CAPÍTULO VII
“Bola preta no rei”
Embora não tivesse pleno conhecimento das manobras de Filipe, Jacques de Molay não fora pego de surpresa pela ação policial do dia 13 de outubro. Já desconfiava, desde algum tempo, que a Ordem se tornara um incômodo para o ambicioso monarca francês. As necessidades monetárias da Coroa logo o levariam a intentar algum ataque ao Templo; e depois este era o último dos bastiões que ainda resistia à sua pretensão de assumir o poder absoluto no reino de França e por consequência, a liderança de toda a Cristandade.
Filipe já estava perto dessa meta. Com a nomeação de Bertrand Du Ghot para o trono papal, que este assumira em 15 de novembro de 1305, adotando o nome de Clemente V, ele havia praticamente abatido o poder da Igreja de Roma em todo o território francês. A Igreja Católica Universal, no reino de França, não era mais romana, mas sim francesa. Sua sede não estava mais em Roma, mas na cidade de Poitiers e mais tarde seria transferida para Avignon.
Foi contando com a pusilanimidade do papa Clemente V que ele começara, sob a orientação jurídica de Nogaret, a arquitetar um plano para destruir a Ordem do Templo. Já no dia seguinte à sua eleição, o novo papa e o rei haviam se encontrado para negociar assuntos importantes para o povo francês. O rei pleiteava o poder de escolher, ele mesmo, os cardeais para administrar a Igreja em França. Queria também uma licença papal para que seus filhos pudessem se casar com suas primas, casamentos esses que precisavam da licença ecleseástica, já que se tratava de uniões entre parentes consanguíneos.
O rei queria também liberdade para lançar impostos sobre as rendas da Igreja. Esse tinha sido um motivo antigo de suas brigas com o papa Bonifácio VIII, antecessor de Clemente V. Fora até excomungado por aquele teimoso e velho pontífice por causa dessa e de outras questões, nas quais os interesses do Vaticano e do rei francês conflitavam. Embora o caso já estivesse superado pela eleição de Clemente V, esse assunto ainda mexia com as suscetibilidades do clero e não fora esquecido por Filipe e Nogaret. Este último, especialmente, tinha sido e ainda continuava excomungado por causa desse conflito.
Mas, sobretudo, o rei queria o compromisso do papa eleito de manter a sua corte em terras francesas e não retornar para Roma. Era a garantia que ele tinha para continuar a manobrá-lo.
O assustado pontífice deve ter percebido imediatamente que se tornara uma marionete do monarca francês e a nada opôs resistência.
Em uma audiência pública realizada em meados de 1307, com a presença dos aliados e senescais de Filipe, nada foi tratado com relação aos templários. Mas nessa mesma ocasião, uma reunião a portas fechadas, somente com a presença de Nogaret, foi efetuada logo depois. Nesta, Filipe comunicou a Clemente V sua intenção de liquidar de vez com a Ordem do Templo.
– Não se compreende que o Templo não pague nenhum tributo, seja à Coroa, ou à Igreja – disse Filipe ao papa.
– É porque suas posses já pertencem à Igreja ─ protestou, debilmente, Clemente V. ─ Não teria sentido a Igreja pagar tributo a si mesma.
– Entretanto, já concordamos que a Igreja deverá contribuir para as despesas que o reino da França tem feito para defender a fé cristã e custear nossas campanhas na Terra Santa – respondeu Filipe.
O papa, a contragosto, anuiu com um aceno de cabeça. – Entre-
tanto ─ disse ele, como se estivesse procurando uma tábua na qual se
agarrar ─ a Ordem do Templo tem suas próprias ordenanças e não está sujeita a tais injunções.
– Quem pode o mais pode o menos– interveio Nogaret, que até aquele momento se mantivera calado. ─ Vossa Santidade também não está sujeita a essas injunções.
O papa olhou para ele como se não tivesse entendido.
