BERENICE E SEUS FILHOS CRESCIDOS

Berenice das Luzes nunca perdoou os filhos por terem se matado. O mais velho enforcou-se no armário. O segundo forçou um acidente fatal de motocicleta, pois não usava capacete em suas saídas ( logicamente o motoqueiro seria lançado contra a janela do caminhão). E o terceiro filho jogou-se do alto de um prédio em Copacabana.

Berenice nunca perdoou os suicidas, mas se sentia culpada por tudo, embora a culpa nada resolvesse. Não haveria descanso e nem mesmo uma aposentadoria por tempo de culpa.

Um dia a mãe dos suicidas passou a meditar sobre seu próprio fim. Pensava que apenas se arruinando encontraria os filhos na terra dos infelizes e perguntaria coisas ilógicas: "Porque escolheram mortes tão sofridas quando bastava respirar o gás do fogão? O cheiro de gás é adocicado e causa uma morte indolor”.

Diria a eles que as mães listam as muitas opções para a forca dos filhos: cheirar gás, morder a maça envenenada com cianureto, tomar vários comprimidos de Nembutal.

Berenice, contudo, apesar da tendência revelada, não se matou, pois tinha um quarto e último filho. Este filho cresceu, casou-se, tornou-se músico e ganhava a vida, tocando saxofone para os turistas em Copacabana.

Berenice estranhava: um dos filhos de uma família de suicidas vai à praia e tudo está bem. Filhos remanescentes devem sentir na praia o cheiro adocicado dos vivos.

Domingo, dia 24, Berenice foi hospitalizada, iria morrer de velhice, sufocada pelo saco plástico do tempo. No dia, o filho saxofonista tocou diversas vezes a marchinha “Cidade Maravilhosa”. Foi uma ironia e também sua homenagem à mãe.

DO MEU LIVRO: "TOUROS EM COPACABANA"

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 26/03/2018
Reeditado em 29/03/2018
Código do texto: T6290804
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