HISTÉRICA
De VICTOR MENDEL:
"Inquieta, barulhosa, estrondosa. Todos os dias, lá está. Entra na multidão de vagantes, põe-se a gritar, e bradar, e berrar, e esgoelar-se. Os olhos não a veem, estão sempre baixos, pesados, atentos ao que se quer ver. Os ouvidos atentos ao que querem ouvir. Suas mentes encharcadas de enxaquecas. O seu mundo é um tlec-tlec de dedos habilidosos, um cintilar de informações desinformadas, um flash-flash de autorretrato inquieto. Imitações do que mais odeiam, do que mais condenam. Ouvem tudo e nada, mas a entonação da gritaria parece fraca, perto dos decibéis que emanam do left-right. Ela sobe o tom do estrondar.
Eles ficam atordoados, atônitos com a louca desvairada que se põe disposta a ser ouvida para depois de Vênus. Ouvem retumbante clamor, mas com um dar de ombros despreocupado, não lhe dão ouvidos, passam aligeirados. Sempre atrasados, compromissados, desatentos ao redor, olhos abertos ao pendular do tempo digital. Cheios de si e de sua individual personalidade, a qual juram ser única. Única até olhem para o lado. Mas não olham. Os olhos estão atentos ao que se quer ver. Ela grita, esperançosa de que a sanguessuga que traga suas mentes dê uma trégua para que possam ouvi-la. Preferem dar o sangue a ser sugado. E a sanguessuga-suga-suga, até que não há mais o que sugar.
Vivem suas vidas. Todo dia labutam, choram, riem, matam, vivem. N'outro dia lá estão os corpos a ziguezaguear, perambulantes. E ela lá está a gritar, e bradar, e berrar, e esgoelar-se. Dá toda sua força na dura rotina frustrante, mas não desiste até que lhe reste o último esgoelar-se, até que se rarefaz, desgasta, cansa. Como gás, se esvai, dissipa. Ela, agora etérea, vê seu bramar pelos ares, vê-se a morrer leve, a flutuar, como cheia de hélio. Eles vivem, mais terrenos que nunca. Todo dia labutam, chora, riem, matam, vivem. Mas algo está mudado. O esbravejar deu lugar à quietude. Quem permitiu a desorientação do perfeito? Quem transmutou o que não era preciso mudar? Onde está aquela que se pusera a estrondear? Onde está seu esgoelar-se? E nada ouvem. Nem mesmo um grilar.
A multidão põe-se em assombro. Ensandece à procura de um resto de brado. Mas só há escassez, só há nada. A sabedoria, que era histérica, agora é muda, quieta, calada."