– Os templários, com o fim das cruzadas, perderam sua função como instituição militar – continuou o inflexível ministro. – Podem subsistir como ordem monástica, se quiserem, mas nesse caso, somente se consentirem em uma fusão com os cavaleiros do Hospital de São João, como já foi proposto, ou por uma modificação em seus estatutos, que tire dela o caráter militar e os despoje das suas obrigações de defensores do Santo Sepulcro. Pois é com base nisso que amealharam sua riqueza e a conservam, embora já não cumpram mais essa função. Mas como Vossa Santidade bem sabe, eles recusaram essa proposta.
─ É verdade. Eu mesmo conversei com o grão-mestre geral do Templo a esse respeito ─ concordou Clemente V.
─ Mas de Molay nem quer ouvir falar nisso. Sabemos bem o que pensa aquele velho teimoso ─ disse Filipe.
– Assim, a solução é extinguir a Ordem do Templo. Parte de seus bens e rendas poderá ser preservada e aplicada em favor do povo, como sempre deveria ser e outra parte poderá ser adjudicada ao Hospital para ser usada nas finalidades para as quais foram doadas – continuou Nogaret.
– Isso já foi tratado e proposto, inclusive pelo meu antecessor Bonifácio VIII – retrucou Clemente V. – Mas nada foi decidido por que Jacques de Molay e o próprio grão-mestre do Hospital, Fouques de Villaret, se pronunciaram de maneira decisiva contra essa fusão.
– Vossa Santidade é o chefe da Igreja e tem precedência sobre ambas – disse Nogaret, com uma ponta de sarcasmo. – Porque não aplicar a autoridade que tem nesse assunto?
– Tudo isso merece profunda reflexão – tornou o papa. ─ Não estou ainda convencido de que essa fusão será benéfica para a Igreja. A Ordem do Templo e o Hospital de São João têm funções diversas. Não sei se, unificando-as, elas continuarão a mostrar a eficiência que sempre tiveram.
– Permita-me dizer que essas dúvidas não são razoáveis, Santidade ─ retrucou Nogaret. ─ As Ordens militares, especialmente a dos templários, perderam sua finalidade. Não há mais motivo nenhum para que a Cristandade continue sustentando-os, e nem para que a Igreja lhe forneça suporte legal. Eles se tornaram por demais dispendiosos e a sua arrogância é um péssimo exemplo para os súditos do rei e para as autoridades eclesiásticas.
─ Isso mesmo ─ disse Filipe ─ satisfeito com o discurso do seu ministro. ─ Foi-se o tempo em que necessitávamos deles para combater os inimigos de Cristo. Agora – sublinhou o rei, com um olhar de desafio para Clemente V– parece que os inimigos de Cristo são eles próprios.
O papa estava se sentido cada vez mais acuado.
– Sei do que estais falando – respondeu Clemente– mas ainda assim...
– Já é tempo para tomarmos uma decisão – insistiu Filipe. – Não há mais nenhuma razão para a existência de uma organização tão infame quanto o Templo.
–Além disso – insistiu Nogaret, já com certa irritação na voz – toda a Cristandade já sabe das suspeitas que contra eles estão sendo levantadas.
– Fui informado disso, mas não há nenhuma certeza da veracida-
de dessas acusações, apenas comentários que podem, no fim, serem falsos – objetou o papa.
– Temos a convicção de que são verdadeiras, e como depositários
da verdadeira fé, Vossa Santidade como chefe da Igreja e o rei, na qualidade de autoridade secular, precisam tomar providências para extirpar, de vez, esse mal ─ disse Nogaret.
– Entretanto – insistiu ainda o papa –, gostaria de falar novamente com o grão-mestre do Templo antes de tomarmos uma decisão tão radical. Talvez possamos resolver esse assunto de uma forma que se possa contentar a todos.
– Vossa Santidade tem a nossa concordância – disse Filipe, para dar ao papa a impressão de que estava negociando com ele e não, forçando-o. ─ Mas que isso seja feito o mais rápido possível, pois o tempo urge ─ intimou, por fim.
Filipe não estava blefando. Esse encontro fora realizado em meados de julho de 1307. Nesse dia já estavam delineados, na cabeça dele e Nogaret, os planos para a ação de 13 de outubro. Eles só preci-savam de um álibi para essa ação e foi o próprio Jacques de Molay que o proveu.
