, mas ele não retribuiu o gesto. Recolheu a mão estendida e seguiu o homem. Caminharam alguns passos e ele pode ver a casa. O prédio era de pedra cinzenta, a parte central alta e duas alas laterais curvas. Em uma des alas, as janelas estavam quebradas e cobertas com tábuas. O telhado desabado, as paredes esburacadas. A parte central estava ligeiramente melhor que as alas laterais. Um grande alpendre, todo em madeira, que era alcançado por uma escada de três degraus, davam acesso a parte central.

O homem velho caminhava à frente, aparentando grande dificuldade para se manter de pé. De quando em vez, colocava a mão sobre os quadris, como para aliviar a dor que possivelmente sentia nos rins.

Quando na porta da casa ele a abriu e o convidou a entrar. Uma senhora vestida de preto e coberta por um véu espesso, sentada junto à janela, levantou-se quando ambos entraram.

Sua pele, como a do homem, era pálida. O convidado se aproximando da velha, lhe disse:

- Boa tarde senhora! Estendendo-lhe a mão, para cumprimentá-la. Novamente o gesto não é correspondido e Pedro encolheu o braço, e disse:

- Nunca vi um nevoeiro tão denso como o que está lá fora. Fui convidado por este senhor para aguardar a sua dissipação em sua casa, fico muito grato por isso.

A velha fazendo uma mesura disse:

- Esteja à vontade senhor, tal neblina às vezes custa a passar.

O anfitrião puxando uma cadeira do lado da mesa, disse-lhe:

- Sente-se meu jovem e fique a vontade.

Ele sentou, o mesmo fez o velho sentando-se do outro lado da mesa.

Ele pode perceber que a velha casa era um labirinto, com corredores, passagens, escadas estreitas e portas pequenas e baixas com soleiras gastas por geração e geração que as haviam atravessado. Não havia tapetes e nenhum sinal de mobília acima do andar térreo, o reboco caía das paredes e a umidade emergia em manchas esverdeadas, de aspecto doentio. Ele tentou manter uma aparência desligada.

Nesse momento a senhora pediu licença e foi para a cozinha, dizendo que ia preparar um café.

- Meu jovem o que você faz para ganhar a vida? Perguntou o velho.

- Sou vendedor praxista, vendo ferramentas para uma empresa da capital.

- E você ganha bem nesse seu trabalho?

- O suficiente para levar a vida.

- Sabe meu rapaz! Que nesta região há um tesouro enterrado em uma caverna? Diziam meus antepassados que os jesuítas quando estavam fugindo, deram uma parada estratégica e esconderam seus tesouros nessa dita caverna e continuaram a fuga. Contam que quando foram presos já tinham andado tanto que foi impossível seus perseguidores descobrirem onde tinham escondido o tesouro.

- É eu já ouvi histórias semelhantes, mas nunca ninguém realmente descobriu o tal tesouro.

O velho levantou-se e entrou em um dos cômodos e logo retornou trazendo algo na mão. Quando próximo da mesa colocou a mão sobre ela e largou cuidadosamente algo. Quando retirou a mão lá estavam três dobrões de ouro espanhol.

O rapaz pegou um dos dobrões e o examinou detidamente e disse:

- Parecem verdadeiros.

- Sim, são verdadeiros. E, de onde estes saíram há mais, inclusive esmeraldas, pedras preciosas, diamantes e moedas de prata.

- Quer dizer que o senhor encontrou o dito tesouro?

- Sim e não. Meu avô o encontrou e antes de morrer me revelou onde eu poderia encontrá-lo. Estas moedas me foram dadas por ele, no momento da revelação, mas nunca pude procurá-lo, pois o acesso é difícil e o tesouro deve ser muito pesado. E eu sou um homem velho, falta-me força para tal tarefa.

O jovem ouvindo isso pegou novamente o dobrão e o examinou. Soltou-o sobre a mesa e disse:

- E se eu lhe ajudasse no transporte do tesouro o que ganharia?

