O aroma
A alegria estampava-se no rosto do garoto que em suas travessuras, fazia sorrir também o velho a observá-lo.
Este, mergulhado em pensamentos, revia em breves lembranças o seu passado. Tivera infância, é certo, porém limitada pela extensa pobreza em que crescera. O lugar em que morava, a condição dos pais, restringira a pequeno, o mundo daquele menino. Jamais tivera a alegria de ganhar um brinquedo, aprendera a construí-los, valorizando tudo que lhe caia às mãos, fazia com os seus “cacos” o que a imaginação de uma criança sertaneja podia conceber. Fizera do terreiro de casa seu reino, onde criava suas estórias contadas a sua maneira.
Ressoava em suas lembrançao o mugido da boiada, estalava nos ouvidos o trote dos cavalos e o latir dos cães. Agora, o som mais comum era o chorar da cadeira, embalando seu corpo, navegando na calmaria da tarde. Sempre sonhar ser avô, e essa realidade agora dava-lhe tempo de sobra para relembrar sua mocidade.
Quem o via chorar, quem o via sorrir, conhecia apenas um velho louco, mas quem lhe permitia um diálogo, ouvia daquele ancião, lições de vida, uma história de luta e sacrifícios, escondida na paz daquela cadeira...
O velho cantava e aquela melodia desconhecida, trazendo de volta por alguns momentos, o brilho em seus olhos, parecendo ter a frente a saudosa companheira que partira anos antes. Nunca a esquecera. Em sonhos a possuía como nunca e a alegria de tê-la ao dormir faziam-no sentir-se o jovem que fora antes.
O garoto acenou para ele ao ser levado carinhosamente para dentro. Já anoitecia e uma lua pálida assistia de longe, o sol puxar seus últimos raios, levando com ele o dourado do dia.
O velho sorria, sorria diferente aquela noite, fato que passou despercebido por todos. Pela manhã, com o sol já alto, notaram sua falta, pela primeira vez não acordara a empregada. Forçada a porta, entraram no quarto mas não o encontraram, havia apenas um forte aroma de flores...
O neto acordando, perguntava ao pai quem era aquela mulher que levara o avô para o quarto.