De volta ao seu palácio, em Poitiers, o papa escreveu imediata-mente ao grão-mestre do Templo expressando suas preocupações quanto às intenções de Filipe. Expôs, mais uma vez, a proposta para fundir templários e hospitalários em uma única Irmandade. A resposta de Jacques de Molay deixou Clemente V desiludido e sem esperança quanto ao futuro da organização.
“Se as duas Ordens fossem reunidas”, respondera de Molay,“elas
teriam que se submeter às restrições e ordenanças estranhas à ambas.
Daí poderia resultar perigos para as almas envolvidas, porque são raros, segundo creio, aqueles que queiram mudar sua vida e seus costumes...”
A debilidade dos argumentos de Jacques de Molay para defender a sua recusa em fundir-se com o Hospital não deixou de ser obser-vada pelo papa. Suas razões eram, por assim dizer, ridículas e pueris, deixando entrever, nas entrelinhas, que havia muitos mais motivos ocultos em sua obstinada resistência do que razões lógicas que justificassem a sua peroração. Em sua carta de resposta de Molay alinhava nada menos do que cento e quinze motivos contra a união e apenas quinze a favor. Entre os primeiros, pelo menos a metade se repetia.
“O idiota não entendeu o perigo que está correndo”, murmurou, para si mesmo, o papa.
Entrementes, não deixara de dar ciência ao rei do seu fracasso em convencer de Molay em realizar a fusão dos templários com os hospitalários.
– Eu tinha certeza de que o papa não teria sucesso nessa tentativa– disse Nogaret ao rei. – O velho de Molay é um maldito analfabeto, ignorante e turrão– completou.
─ Se ele não quer largar os anéis que perca os dedos também ─ disse Filipe.
Desesperado, e temeroso das consequências, Clemente, na sua carta, sugeriu a Filipe uma última estratégia.
– Vossa Majestade já pensou em indicar um dos vossos filhos para iniciar-se na Ordem? – sugeriu ele ao rei. – Jacques de Molay está velho e não durará muito tempo. Poderemos então colocar um dos jovens príncipes no cargo.
A ideia não desagradou ao rei. Era uma estratégia que valia a pe-
na tentar. Naquela mesma noite ele escreveu uma carta a de Molay, solicitando o ingresso de um de seus filhos na Irmandade do Templo. Ele sabia qual seria a resposta. Não obstante, poderia usá-la como mais uma justificativa. Ninguém poderia dizer que ele se obstinava em destruir o Templo somente por capricho. Dera aos malditos hereges todas as chances de sobrevivência.
Recebeu, poucos dias depois, a recusa, por escrito, do seu pedido.
“Não nos parece conveniente, e afigura-se ao mesmo tempo perigoso para os propósitos da Ordem o conúbio entre o poder espiritual e o poder temporal”, justificou o grão- mestre geral a sua recusa em apoiar a proposta de iniciação de um dos filhos do rei como cavaleiro templário. De uma forma direta e não muito sutil, Jacques de Molay estava dando “bola preta” no indicado do rei.
– Maldito arrogante sodomita – vociferou Filipe.– Como esse velho ousa recusar o manto do Templo à própria família real? Ele vai pagar muito caro por mais essa afronta.
Nogaret, que pressentia estar próximo o desenlace pelo qual lutava há vários anos, jogou mais lenha na fogueira.
─ Eles não consideram a família de Vossa Majestade digna de fazer parte da Irmandade ─ disse ele.
─ Pois vamos ver a dignidade desses malditos quando estiverem gemendo nos cavaletes, com seus membros esticados até o rompimento e seus pés assados com gordura de porco ─ respondeu Filipe.
─ Precisamos correr com os nossos planos ─ disse o rei. ─ Está na hora de acabar com isso.
─ Já está tudo pronto, Majestade ─ disse Nogaret. ─ Agora é só por em execução.
─ Mãos à obra, então ─ ordenou Filipe, sem deixar de notar a eficiência do seu ministro.
“Esse homem odeia essa gente muito mais do que eu”, pensou o rei, interiormente satisfeito.
(DO LIVRO A IRMANDADE DOS SANTOS MALDITOS), NO PRELO.
