Em busca da felicidade

Antônia estava exausta. Afinal, tinha tudo: roupas de marca, perfumes importados, carro do ano; enfim, um leque do que se pode chamar de riquezas; mas não possuía o principal: AMOR. Dinheiro nunca foi problema em sua casa, ao menos até ali. Seu pai, Josivaldo, ou simplesmente, Valdo; era um homem de índole singular. Sempre preocupado em dar o melhor à sua esposa e filha. Honrado e reconhecido em sua cidade, Valdo era um dos mais renomados empresários da região. Quando o assunto era designer, Valdo era citado e indicado por toda a cidade. Sua esposa, Maria dos Prazeres, não mais se interessava em fazer suas costuras, como fazia há 15 anos; afinal, agora a época das vacas gordas bateu à porta de sua casa. Ora! Carro do ano, empregada doméstica, motorista e uma poupança gorda faziam parte da sua vida; sem contar as viagens feitas por Dubai, Boston, Paris; enfim, uma lista gigantesca... Diante disso tudo, a família só não possuía uma coisa: diálogo.

A vida de Josivaldo agora era corrida; muito lutou para chegar até ali. Passou fome, foi preso porque roubou a vizinha quando mais jovem; foi vítima de um efisema pulmonar; consequência dos três maços de cigarro fumados por dia, foi ao sudeste tentar ganhar a vida, mas foi vítima de xenofobia. Hoje, Valdo está com seus quarenta anos. Após anos de humilhações e quase morte, Valdo conheceu Prazeres em uma de suas noites de prazer. Quem diria, hein? Naquele 25 de março de 97, com apenas 20 anos, Valdo conheceu a única mulher que o levou às nuvens, naquele matagal próximo à Pirituba, em São Paulo. Sim! Tudo ocorreu no matagal; pois as balbúrdias da vida não permitiam que Valdo a levasse a motéis. Foi uma linda e divertida noite que oscilou desde carinhos, até gemidos altos. Pena que o prazer teve de acabar rápido, já que o policial Abrantes os viu e os levou à delegacia mais próxima. Por sorte, foram liberados. Cada um tomou o seu respectivo caminho, mas o destino havia reservado a Prazeres e a Vivaldo um reencontro, desta vez, em um dos bares da grande São Paulo. Ele não a viu, mas ela o viu e o reconheceu. Aproximou-se dele e, vagarosamente, sussurrou em seu ouvido:

- Será que o Calunga de Botica dançaria com Prazeres?

Nossa! Aquela voz mudou completamente o humor de Valdo, já que este sempre foi metido a um grosseirão. Olhando para trás, Valdo retrucou:

- Mas é claro! Só não entendi o porquê do Calunga?

Prazeres, divertida, não demorou:

- Ora, ora! Tua roupa está mais para um carnavalesco, seu Paraíba.

Valdo, de sopetão, encarou bem a mulher, e a sua barriga, que agora estava enorme, e continuou:

- Mas você é aquela que me levou ao paraíso, ano passado, e quase ao inferno, na delegacia. Mas pera só: e esse barrigão?

Prazeres riu e espontaneamente afirmou que aquele barrigão não era apenas dela, mas deles; afinal, ele era o pai; já que nunca mais, depois daquela noite, saiu com homem algum. Como um teste de paternidade era caro, este não foi feito.

Valdo foi obrigado a casar com Prazeres. Após um tempo, nasce Antônia. Pobres, Valdo agora trabalhava em uma serigrafia, de vez em quando, fazia bicos desenhando suas artes. E não é que as artes deram certo? Em cinco anos de trabalho, Valdo já tinha seu próprio negócio em São Paulo. Seu sonho sempre foi voltar à sua terra, e assim o fez, após sete anos decorridos.

Antônia, sua filha, sempre foi uma criança calma e estranha, não admitia, por exemplo, que ninguém a tocasse; sofria de afefobia a pobre coitada. Em uma noite, em seu quarto, acordou devido a um pesadelo e ouviu gemidos estranhos advindos do quarto de seus pais, contava ela com seus 12 anos. Aproximou-se da porta e notou que sua mãe chorava. Mas era um choro diferente, pedia que Valdo parasse, pois aquilo estava incomodando. Antônia correu rapidinho para seu quarto e, naquela noite, aquela pré-adolescente sentiu algo bom em seu corpo. Ela fazia tudo aquilo como um tocador dedilha seu violão. Isso se tornou rotineiro para Antônia. Ela se tocava. Mas um dia, sua mãe quase a viu praticando o ato e, desse dia em diante, Antônia prometeu que nunca mais faria aquilo.

As coisas para Valdo só melhoravam, ele agora era reconhecido. Sua empresa em designer era conhecida em toda a região. E, mesmo depois de se passarem mais alguns anos, Valdo ainda era reconhecido como “o rei das artes”. Contava Antônia, agora, com seus 20 anos. Valdo foi esmorecendo; novas empresas do ramo de Vivaldo também chegaram à cidade. Todas as noites Valdo saía em companhia dos amigos e bebia como se fosse o último dia de sua vida. Prazeres, agora, sentia a ausência das viagens e das bolsas caras que possuía. O vício da bebida era constante em Valdo. Uma noite, ela falou em viagem com o marido e este muito chorou, pois já não mais podia suprir suas vontades, afinal, o pouco que tinha ele estava esbanjando com bebidas. Antônia apenas se trancava no quarto. A vida foi cruel com Valdo, sua empresa fechou e a crise assolou a família. Valdo agora contava com seus 120kg, Prazeres retornou à sua vida de costureira. Antônia, sempre quieta, pensava na família e nos seus luxos. Estando ela em crise, decide sair.