- Eu é que lhe pergunto quanto quer para me ajudar a transportar o tesouro?

- Ora! Isso vai depender do tamanho do tesouro e da dificuldade que vamos ter para transportá-lo. Portanto é necessário que vejamos o tesouro, para depois tratarmos do negócio.

O velho coçou o queixo, pigarreou e disse:

- Eu lhe dou estas três moedas de ouro, por um trabalho de no máximo meio dia.

- Aceito os três dobrões de ouro, como sinal de pagamento, depois de ver o tesouro, faremos o negócio.

- Sendo assim, temos de ir até a caverna. Mas, antes tenho de lhe dizer que teremos de enfrentar alguns obstáculos para chegar ao tesouro.

- Como assim? Ele não está na caverna, sendo difícil apenas o transporte?

- Não, não é assim tão fácil, para chegarmos ao tesouro temos de vencer alguns obstáculos. Nada que um homem jovem e forte não possa superar.

- Diga-me quais são esses obstáculos, de que se trata? Subidas íngremes, fossos profundos, o que mais seria?

- Vamos ao local, após ver o tesouro, poderás avaliar os riscos a correr para obtê-lo.

- Se desejar, podemos partir imediatamente. Qual a estimativa de tempo para o trabalho?

- Pouco mais de três horas, se tudo der certo.

- O que devemos levar?

- Nada, além de uma lamparina para enxergar no interior da caverna e a força necessária para transportá-lo.

- Então não vamos mais perder tempo.

- Não poderá ser hoje, já passa das dezessete horas, logo irá escurecer e nesse nevoeiro certamente vamos nos perder. É sensato que o façamos amanhã cedo.

- Mas eu não posso permanecer à noite fora.

Mas considerando que hoje é sexta-feira, eu vou ligar para a minha casa e dizer que vou ficar em Caxias e que retorno amanhã pela tarde.

- Conte-me mais sobre o tesouro, que valor o senhor lhe atribui?

- Não sei quanto vale um dobrão de ouro, nem a prata e as demais peças. O baú em madeira de lei deve ter uns cinquenta centímetro de frente, trinta de largura e quarenta de profundidade, é o que o meu avô me disse. E me garantiu que está cheio.

- E o que o senhor pretende fazer com tal tesouro?

- Na verdade eu não sei, eu e minha mulher vivemos aqui sozinhos, não temos parentes vivos, temos o suficiente para, como você diz, levar a vida. E você que faria se tivesse o tesouro?

- Parar de trabalhar e gozar a vida, fazer viagens infindáveis pelo mundo.

- Ah! Meus tempos de jovem! Tinha entusiasmo, nenhuma dor, tudo era fácil, mas o tempo vai passando e o entusiasmo encolhendo, as dores aumentando, até chegar-se a um ponto em que o viver passa a ser em certos momentos, um sacrifício. Limitações inúmeras, dores infindáveis, insônia entre outras coisas.

As coisas que nos davam satisfações e prazeres ficam escassas, e às vezes, não mais ocorrem.

Nesse momento entra na sala a velha senhora, portando uma bandeja com café e pão frescos.

O velho riscou um fósforo e acendeu o lampião que estava sobre a mesa e disse:

- Logo, logo estará escuro.

Após o refaz, o velho disse ao convidado:

- Nós costumamos dormir cedo e cedo levantamos, queira me acompanhar até o quarto em que irá dormir.

Ele deu boa noite, a senhora e seguiu o velho, que o levou para a ala direita da casa. Era um quarto pequeno e modesto, com o teto baixo e uma lareira aberta, à maneira das velhas casas de campo. Em um canto, uma cômoda escura, uma cama coberta por um cobertor cinza, em uma das paredes, uma penteadeira, à esquerda da janela, era toda a mobília, com duas pequenas cadeiras de vime e um tapete no centro do quarto. As tábuas do assoalho e o forro eram de carvalho escuro, tão velho e desbotado que deveria datar da construção da casa. A janela do quarto estava tapada com tábuas fortemente pregadas. Um candeeiro sobre o criado mudo, com sua luz bruxuleante, tornava o local lúgubre. Puxou uma das cadeiras para um canto e sentou. Deixou os olhos correrem em volta, observando todos os detalhes do cômodo. Interrogava-se; de onde vêm essas influências misteriosas que transformam em desânimo nossa felicidade e nossa confiança em angústia?

