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Antonio de Albuquerque

Mistérios na Correnteza

Quatro horas da manhã, do alto a Lupunamanta espargia sobre a Terra sua luz encantadora, chovia, eu e Yúna caminhávamos por uma estrada de barro querendo chegar às catráias a fim de atravessar o braço do rio e entrar na Marina, embarcando com destino às Ilhas Anavilhanas, aonde eu visitaria amigos ianomâmis conhecidos de longas datas que haviam solicitado a minha presença. Yúna é uma cadela Rottweiler, nem a chamo cadelinha porque ela pesa quarenta quilos e adora viajar pela floresta, onde sente-se à vontade dentro da mata fechada caminhando sempre ao meu lado e à noite vigiando a porta da cabana e com o esturro das onças nem pisca os olhos, mas confesso que à noite eu sinto sobrosso até dos estrondos da Samaúma.

Cuide das nossas coisas que eu vou comprar os bilhetes, disse para a Yúna e me afastei. Ao voltar, encontrei conversando com ela, um homem usando chapéu branco e um curumim, estranhei, mas cumprimentei os dois. Abri um saquinho de ração para a Yúna. Percebi que os dois me olhavam, ofereci chocolate, ambos aceitaram e comigo tiveram longa conversa numa língua nativa amazônica. O homem e o menino, conversavam com Yúna. Os olhos do curumim chamaram a atenção por terem brilho intenso sendo amendoados.

Eu me afastei para observar a correnteza do majestoso rio onde peixinhos coloridos se acarinhavam nadando em direção contrário ao movimento da água e daí conclui serem eles mais espertos do que eu. No fundo do rio enxerguei o homem, o menino e a cadela e olhando para trás eles me chamavam para embarcar. Ao entrar no barco pensei ter mais cuidado com os mistérios, especialmente nas viagens para a floresta amazônica. Por quê teria eu enxergado as pessoas e a Yúna na correnteza do rio? Que mensagem seria essa? Aí lembrei-me de perguntar seus nomes, o homem chamava-se Eln e o menino Ben, ambos viajavam para o mesmo lugar que eu viajava. Consciente que coincidência não existe, por certo viajávamos juntos por algum motivo que eu desconhecia.

Na hora do almoço, eles não se serviram, eu também não, mas estando Yúna comendo e eu também, chocolate, os convidei para a refeição e ambos, sorridentes aceitaram. Agitado pelo vento o rio formava imensas ondas e no horizonte nuvens escuras anunciavam chuva, o barco balançando, os passageiros se agitaram. Botos acompanharam o barco, fato esse que gerou alegria e tudo se acalmou. Eu havia percebido que eles seguiam o barco já a algum tempo, fazendo malabarismos para chamar atenção. Eles são assim, adoram as pessoas. Ben e Yúna se empolgaram, ela latindo e o menino conversando com os botos.

O cadenciado barulho do motor trouxe sono e eu na rede adormeci, eram então quinze horas e às dezessete chegaríamos ao furo, “ligação de um rio ao outro” lugar aonde eu deveria desembarcar e caminhando floresta adentro chegar à Aldeia dos descendentes Ianomâmis. Adormeci ouvindo o latido da Yúna e os gritos do curumim em algazarra com os botos. Eln contemplava a margem verde do rio, admirando as tartarugas, tracajás e o voo das alvas garças sobre as cajaranas floridas de carmim.

O Sol declinava formando uma linda tela colorida num entardecer de aroma, esplendor e misteriosos encantos da natureza me fazendo sentir um clarão na consciência. O comandante anunciou que abarrancaria para desembarcar alguns passageiros no furo do Sukuriú. Com a baixa velocidade do barco, Ben e Yúna aproveitaram para pular na água e montando nos botos nadaram em velocidade, Eln sinalizou para mim que estava tudo bem e logo eles voltariam à praia, o que aconteceu em poucos minutos para alegria de todos. O barco seguiu viagem e nós permanecemos acenando da beira do rio de areia alva tal a flor de jasmim. Entardecia e procuramos um espaço para as barracas, visto que logo estaria escuro. Bem situadas as barracas, em poucos minutos estavam prontas para serem habitadas.

