Endoideceste
Endoideceste era bastante estranha, pois vivia envolta no seu passado particular, refém de misteriosos temores, frutos de um legítimo pretérito perfeito que, por sinal, adorava declinar. Estava sempre afastada do momento presente e, por isso, apenas poucas pessoas que tinham a oportunidade de conhecê-la conseguiam falar com ela. A grande maioria acabava mesmo era falando muito dela, pois a sua clausura e recuo no tempo despertavam uma enorme curiosidade no povo.
E como falavam da Endoideceste! Como gostavam de falar da Endoideceste! Quantas histórias, quantas versões...
Muitos episódios, provavelmente, inverídicos sobre a sua vida pregressa, eram derramados na venda pelo vendeiro, decantados na sacristia por aqueles estagiários da fé, remodelados pelas costureiras de pouca costura, aguados pelo leiteiro.
Eles falavam... falavam... falavam...
Dizem essas más línguas até que, certa feita, quando a ela alguém se dirigiu, em uma daquelas inúmeras tentativas frustrantes de abordagem, deu-lhe o tu em forma de tratamento. Endoideceste endoideceu ainda mais. Tu! Tu! Dás-me o tu assim impunemente! — despejou contrariedades envernizadas sobre aquele gajo ignaro.
Endoideceste! Endoideceste sabia muito, muito, muito das coisas... das coisas de um pretérito perfeito!