O pacto - Parte I
- Herbert, disse aquele homem num berrante terno avermelhado - palavras são vento. E promessas são fundadas sobre argamassa da pior qualidade. Não se sustentam de maneira alguma.
E ele, Herbert, já beirando os sessenta anos de uma vida carregada de decepções, arrependimentos e palavras não ditas ou forçosamente engolidas abraçou pra si aquela filosofia. Não havia o que temer quanto ao que escapava de sua boca, afinal, o que são as palavras? Que são promessas? O que são as pessoas a sua volta se não seres imprestáveis digladiando-se no dia a dia? Não mereciam mais que desprezo.
Ele havia encontrado a fórmula que o faria se sentir vivo novamente. Pelo menos em parte... Estava metido numa cadeira de rodas há quase vinte e cinco anos e isso nem o homem do berrante terno avermelhado (assim que ele passaria a referir-se ao sujeito) poderia consertar.
- Algumas pedras no sapato irão incomodar-nos eternamente meu pequeno Herbert, dissera ele, por outro lado, todavia, entretanto, existem exceções, certo? E Herbert sorria frente aquele olhar que reluzia como fogo. Sentia-se compelido a sorrir como se aquele olhar lhe ordenasse isso. As palavras do sujeito eram realistas, mas também doces. Há sempre pontos de fuga... Podemos encontrar um espaço preferencial pra você, meu pequeno Herbert quebrado.
Riu. Ambos riram; Herbert, na verdade, gargalhou até chorar.
Tudo que o sujeito do berrante terno vermelho queria era uma prova de fidelidade rabiscada em papel, uma gota de sangue úmida borrando a folha bege e de aspecto grosseiro e parte das desgraças que lhe afligiam iriam se tornar cinzas e seriam apagadas de suas lembranças.
- Olhe - disse ele distraidamente olhando para o lado - a lua como está bela essa noite, não está?
Herbert concordou. Mais uma vez sentia-se impelido a tal ação. Aquele olhar inebriante do sujeito do berrante terno vermelho... olhos que pareciam capaz de furar a carne, chegar a alma e lhe gritar ordens. E que ela prontamente obedecia.
- Não se demore com ela - disse por em tom mais seco arrancando-o do devaneio por um instante. Estava-o encarando novamente e dessa vez ele ouviu o que parecia um canto suave de flauta preenchendo o ar enquanto o outro falava: terá muito tempo nas noites que se seguem, para admirá-la, cantar a ela, uivar a ela e até matar a ela. E não há mal nisso, há?
Herberto concordou que não.
- Há necessidades a serem saciadas e você necessita tanto delas não é Herbert? [tocou as pernas inúteis] Realmente não posso consertá-las e te fazer correr por ai como uma criança desembestada rindo da cara dessa gente que te olha de viés, sabe? Lamento taaaaaanto por isso. Mas posso fazer mais. Irei te dar poder como nunca sonhou. Poder que vai apavorar essa gente e que vai fazê-los te admirar, te respeitar e acima de tudo... que vai assombrá-los. Você quer, não quer?
Ele apenas assentiu mas no fundo da mente gritava enlouquecidamente: Quero! Quero! Quero mais que tudo!
O mundo resumia-se aqueles olhos e ao som doce lhe inundando os ouvidos. Suas mãos buscaram cegamente a folha amarronzada a sua frente, sentiu uma leve agulhada na ponta de um dos dedos e uma gota vermelha escura de sangue pingou na folha.