Apagou então o candeeiro e ficou no escuro, tinha certeza, pela profundidade do silêncio, que estava no campo e em um lugar onde não passava nenhum carro, embora fosse o inicio da noite.

Levantou-se e andou de um lado para o outro cantarolando baixinho para espantar o medo que estava sentindo.

Jamais poderia esquecer aquela vigília horrível! Não ouvia nada, nada enxergava.

De repente, sem o menor som preliminar que servisse de aviso no silêncio total, a porta do quarto abriu-se lentamente. A mulher surgiu na abertura, à escuridão do corredor às suas costas, a luz amarela da lamparina que trazia a mão, caindo sobre seu enrugado e aflito rosto. O incauto viu logo que estava aterrorizada e o sangue gelou em suas veias. Ela ergueu um dedo trêmulo para fazer sinal de silêncio, murmurou umas palavras hesitantes, lançando os olhos, como os de um animal amedrontado, para o corredor escuro.

- Eu iria - disse, procurando, ou assim pareceu-lhe, ficar calma. Eu iria. Não ficaria aqui. Não há nenhum bem para o senhor fazer aqui.

- Minha senhora! Estou comprometido com um trabalho que vamos fazer amanhã. - Não posso ir embora sem ajudar no transporte do tesouro - pensou.

- Não vale à pena esperar. - ela continuou. Pode passar pela porta. Ninguém o está impedindo.

E então, vendo que sorri e sacudi a cabeça, abandonou qualquer reserva, avançou, torcendo as mãos sobre o suporte da lamparina implorou:

- Por amor de Deus! Vá embora daqui antes que seja tarde demais!

Pedro era um pouco teimoso por natureza e sempre pronto a se envolver em alguma coisa quando há algum obstáculo no caminho. Pensou no tesouro e respondeu-lhe que não pretendia ir e que estava disposto a terminar o trabalho com o qual se havia comprometido. Ela em voz trêmula disse:

- Tentei ajudá-lo, faça o que entender ser correto.

Afastou-se puxando a porta e a fechou. De volta à escuridão completa, seus pensamentos o levam a uma análise de tudo o que estava acontecendo:

- Essa mulher poderia até ser uma louca – pensou ele. Ficou firme, embora ela o tivesse abalado mais do que queria confessar, abanou novamente a cabeça e declarou sua firme intenção de ficar onde estava.

- Minha mulher acha que estou em um hotel de Caxias. O casal de velhos, como ele disse, não tem nenhum parente vivo, nunca tiveram filhos, não sabem o que farão com o tal tesouro. Oh! O quanto eu poderia fazer com tanto dinheiro. O velho pode escorregar cair de um barranco, a velha nada sabe sobre mim.

E assim pensando conciliou o sono após várias horas de vigília.

Na manhã seguinte, cedinho o velho o estava chamando:

- Vamos levantar, temos muito que fazer hoje, o dia já está clareando. O café já está servido.

Ele levanta-se, coçando os olhos que estão pregados pelo sono matinal.

Quando chega a sala o velho já o esperava de pé, lhe disse:

- Tome o seu café, necessitará de força durante o trabalho.

O velho pega o seu bastão e uma maleta de lona. O bastão o ajudaria a se manter de pé, representando um terceiro apoio e, assim, eles partem.

O dia que recém clareava, dava nota de que o nevoeiro persistira e estava como estivera no dia anterior, denso e úmido.

O jovem segue o guia, pois o caminho era apenas conhecido por ele. O denso nevoeiro parecia ter se acentuado mais, desde que, havia chegado.

