MISTÉRIO A 100 KM
Acabei de brigar com mamãe, peguei a moto e sai pilotando por esse mundo de Deus, sem destino. A temperatura está bastante fria, muita neblina, poucas estrelas no céu e a lua nem havia aparecido. A moto corre a uma velocidade constante de mais de 100 Km. Eu sendo aventureiro por natureza, adoro desafios, ultrapassar meus limites, quebrar regras; assim, me divirto andando na corda bamba. A cerração dificulta minha visão, mas eu sou acostumado a pilotar na calada da noite...
Morávamos, eu e mamãe, em um pequeno sítio distante do Vilarejo, que papai tinha recebido de herança na morte do meu avô. Papai havia falecido há dois anos atrás de um ataque fulminante do miocárdio e nós permanecemos na propriedade. Depois da morte súbita de papai, minha mãe sempre vive brigando comigo, pois eu fiquei com a moto que era dele e, mamãe não admite que eu saia à noite, isso era o principal motivo das desavenças. Conflitos que me tiram do sério.
A chuva começa a cair, para mim é mais um desafio. A moto quase derrapa em uma curva acentuada em “S” à esquerda. De longe avisto uma jovem pedindo carona. Fico pensando: “Meu Deus, uma jovem sozinha nessa estrada deserta, isso é sinistro.” Eu diminuo a velocidade e paro no encostamento depois dela, olho pelo retrovisor e, a vejo caminhando em minha direção. Ela fica parada bem na minha frente, fico assustado com a palidez da garota, ela é muito bonita, mas o ambiente como todo, é tenebroso.
- Boa noite, minha jovem! O que você faz nessa estrada deserta tão tarde? Qual o seu nome? Para onde quer carona? Pergunto-lhe, com um certo ar de medo.
- Meu nome é Cecília Simplesmente. Preciso chegar a um certo lugar. Você pode ajudar? Responde-me a garota.
- Muito prazer! Meu nome é Waldemar e, eu posso te dar uma carona até o Vilarejo. Falei bem calmamente.
A garota sobe na moto, sem querer toca levemente em meu braço e eu quase desmaio, a mão da garota está gélida, talvez seja pelo frio da noite, mas tudo é muito pavoroso. Subitamente a jovem pede para eu parar, dizendo que precisa descer. Paro um pouco mais à frente e, olho para trás, nenhum sinal da garota no banco carona da moto. Fico amedrontado, um frêmito percorre todo meu corpo. Não vejo nada além de neblina e os pingos da chuva que molham meu rosto. Ligo a moto e saio dali em alta velocidade. Paro no único Posto de Gasolina antes de chegar ao Vilarejo. E pergunto ao frentista, que por sinal é um amigo da escola:
- Pedro, boa noite! Você viu alguma jovem passar por aqui?
- Waldemar, o que você faz aqui? Brother, não passou nem uma viva alma. Já estamos fechando. Mas, rumores dizem que uma jovem loira anda assustando os caminhoneiros, ela pede carona e desaparece. Disse-me Pedro.
- My Brother, passei por um momento aterrorizante! My God, what fear... Dei uma carona para uma loira que desapareceu do nada. E você me conta isso, muito mistério! Voltarei para casa já está ficando tarde. Eu te vejo na escola amanhã!
Volto para casa morrendo de medo, não quero encontrar àquela garota, pelo menos agora. Já são 22h00 horas quando vou dormir, minha cabeça está a mil, fico me perguntando: “Quem será a jovem da carona? Como ela sumiu sem avisar?” “a girl terror?” Bem cansado vou tentar dormir...