“Bola preta no rei”
Embora não tivesse pleno conhecimento das manobras de Filipe, Jacques de Molay não fora pego de surpresa pela ação policial do dia 13 de outubro. Já desconfiava, desde algum tempo, que a Ordem se tornara um incômodo para o ambicioso monarca francês. As necessidades monetárias da Coroa logo o levariam a intentar algum ataque ao Templo; e depois este era o último dos bastiões que ainda resistia à sua pretensão de assumir o poder absoluto no reino de França e por consequência, a liderança de toda a Cristandade.
Filipe já estava perto dessa meta. Com a nomeação de Bertrand Du Ghot para o trono papal, que este assumira em 15 de novembro de 1305, adotando o nome de Clemente V, ele havia praticamente abatido o poder da Igreja de Roma em todo o território francês. A Igreja Católica Universal, no reino de França, não era mais romana, mas sim francesa. Sua sede não estava mais em Roma, mas na cidade de Poitiers e mais tarde seria transferida para Avignon.
Foi contando com a pusilanimidade do papa Clemente V que ele começara, sob a orientação jurídica de Nogaret, a arquitetar um plano para destruir a Ordem do Templo. Já no dia seguinte à sua eleição, o novo papa e o rei haviam se encontrado para negociar assuntos importantes para o povo francês. O rei pleiteava o poder de escolher, ele mesmo, os cardeais para administrar a Igreja em França. Queria também uma licença papal para que seus filhos pudessem se casar com suas primas, casamentos esses que precisavam da licença ecleseástica, já que se tratava de uniões entre parentes consanguíneos.
O rei queria também liberdade para lançar impostos sobre as rendas da Igreja. Esse tinha sido um motivo antigo de suas brigas com o papa Bonifácio VIII, antecessor de Clemente V. Fora até excomungado por aquele teimoso e velho pontífice por causa dessa e de outras questões, nas quais os interesses do Vaticano e do rei francês conflitavam. Embora o caso já estivesse superado pela eleição de Clemente V, esse assunto ainda mexia com as suscetibilidades do clero e não fora esquecido por Filipe e Nogaret. Este último, especialmente, tinha sido e ainda continuava excomungado por causa desse conflito.
Mas, sobretudo, o rei queria o compromisso do papa eleito de manter a sua corte em terras francesas e não retornar para Roma. Era a garantia que ele tinha para continuar a manobrá-lo.
O assustado pontífice deve ter percebido imediatamente que se tornara uma marionete do monarca francês e a nada opôs resistência.
Em uma audiência pública realizada em meados de 1307, com a presença dos aliados e senescais de Filipe, nada foi tratado com relação aos templários. Mas nessa mesma ocasião, uma reunião a portas fechadas, somente com a presença de Nogaret, foi efetuada logo depois. Nesta, Filipe comunicou a Clemente V sua intenção de liquidar de vez com a Ordem do Templo.
– Não se compreende que o Templo não pague nenhum tributo, seja à Coroa, ou à Igreja – disse Filipe ao papa.
– É porque suas posses já pertencem à Igreja ─ protestou, debilmente, Clemente V. ─ Não teria sentido a Igreja pagar tributo a si mesma.
– Entretanto, já concordamos que a Igreja deverá contribuir para as despesas que o reino da França tem feito para defender a fé cristã e custear nossas campanhas na Terra Santa – respondeu Filipe.
O papa, a contragosto, anuiu com um aceno de cabeça. – Entre-
tanto ─ disse ele, como se estivesse procurando uma tábua na qual se
agarrar ─ a Ordem do Templo tem suas próprias ordenanças e não está sujeita a tais injunções.
– Quem pode o mais pode o menos– interveio Nogaret, que até aquele momento se mantivera calado. ─ Vossa Santidade também não está sujeita a essas injunções.
O papa olhou para ele como se não tivesse entendido.