PEDRO HARTHUR GUTMANN

Aos seu vinte e oito anos, era casado com Márcia Lima Gutmann, há três anos. Ele um vendedor praxista e ela uma odontologa. Ele um rapaz proveniente de uma família pobre, apenas cursara o segundo grau. Ela única filha de um rico industrial do ramo de plásticos, possuindo também uma grande fazenda de criação de gado para reprodução.

Quando eles se conheceram ela ainda estava na universidade e ele já trabalhava como vendedor. A família foi terminantemente contra o casamento. Pois, além da diferença de classe social, o pai e a mãe de Márcia, não simpatizavam com o rapaz. O pai alegava que o rapaz não o olhava nos olhos, por isso não lhe tinha o menor apreço. Mas eles continuaram o namoro. As condições para que o pai aceitasse o casamento foi de que deveria ser com total separação de bens. E, a concepção de filhos somente após cinco anos de casados. Assim foi realizado o consorte, logo após a formatura de Márcia.

Ela montou uma clínica dentaria e se pôs a trabalhar. De inicio poucos clientes, mas logo ela fez um convênio com a indústria do pai e passou a trabalhar como odontologa na indústria, além do trabalho no consultório que prosperou sensivelmente. No segundo ano de casados, Márcia trabalhava diariamente até as vinte e uma horas. Quando Pedro chegava de viagem ela nunca estava em casa.

O relacionamento dos dois foi esfriando, a paixão menos intensa dava lugar a constrangimentos, pois Márcia freqüentava reuniões e festas com outros odontólogos e quando ele a acompanhava, não conseguia se inserir nas conversas, que sempre versavam sobre a profissão comum aos partícipes. Ela, além de rica, ganhava quatro vezes mais do que ele, no exercício da profissão. Isso o estava deixando em conflito consigo mesmo. Passou a se esquivar de sair com ela, em festas e reuniões.

Certo dia ele estava na empresa antes de viajar e naquele momento estava tomando cafezinho, quando se aproxima a recepcionista da empresa. Ele a conhecia de vista, apenas lhe dirigindo o cumprimento de bom dia e boa tarde. Ela olhou para ele e ele para ela se cumprimentou e iniciou uma conversação, dizendo ela:

- Você é da equipe de vendas, estou certa?

- Sim, sou um praxista. Você é a recepcionista?

- Sim, já nos conhecemos de vista.

A conversa ficou animada e no final eles trocaram números de celulares.

Quando ele tinha uma folga em suas andanças pelo estado, sempre telefonava para ela e conversavam por alguns minutos, até que ele a convidou para sair, dando assim inicio a um relacionamento extraconjugal.

O relacionamento com sua esposa ficara cada vez mais frio, ao passo que com a amante estava cada vez mais quente.

Marta Vasconcelos, uma moça solteira, o agradava de forma que o levava a pensar em abandonar a esposa e ficar com ela. Mas isso seria perder as benesses da riqueza da esposa. Ele queria esperar os cinco anos para a concepção de um filho, assim os velhos o reconheceriam como genro dando-lhe maior importância.

Por isso, e só por isso, ele manteve o casamento.

A PROCURA DO TESOURO

A subida era íngreme, os dois caminhavam com passos lentos, mas com a firmeza necessária. Já haviam partido a mais de meia hora. A subida entre morros e escarpas era fatigante, eles caminhavam com lentidão e firmeza. De repente o nevoeiro ficara por baixo dos seus pés, podiam ver a cadeia de montes e montanhas onde estavam. Olhando para baixo nada viam apenas uma névoa densa e branca. O velho parando, disse ao jovem:

- Vamos descansar você está extenuado, deverá poupar suas forças para a descida. Está vendo aquela vegetação mais escura lá ao longe. Lá está a caverna e o tesouro.

O rapaz se deita sobre uma pedra, fecha os olhos e fica pensando:

- O velho deve ter mais de oitenta anos, já viveu tempo até demais. O que fará com o tesouro, nessa altura de sua vida. Eu sim tenho todo o tempo necessário para desfrutar de tal riqueza. Além do mais, ele certamente me quer fazer de burro de carga e no final me dará alguns trocados. Se estiver pensando isso, está muito enganado.