Ao entardecer observei pássaros coloridos, enfeitando o céu, entre tantos; araras azuis, maritacas e papagaios voando para os ninhos localizados em magestosas árvores, numa multiplicidade de sons divinais. Alguns tucanos ainda cantavam ritmado no alto das imensas árvores. Escureceu e ouviam-se o coaxar dos sapos, grilos e insetos, depois o silêncio dominou até começar o grito dos guaribas e o som da água deslizando mansamente sobre o leito do rio. Estava tudo sob a força da natureza, e o escurecer cobriu a floresta e a água corrente do rio. A noite na floresta, ouvem-se sons e cânticos que não percebemos durante o dia, visto que os pássaros e animais da noite são outros e no silêncio da floresta existem encantos que às vezes provocam temor. O esturro de animais, quais onças e macacos, parecem próximos, também é quando os grandes repteis vagueiam nas praias e por essa razão armei minha barraca quase em terra firme, embora bem próximo da praia. No alto, a Lua prateava a água do rio e as florestas em torno. Levei um cobertor para o curumim, voltei para a barraca e adormeci entre florestas e rios, sob a luz da Lua e estrelas sentindo paz na minha consciência.

Era manhã, o clarão do Sol anunciava o amanhecer, havia cerração e permaneci na cabana até o dia clarear, quando preparei nossa primeira refeição, Yúna correndo pela praia fez o reconhecimento do terreno e Eln com seu tradicional chapéu foi à pescaria voltando com alguns peixes que assou na folha da palmeira na água e sal. Sendo essa nossa primeira refeição do dia. Agora caminhando pela margem do rio pude observar alguns fenomenos da natureza; uma completa metamorfose, vendo lagartas se transformarem em lindas borboletas e numa área de malva, milhares de borboletas de diversas cores voavam enfeitando o lugar. Senti alegria admirando a perfeição da natureza e o Grande Arquiteto do Universo sentindo-me pequeno como realmente eu sou. Eln com seu chapéu característico e Ben, passeavam montados em enormes botos, quando eu os chamei para entrar na floresta, o que fizeram com alegria de quem volta para casa. Encontramos boa trilha e caminhando seguindo informações do Eln, estávamos próximos da aldeia e paramos à beira de um belíssimo santuário one encontrei com um lago, árvores centenárias e plantas medicinais. O lago tinha a água verde e eu enxergava grandes peixes nadando, e eu nem pensava em tocá-los, para mim o lago se apresentou como um lugar sagrado. Em poucos minutos alguns nativos se apresentaram nos informando que estávamos em seu território e me convidaram a visitar a aldeia em festa, devido a chegada do seu mandatário.

Hospedaram-me numa cabana e ali me contaram histórias, falando das suas tradições e costumes que apesar da minha distância eu era considerado parte daquele povo e sempre que eu quisesse poderia vir à aldeia sendo recebido com todas as honras de um visitante ilustre. Me ofertaram um anel de pedras preciosas e anunciaram para a noite uma revelação e a razão de estarem em festa. Durante a noite numa solenidade com muita dança e bons alimentos me apresentaram a nova autoridade da Aldeia, sendo este o menino Ben, que havia sido raptado e agora trazido de volta pelo misterioso Eln. Foi aí que eu comecei a entender a história e a razão de eu haver me encontrado com o menino na marina. Agora, estava eu voltando à boca do Furo para pegar de volta o barco que me traria à cidade.

Em minha companhia, Yúna, Eln e a saudade do povo hospitaleiro. Aguardávamos o barco, quando botos começaram a se apresentar no rio como se estivessem nos saudando. O Sol brilhava qual uma manzorra de fogo e as nuvens formavam figuras lendárias quais carneirinhos. Eln despediu-se de mim, da Yúna e sem o chapéu que encobria uma abertura misteriosa em sua cabeça, entrou no rio e desapareceu entre os botos em festa revelando sua identidade misteriosa. De repente o barco surgiu no rio, eu e Yúna voltamos do nosso passeio. Dentro do barco eu cochilava na minha rede de fibre e Yúna dormia em baixo, certamente pensando nessa boa e misteriosa aventura amazônica
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Antonio de Albuquerque
Enviado por Antonio de Albuquerque em 10/10/2018
Reeditado em 23/03/2019
Código do texto: T6472881
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