A odisseia de ser sozinho II
Mas isso não levou muito tempo. Só a solidão o entendia. Só os seus braços, ora quentes, ora mornos, e sempre hospilateiros como almofada, conseguiam alimentar o monstro dentro de si, a única criatura malévola que atacava todo mundo sem mexer um único dedo - a calma.
Foi então que, sem mais de longas, passados apenas dois meses, e claro que isso já significava muita paciência para quem viveu anos com alguém e estar só custar-lhe-ia a maior depressão do mundo, foi à procura dela com luvas e lanternas, botas próprias para andar sobre as águas, ainda que não se comparasse em circunstância alguma a Jesus. Era burro mesmo. Mordeu a isca daquela malandra quando deixou-a sumir, fazendo-a acreditar que ficava bem sozinho. Já era lei a vida apenas nos peitos invisíveis daquela prostituta, que com mais ninguém se envolvia além de si.
Desconfiava que encontraria a solidão em apertos com um outro alguém, por isso levou luvas, para que pudesse separá-los os órgãos genitais. Passava-lhe também pela cabeça que, talvez, encontrá-la-ia jogada num esgoto qualquer, já toda usada e abusada por quem tem mãos duras apenas para massacrar mulheres indefesas, daí ter calçado as botas.
Tudo e nada poderia ser o que estaria a acontecer. Tinha que se prevenir. Mas já carregava o coração nas mãos e um medo a ferver como chá esquecido no máximo e com as bolhas a fugir da cafeteira. A solidão é o amor da sua vida, embora tivesse dado umas férias a ela. Arrependido, convicto de ter errado, quem sabe, da pior forma possível, ao desistir dela, rezava para que a visse sã e salva e, milagrosamente, à sua espera. Não era porém um homem de fé, mas de certeza que a teve naquele momento.
Enquanto pelas ruas do isolamento seguia, pousavam-lhe na cabeça coisas que não gostaria de perder por simples orgulho, como quando a solidão ficava em baixo e vice-versa. E por incrível que parecesse, a solidão nunca foi para si adversa, porém o principal instrumento para a sua felicidade.
Suas aberturas esponjosas deixavam seus espinhos inactivos e era somente deles os momentos que viviam enrolados. Mais nada nem ninguém poderia ser tão boa quanto ela nos assuntos nocturnos ao pé da janela, por vezes na sala de estar ou na casa de banho. Seus rabos se cruzavam e as pernas amarravam-se uma noutra, e por descuido vezes viram a cama na porta. Ele tinha que ir atrás dela, implorá-la para voltar, por acreditar ser apenas com a solidão que lhe seria possível continuar a respirar.
A temperatura da solidão dava cabo dos termómetros. Seus olhos brilhavam e, por mais que ele estivesse distraído, num milésimo de segundo já se via a comê-la com os olhos. Como deixar tudo isso para trás? Foi à trás dela, colando panfletos nas árvores e paredes alheias com dizeres de amor. Levou-lhe a noite toda mas de favor, porque no dia seguinte tudo que achou ter conseguido foi apenas perda de sono.