- Vamos prosseguir meu jovem, o descanso já foi feito.

- Eu tinha dado uma cochilada e nem vi o tempo passar.

No prosseguimento da caminhada eles se depararam com um penhasco de mais de trinta metros de profundidade. Teriam de passar muito próximo da barranca, uma vez que a vegetação estava logo no costado. O jovem diz ao velho:

- Acho que não poderei prosseguir, eu tenho medo de altura.

- Não seja frouxo, é só não olhar para baixo e pensar que está longe do barranco. Eu irei à frente para lhe dar coragem.

Ele pensa “Velho idiota eu ter medo de altura, só vale como piada.”

Mais quinze minutos de caminhada e chegam à vegetação que lhes interessava. O velho se enfia entre galhos densos e avança no meio da vegetação. O jovem o acompanha de perto. Alguns minutos depois eles chegam à entrada de uma grande caverna. O idoso acende a lamparina de mão, eles avançam no interior da caverna. Chegam a um salão, onde a caverna se dividia em três entradas. O velho parou e disse:

- Aqui você terá de escolher qual delas você quer entrar.

- Como assim! Você é que tem de saber onde está o tesouro e não eu. Eu só estou aqui para transportá-lo para o senhor mediante uma paga.

- Eu lhe disse que haveria alguma dificuldade, esta é a primeira.

- Como assim, haverá mais dificuldades?

- Sim, o transporte de todo o tesouro, retornando por aonde viemos, só que desta feita levando um peso enorme.

- Dá-me à lamparina que vou dar uma espiada nas três entradas, para ver se enxergo alguma coisa no interior delas- disse Pedro.

O guia lhe entrega a lamparina, ela passa a iluminar o interior da primeira entrada. A grande profundidade não o deixa enxergar o seu final, nada que pudesse ser reconhecido como uma urna com o tesouro foi visualizado. Assim ele verificou todas as três entradas. O velho lhe disse:

- Terá de entrar em uma delas primeiro e ir até o seu final, lá encontrará o tesouro.

- Diga-me como você sabe que há um tesouro em uma delas, se não sabe em qual delas ele está?

- Tudo o que lhe disse, meu avô me revelou antes de morrer, me dando aqueles dobrões. Confesso que cheguei até aqui onde estamos, mas nunca tive coragem suficiente, talvez por estar sozinho, de prosseguir além deste ponto.

- Pois bem eu vou entrar na primeira e ver no que dá.

Ele com lentidão e cuidado avança passo a passo.

E finalmente ele chega ao final. A entrada terminava em um pequeno salão onde desembocavam as três entradas. E lá estava a urna de madeira. Iluminou demoradamente o entorno do baú de madeira, viu que não havia qualquer fechadura, com a mão direita, iluminando com a esquerda, ergue a tampa, e lá estava o tesouro, mais volumoso do que era esperado. Dobrões do ouro, colares de pedras preciosas, peças em prata e ouro, moedas de prata e diamantes. Após haver revirado todo o conteúdo do achado. Voltou a fechá-lo baixando a tampa. Tentou movimentá-lo, mas o peso era superior as suas forças. Ele senta sobre o baú e colocou-se a pensar.

“E agora o que vamos fazer? Posso dizer ao velho que aqui não há nada. Entro nas outras duas e digo o mesmo. Marco o caminho de volta e daqui a algum tempo retorno e levo o tesouro. Em outro caso posso levar o baú com menos da metade do conteúdo, e retornar posteriormente, para levar o resto.

Assim pensando resolve levar uma parte e deixar a outra de maior tamanho, para levar posteriormente. Abre o baú e sobre uma luz fantasmagórica, começa a retirar as peças mais significativas e colocá-las sobre uma pequena elevação no fundo do pequeno salão, onde havia vários espeleotemas. Enquanto trabalhava, pensava:

“De posse dessa fortuna, poderei separar-me de Márcia e ficar definitivamente com Marta, dando uma figa para velho nojento do meu sogro.