Antônia saiu por volta das 19h, deixando em casa Prazeres, que adormeceu à máquina de costura, e Vivaldo, que agora dormia em outro quarto, já que sua esposa não mais agüentava o bafo de cachaça. Antônia, perturbada, pegou do carro que ainda possuía e foi dirigindo. No caminho, ela percebe que havia algumas garotas, aparentando sua faixa etária, com minissaias, batons fortes, pequenas bolsas em suas mãos e blusas curtas; sendo levadas por alguns senhores em carros de grande valor. Tornou-se costume suas passagens por ali, aquilo lhe chamou bastante atenção. Por ter sido ameaçado, Valdo pensa em trabalhar; não vendo saída nem condições para tal ato, Antônia vende seu carro. Coitada! O buzão era o seu maior companheiro.

Era noite quando Antônia mais uma vez saiu de casa, dessa vez em um buzão, e saiu em busca das garotas que ela já havia visto em um daqueles caminhos. Elas estavam lá. Com medo, mas ousada, eis que Antônia aproxima-se de uma delas:

- Como que faz para entrar na vida? – Pergunta a jovem e meiga Antônia.

- Comece se vestindo como nós. - Responde uma garota.

Antônia não demorou muito. No outro dia, lá estava ela ali; mas para a surpresa das garotas, a jovem estava vestida como uma donzela. A inveja as dominou a ponto de querer expulsá-la, mas uma delas não permitiu. Naquela mesma noite, Antônia saiu com três homens. Um deles, Giovani.

Chegando já de madrugada, a jovem adentra seu quarto e no outro dia entrega boa quantia à sua mãe. Segundo ela, ela juntava algumas economias há tempos. A mãe estranha, mas recebe. Chega a noite e Antônia arruma-se. Prazeres nada diz, mas estranha. Antônia sai e, por coincidência, quem já estava à sua espera era Giovani. Ela se recusa a sair com ele, mas este lhe oferece o dobro do valor anterior pago, ela sai. Ele decide levá-la ao restaurante mais renomado dali. Em suas conversas, Giovani afirma que voltará à sua cidade natal, Patos. Antônia recusa-se a aceitar, e diz que também irá. Giovani logo retruca:

- Não! Não podes deixar tua família. Mas eu virei te visitar.

A jovem alega que a paixão a dominou. Mas Giovani não compreende:

- Ora! Durante essas duas noites, você não me deixou ao menos beijá-la e mesmo assim me queres?

A moça já não responde, apenas soluça.

- Conte-me, Antônia! Por que isso? Por que não posso tocá-la?

- Um dia, talvez saberás. - Diz ela.

Pega sua bolsa e vai embora.

O dia amanhece, Prazeres decide conversar com a filha e diz que a tem notado estranha. Antônia revela que conseguiu em emprego no sertão e é para lá que irá. Valdo escuta a conversa e diz que não, que ainda manda na filha. Antônia apenas sobe para o quarto e, durante a madrugada, foge. Vai em busca da cidade.

Os pais da jovem se desesperam, quando percebem a ausência da filha; a mãe bem mais, já que o pai sempre foi durão.

Logo, Antônia descobre os pontos de encontros em Patos. Todas as noites, posicionava-se em certos locais e saía. Sempre chegava com o dinheiro, mesmo sem ter feito nada com os pagadores, já que estes eram senhores e adormeciam depois de longas conversas.

Dois anos se passam e Valdo agora já não existe, o coitado morreu vítima de um infarto, devido à sua gordura. Prazeres quer encontrar a filha e descobre seu paradeiro graças a uma notícia de jornal em que Antônia é vista na TV, de forma rápida. Dona Prazeres, com seu mísero dinheiro, fruto de suas costuras, vai em busca da filha.

Em um dos seus programas, Antônia acaba que encontra Giovani. Sua fama de “A Dona do Sertão”, já tinha pegado. Afinal, foram três surras dadas em três garotas, fora as roupas que rasgou do velho que não queria pagar a noite que essa passou com ele, alegando que ela não fez nada. Giovani sai com Antônia. É nessa noite que a jovem se abre.

- Muito sofri, Giovani! Fui abusada toda a minha infância por meu pai, e minha mãe sempre soube. Nunca fui tocada, mas sempre me toquei. Hoje, recorro a isso para o meu sustento. Ainda bem que já tenho tudo. Você é o único homem que pode me fazer feliz.

É bem verdade que a vida de “cafetona” fez bem a Antônia. Mesmo virgem, ao menos até aquela noite com Giovani, Antônia possuía seu próprio negócio que agora fazia sucesso.

Durante a noite, muitas revelações sobre ambos vieram à tona. Desde a juventude do casal, até os dias atuais.

O destino reservou muitas surpresas à Antônia, mesmo ela não mais se importando. Entretanto, duas lhe chamaram a atenção:

O fato de sua mãe nunca mais ter dado notícias, mesmo essa tendo ido à cidade, mas regressado à sua terra, depois do que viu. E o fato de Giovani revelar que nunca esqueceu o grande amor que tivera com Prazeres, uma mulher que ele conheceu em São Paulo, com quem teve um caso. Foi com Prazeres que Giovani teve sua filha, que até hoje ele nunca conheceu, e só soube de sua existência após Prazeres vê-lo pela última vez e pedir que se afastasse dela.

Pobrezinha de Antônia! Mais uma vez, terá de ser forte.

Simões Matheus
Enviado por Simões Matheus em 03/05/2018
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