– Os templários, com o fim das cruzadas, perderam sua função como instituição militar – continuou o inflexível ministro. – Podem subsistir como ordem monástica, se quiserem, mas nesse caso, somente se consentirem em uma fusão com os cavaleiros do Hospital de São João, como já foi proposto, ou por uma modificação em seus estatutos, que tire dela o caráter militar e os despoje das suas obrigações de defensores do Santo Sepulcro. Pois é com base nisso que amealharam sua riqueza e a conservam, embora já não cumpram mais essa função. Mas como Vossa Santidade bem sabe, eles recusaram essa proposta.
─ É verdade. Eu mesmo conversei com o grão-mestre geral do Templo a esse respeito ─ concordou Clemente V.
─ Mas de Molay nem quer ouvir falar nisso. Sabemos bem o que pensa aquele velho teimoso ─ disse Filipe.
– Assim, a solução é extinguir a Ordem do Templo. Parte de seus bens e rendas poderá ser preservada e aplicada em favor do povo, como sempre deveria ser e outra parte poderá ser adjudicada ao Hospital para ser usada nas finalidades para as quais foram doadas – continuou Nogaret.
– Isso já foi tratado e proposto, inclusive pelo meu antecessor Bonifácio VIII – retrucou Clemente V. – Mas nada foi decidido por que Jacques de Molay e o próprio grão-mestre do Hospital, Fouques de Villaret, se pronunciaram de maneira decisiva contra essa fusão.
– Vossa Santidade é o chefe da Igreja e tem precedência sobre ambas – disse Nogaret, com uma ponta de sarcasmo. – Porque não aplicar a autoridade que tem nesse assunto?
– Tudo isso merece profunda reflexão – tornou o papa. ─ Não estou ainda convencido de que essa fusão será benéfica para a Igreja. A Ordem do Templo e o Hospital de São João têm funções diversas. Não sei se, unificando-as, elas continuarão a mostrar a eficiência que sempre tiveram.
– Permita-me dizer que essas dúvidas não são razoáveis, Santidade ─ retrucou Nogaret. ─ As Ordens militares, especialmente a dos templários, perderam sua finalidade. Não há mais motivo nenhum para que a Cristandade continue sustentando-os, e nem para que a Igreja lhe forneça suporte legal. Eles se tornaram por demais dispendiosos e a sua arrogância é um péssimo exemplo para os súditos do rei e para as autoridades eclesiásticas.
─ Isso mesmo ─ disse Filipe ─ satisfeito com o discurso do seu ministro. ─ Foi-se o tempo em que necessitávamos deles para combater os inimigos de Cristo. Agora – sublinhou o rei, com um olhar de desafio para Clemente V– parece que os inimigos de Cristo são eles próprios.
O papa estava se sentido cada vez mais acuado.
– Sei do que estais falando – respondeu Clemente– mas ainda assim...
– Já é tempo para tomarmos uma decisão – insistiu Filipe. – Não há mais nenhuma razão para a existência de uma organização tão infame quanto o Templo.
–Além disso – insistiu Nogaret, já com certa irritação na voz – toda a Cristandade já sabe das suspeitas que contra eles estão sendo levantadas.
– Fui informado disso, mas não há nenhuma certeza da veracida-
de dessas acusações, apenas comentários que podem, no fim, serem falsos – objetou o papa.
– Temos a convicção de que são verdadeiras, e como depositários
da verdadeira fé, Vossa Santidade como chefe da Igreja e o rei, na qualidade de autoridade secular, precisam tomar providências para extirpar, de vez, esse mal ─ disse Nogaret.
– Entretanto – insistiu ainda o papa –, gostaria de falar novamente com o grão-mestre do Templo antes de tomarmos uma decisão tão radical. Talvez possamos resolver esse assunto de uma forma que se possa contentar a todos.
– Vossa Santidade tem a nossa concordância – disse Filipe, para dar ao papa a impressão de que estava negociando com ele e não, forçando-o. ─ Mas que isso seja feito o mais rápido possível, pois o tempo urge ─ intimou, por fim.
Filipe não estava blefando. Esse encontro fora realizado em meados de julho de 1307. Nesse dia já estavam delineados, na cabeça dele e Nogaret, os planos para a ação de 13 de outubro. Eles só preci-savam de um álibi para essa ação e foi o próprio Jacques de Molay que o proveu.