Quando terminou o trabalho, ele arrastou o baú até a entrada onde estava o velho, lá chegando disse:

- Aqui está o seu tesouro, como vamos fazer para levá-lo daqui?

O velho abriu a tampa do baú e vendo o seu conteúdo disse:

- É o suficiente para qualquer homem se ajustar na vida. Respondendo a sua pergunta, como vê, eu não o posso transportar, para movimentar o meu corpo eu já sofro, que dirá se levar uma carga dessas. Essa é a sua missão, resolva como irá transportá-lo, aqui está uma maleta de lona, pode usá-la se achar conveniente.

Ele olhou para o velho fez uma cara irada e começou a retirar o conteúdo do baú e colocá-lo na maleta. Quando estava vazio, arrastou-o para dentro da caverna, colocando nele o que havia separado. Ao retornar pegou a maleta e a colocou sobre os ombros.

O velho começou a bater palmas, com lentidão mal encostando uma mão na outra, e disse:

- Podemos partir de volta, a estrada é longa e o terreno é acidentado, irei atrás para ver que não perca nenhuma peça. O carregador em silêncio pensava:

“Tenho de marcar bem onde estamos indo, a caverna está à direita do morro que tem em seu topo três palmitos, não posso errar, está tudo muito claro. Bem que o velho poderia despencar no despenhadeiro, quando lá passarmos. Aí eu já ficaria com este carregamento e já posso sair a viajar com Marta, quando este dinheiro terminar eu venho apanhar o resto. Vou perguntar ao velho qual será a minha paga?

- Senhor! Quanto e como pretende me pagar?

- Estou pensando em lhe dar mais dois dobrões de ouro. Acho um pagamento justo para algumas horas de trabalho.

Ele fica sorrateiro e pensativo:

“Mão de vaca, eu sabia que queria me fazer de burro de carga. Mas vai ter o que merece.”

Quando eles passavam pelo despenhadeiro o carregador a frente e o velho há um metro de distância. O homem novo agachou-se alegando que iria amarrar o tênis. Quando o velho chegou perto ele levantou e empurrou o velho no abismo e ficou olhando-o cair e se estatelar a mais de trinta metros, sobre uma pedra. O corpo do velho permaneceu imóvel o que fez com que o homem novo continuasse o seu caminho. Passava das onze horas quando ele adentrou no nevoeiro que já estava mais ameno, conseguia enxergar mais de vinte metros de distância. Ele chega onde estava o carro, lembra que tinha deixado a chave na casa do casal de velhos. Sobe as escadas que levavam ao alpendre e adentra na casa. A velha já o esperava e quando o vê lhe diz:

- Eu sabia que você traria desgraça para nós, por isso queria que fosse embora. O que fizeste com o meu marido?

Ele olhou para a velha e ao mesmo tempo vê uma tranca de ferro, instintivamente pega a haste e lança um golpe fatal na velha senhora, que cai desfalecida. Pega a chave do carro e parte. Ao chegar, abre o bagageiro e nele guarda o produto de seus crimes.

Embarca no carro e sai em disparada, enquanto isso pensa:

“Ninguém me viu nem entrar nem sair deste local, portanto estou retornando de Caxias do Sul. Nunca passei por esta estrada. Tenho de me livrar do tesouro, onde é que eu posso esconder com a máxima segurança? Já sei! No sótão da minha casa, lá é um lugar que somente eu vou, para consertar a antena da televisão. Mas, tenho de deixar tudo no porta-malas até ter uma oportunidade de ficar só. Aí eu o levo para o sótão.”

Passava das quinze horas quando ele chegou, beijou a esposa que lhe perguntou:

- Como foi de viagem?

- Muito boa, sem serração é fácil, ontem não dava para viajar, não se enxergava um palmo à frente do nariz. Hoje pela manhã ainda estava muito densa. Almocei e viajei.

