O barbeiro Ronivon
Nâo conte para ninguém essa história toda. Retenha para si o seu desfecho pelo menos, pois posso estar enganado. Pois é, domingo você não acha barbearia aberta. Ao contrário dos templos evangélicos, que o Roni, alías frequenta, com fé e orgulho.
Mas passando em frente à janela de sua casa, ao vê-lo, não resisti: fiz-lhe a proposta-pedido:
- Um corte seria possível hoje? Logo Domingo de Palmas?
E para minha surpresa, ele assentiu. O almoço ainda iria levar mais de uma hora, e o culto já havia sido oficializado. Disse apenas que ia levar seus petrechos para o salão, pois não tá mole não. O número de assaltos tem aumentado e da última vez perdeu duas máquinas elétricas com o arrombamento.
Gracejei, dizendo que no meu caso a sua tesoura hábil bastaria. Só uma aparada nas pontas, volta da orelha, rebaixada na nuca, e assim se exporiam minimamente os sinais da alopécia, de cujo avanço ando desconfiado, sem, contudo, ousar constatar...E só o cabelo, assinalei, a barba, embora de quatro dias, eu mesmo faço, nunca me acostumei a fazê-la no salão...
Ofereci-lhe carona, já que não me parecia justo que ele gastasse gasolina só para um único corte, a portas fechadas, como fez questão de avisar.
Embarcou, com a sua caixinha, cuidadosamente alojada ao colo. Durante o percurso, falou-me duma contra-onda de crimes que ronda a cidade. Coisa escabrosa, Roni confidenciou-me. E tudo clinicamente, por corte na jugular...
Chegamos. O trajeto é de 3 a 4 minutos. Enquanto ele foi abrir a porta, trancada com o reforço de uma grossa corrente, deixou a caixinha sobre o banco onde sentara.
Não resisti à curiosidade que me acompanha desde que começou minha amamentação: abri-lhe, subrepticiamente, a caixinha: a lâmina da navalha, uma Solingen das clássicas, do tempo de papai ainda quarentão, estava tingida de rubro. Ainda úmido...