De volta ao seu palácio, em Poitiers, o papa escreveu imediata-mente ao grão-mestre do Templo expressando suas preocupações quanto às intenções de Filipe. Expôs, mais uma vez, a proposta para fundir templários e hospitalários em uma única Irmandade. A resposta de Jacques de Molay deixou Clemente V desiludido e sem esperança quanto ao futuro da organização.
“Se as duas Ordens fossem reunidas”, respondera de Molay,“elas
teriam que se submeter às restrições e ordenanças estranhas à ambas.
Daí poderia resultar perigos para as almas envolvidas, porque são raros, segundo creio, aqueles que queiram mudar sua vida e seus costumes...”
A debilidade dos argumentos de Jacques de Molay para defender a sua recusa em fundir-se com o Hospital não deixou de ser obser-vada pelo papa. Suas razões eram, por assim dizer, ridículas e pueris, deixando entrever, nas entrelinhas, que havia muitos mais motivos ocultos em sua obstinada resistência do que razões lógicas que justificassem a sua peroração. Em sua carta de resposta de Molay alinhava nada menos do que cento e quinze motivos contra a união e apenas quinze a favor. Entre os primeiros, pelo menos a metade se repetia.
“O idiota não entendeu o perigo que está correndo”, murmurou, para si mesmo, o papa.
Entrementes, não deixara de dar ciência ao rei do seu fracasso em convencer de Molay em realizar a fusão dos templários com os hospitalários.
– Eu tinha certeza de que o papa não teria sucesso nessa tentativa– disse Nogaret ao rei. – O velho de Molay é um maldito analfabeto, ignorante e turrão– completou.
─ Se ele não quer largar os anéis que perca os dedos também ─ disse Filipe.
Desesperado, e temeroso das consequências, Clemente, na sua carta, sugeriu a Filipe uma última estratégia.
– Vossa Majestade já pensou em indicar um dos vossos filhos para iniciar-se na Ordem? – sugeriu ele ao rei. – Jacques de Molay está velho e não durará muito tempo. Poderemos então colocar um dos jovens príncipes no cargo.
A ideia não desagradou ao rei. Era uma estratégia que valia a pe-
na tentar. Naquela mesma noite ele escreveu uma carta a de Molay, solicitando o ingresso de um de seus filhos na Irmandade do Templo. Ele sabia qual seria a resposta. Não obstante, poderia usá-la como mais uma justificativa. Ninguém poderia dizer que ele se obstinava em destruir o Templo somente por capricho. Dera aos malditos hereges todas as chances de sobrevivência.
Recebeu, poucos dias depois, a recusa, por escrito, do seu pedido.
“Não nos parece conveniente, e afigura-se ao mesmo tempo perigoso para os propósitos da Ordem o conúbio entre o poder espiritual e o poder temporal”, justificou o grão- mestre geral a sua recusa em apoiar a proposta de iniciação de um dos filhos do rei como cavaleiro templário. De uma forma direta e não muito sutil, Jacques de Molay estava dando “bola preta” no indicado do rei.
– Maldito arrogante sodomita – vociferou Filipe.– Como esse velho ousa recusar o manto do Templo à própria família real? Ele vai pagar muito caro por mais essa afronta.
Nogaret, que pressentia estar próximo o desenlace pelo qual lutava há vários anos, jogou mais lenha na fogueira.
─ Eles não consideram a família de Vossa Majestade digna de fazer parte da Irmandade ─ disse ele.
─ Pois vamos ver a dignidade desses malditos quando estiverem gemendo nos cavaletes, com seus membros esticados até o rompimento e seus pés assados com gordura de porco ─ respondeu Filipe.
─ Precisamos correr com os nossos planos ─ disse o rei. ─ Está na hora de acabar com isso.
─ Já está tudo pronto, Majestade ─ disse Nogaret. ─ Agora é só por em execução.
─ Mãos à obra, então ─ ordenou Filipe, sem deixar de notar a eficiência do seu ministro.
“Esse homem odeia essa gente muito mais do que eu”, pensou o rei, interiormente satisfeito.
(DO LIVRO A IRMANDADE DOS SANTOS MALDITOS), NO PRELO.