- Eu já estava de saída, vou à casa do papai, minha mãe está doente, vou visitá-la.

Sua mulher saiu e ele foi tomar um banho. Após o banho colocou o tesouro no sótão, pensou em abrir a maleta que estava bem fechada. Resolveu deixar tudo como estava, providenciaria uma caixa de madeira e pregaria a tampa. Com calma deixaria sentar a poeira, depois trataria de comercializar o tesouro peça por peça. E quando tudo estivesse comercializado, voltaria à caverna para buscar o restante do tesouro.

Na semana seguinte se manteve atento as notícias, da morte do casal de velhos, nada foi noticiado. O caso não deu nenhuma repercução, pensou que poderiam ter pensado que o velho teria matado a esposa e desaparecido. Não importava o que acontecesse ele se considerava fora de suspeitas, tinha certeza de que ninguém o vira no local.

Preparou a caixa de madeira, sua esposa estava trabalhando quando ele chegou com a caixa, subiu no sótão e lá estava a maleta, ele a abriu para guardar o conteúdo na caixa e quando a abre somente havia pedras escuras, sem qualquer valor. Ele pensa:

“Como o velho teria trocado o tesouro por pedras e quando o fizera, sem que ele notasse.”

No dia seguinte teria de fazer a Praça de Caxias do Sul, aproveitaria para passar pelo local quando retornasse.

Passava das dezoito horas, quando ele entrara na estrada de Bom Princípio que o levaria à Harmonia, acionou o contador de quilometragem do carro, pois o local seria mais ou menos a cinco quilômetros da entrada.

Lá chegando, diminuiu a velocidade do carro, para achar a casa, havia apenas um cemitério a beira da estrada no local. Já passava mais de sete quilômetros e não havia encontrado a velha casa, resolveu voltar, talvez tivesse passado pela casa sem vê-la. Chega ao cemitério e pára, desce do carro e pára para dar uma examinada no local. Resolve adentrar no cemitério que estava no alto do lado direito da estrada, talvez dali enxergasse a casa. Quando dentro do cemitério ele olha uma capela que se destacava no meio das demais, ela tinha o mesmo estilo da velha casa. A capela era de pedra cinzenta, a parte central alta e duas alas laterais curvas. Ele se aproxima e vê dois retratos cerâmicos. Ele se aproxima dos retratos, lá estão o casal de velhos que encontrara no nevoeiro.

Nisso aparece um homem portando uma enxada e um ancinho, ele se aproxima do homem e diz:

- Bom-dia, senhor. Trabalha no cemitério?

- Sim eu sou o zelador e também o coveiro.

- Posso lhe fazer uma pergunta?

- Sim, esteja à vontade.

- Aquela capela, de pedra cinzenta, quem é o casal que está nas fotos?

- Ah! Essa é uma história antiga, os mais velhos, contam que eles foram mortos por um estranho, por um forasteiro. Eles moravam em uma casa com o mesmo estilo da capela, que foi construída como se fosse a casa.

- Mas a casa ainda existe?

- Não, não a casa era muito velha, desabou e foi demolida.

- Como foi à morte do casal?

- Como eu ia dizendo, o que contam é que o velho sabia onde estava o tesouro dos jesuítas. Dizem que ele convidou o forasteiro, que estava esperando a neblina passar, para ir a sua casa, lá convidou o forasteiro a acompanhá-lo até o local e ajudá-lo a transportar o tesouro. O homem teria matado o velho e depois a esposa dele e levado o tesouro. Sabe como é histórias, apenas histórias. O fato é que o casal foi encontrado morto, o velho teria despencado de um despenhadeiro, a velha morreu com golpe de uma tranca de ferro, que lhe afundou o crânio. Aí deduziram o que poderia ter acontecido. A verdade ninguém nunca soube, outros dizem que o velho matou a velha e depois se suicidou jogando-se no despenhadeiro.

- Ah! Sim, eu entendo.

rocado
Enviado por rocado em 27/10/2018
Código do texto: T6487382
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