Acordo cedo, o sol já resplandecia no horizonte, não vou à escola. Vou ao Vilarejo procurar explicações para o mistério da noite anterior. Vasculho tudo pelos arredores, porém não consigo nenhuma informação, sobre a tal moça misteriosa. Só me resta uma maneira de entender. Vou voltar pela mesma estrada à noite, para tentar encontrar Cecília... à noitinha volto para casa pela mesmo local, quero desvendar o mistério a 100 Km. Passo pelo Posto de Gasolina, mas Pedro não está trabalhando, vou seguindo em frente. Logo, a chuva começa a cair e a neblina toma conta da estrada, nem estrelas, nem luar para iluminar meu caminho. A moto quase derrapa em uma curva acentuada em “S” à direita. Meu coração fica congelado, quando avisto a mesma jovem pedindo carona. Chego bem junto dela e vou logo falando:
- Cecília, tudo bem com você? Você desapareceu o que houve?
- Não busque explicações para o que não é explicável, apenas faça o que vou te mandar! Procure esse endereço, lá você vai encontrar um diário, siga as instruções. Só assim terei Paz! Ela diz e sobe na moto.
A uma determinada altura da estrada, ela pede para descer e desaparece sem deixar rastro. Eu fico ali pensativo: “Que endereço, se ela não me entregou nada!” Volto para estaca zero... Quase não dormi, fico parado olhando para a imensidão do tempo, sem entender nada do que aconteceu. Levanto-me e vejo um papel bem embrulhado em cima da escrivaninha. Abro e vejo que é um endereço: no Km 14, na Alameda das Flores, Quadra 22 - Lote 10. Resolvo falar com Pedro, pois ele trabalha no Posto e de certeza conhece todos os lugares. Vou voando mais rápido que posso...
- Bom dia, Brother! Tudo bem? Você sabe onde fica esse endereço? Pergunto-lhe depressa.
- O que você vai fazer ai, Brother? Você sabe o que é isso? O único local que fica no Km 14 é o cemitério mais antigo dessa região. Pedro falou e saiu em seguida. Fico perplexo com o que ele fala, pego um mapa e vou procurar o Km 14. Consigo chegar ao tal endereço, é realmente um cemitério antigo e bem pequeno, cada espaço é demarcado com nomes de ruas, os túmulos são miniaturas de casarões, tudo é impressionante. Saio procurando um a um, nas lápides dos túmulos possuem mensagens de despedidas e saudades, consigo chegar ao local desejado: Alameda das Flores, Quadra 22 – Lote 10, não dá para acreditar no que vejo, minhas pernas tremem: “CECÍLIA SIMPLESMENTE - *28-10-1971 +29-10-1991 – “AQUI JAZ UM ANJO”. Procuro algo que me traga um norte. Abro uma janelinha de grade, lá tem uma foto, era a mesma garota que me pediu carona, também tem uma chave presa a um pequeno chaveiro, com o nome “banco” e um diário. Por horas fico ali lendo o diário da garota, que fala da vida reversada dela e na última página têm instruções, para quem o encontrar: “Por favor, procure realizar o desejo de um anjo!” Logo depois vou ao Banco do Vilarejo e pergunto ao gerente se ele conheceu uma cliente de nome Cecília Simplesmente, o gerente responde que sim, que existe uma conta em nome dela, com um valor altíssimo, que o Banco não conhece nenhum parentesco da mesma e ninguém sabe quem abriu a conta. Eu pedi autorização para abrir o cofre pessoal dela, pois estava com a chave, o gerente me acompanhou. Lá tinha uma carta nominal que dizia: “Tudo que tenho em conta, deve ser doado ao Orfanato Menino Jesus.” Perto da carta estava uma procuração assinada por Cecília Simplesmente. Certifiquei-me se o gerente iria cumprir o que estava sendo solicitado na correspondência. Depois do caso resolvido, deixei o banco... Ufa, missão cumprida!
Continuei pilotando sempre à noite, pela mesma estrada deserta, porém nunca mais vi Cecília, voltei ao cemitério diversas vezes e, não encontrei o túmulo da mesma.
Os tempos passaram... De volta à rotina da vida...
Ué, anjos existem?!
Elisabete Leite – 17/07/2018