Estranho encontro

Ela mandou uma mensagem perguntando se aceitaria um encontro para que se conhecessem melhor. Alegou que lia com regularidade os seus textos na Internet e comungava com os argumentos ali oferecidos, mas que até então se reservara tecer qualquer comentário a respeito, preferindo ficar no anonimato. 

Que assim procedia por falta de motivação e por estar ciente que seria apenas mais um visitante, como tantos outros que se revezam entre as escrivaninhas com um objetivo comum: chamar a atenção para os respectivos textos através da contumaz troca de críticas literárias nos respectivos sites. 

Finalizou dizendo que nunca se rendera a esse intercâmbio cultural, se é que assim podia defini-lo, já que os escritores deveriam deixar a critério dos usuários essa opção, mesmo que provocasse uma redução dos comentários. Afinal, os que tivessem talento acabariam sendo reconhecidos naturalmente pela sua arte, sem que precisassem cumprir essa enervante rotina que não levava a nada, no seu entendimento. 

Ao concordar inteiramente com esses convincentes argumentos, a sua curiosidade foi aguçada a tão ponto que considerou seriamente a possibilidade de realizar o encontro, ainda que não fizesse muita fé. Havia passado por situações semelhantes em recentes oportunidades sem que em nada resultassem, a não ser em novas amizades; mais virtuais do que físicas. Todavia, evitaria agir como um adolescente. Em sua idade necessitava de algo promissor que oferecesse melhores perspectivas num futuro a dois . 

Apesar dessas conjecturas, fechou os olhos, respirou bem fundo e contou até dez - sempre agia assim numa decisão importante - antes de decidir marcar o encontro num shopping chiquérrimo, local em que desfrutariam de momentos de muito conforto e sofisticação.

Não se preocupava nem um pouco com as despesas extras que daí adviriam. Havia tempo que não dava importância a esses detalhes. A ocasião era apropriada para que começasse a gastar as economias de uma vida inteira. 

Então, lembrando-se da frase pronunciada por César às margens do Rubicon, "Alea jacta est" (A sorte está lançada) e foi à luta. 

Confirmado o local de encontro, escolheu a melhor roupa, tomou um banho demorado, fez uma barba caprichada, passou no rosto a loção de barba importada, mandou o carrão para o lava-rápido e depois ficou esperando com ansiedade chegar a hora marcada. Parecia um menino em seu primeiro encontro com a namora. 

Até que esse negócio de escrever na Internet era bem promissor. Não em termos financeiros, pois não precisava disso. Conhecera através dela pessoas bem interessantes, ainda que a maioria apenas virtualmente, mas que o recompensara principalmente na troca de experiências. 

Ela chegou bastante atrasada e responsabilizou o trânsito. Mas esse detalhe não tinha para ele a menor importância. O encontro serviria para que se conhecessem melhor e aproveitassem as horas que ainda restavam pela frente. O momento era para ser curtido em seus detalhes mais significativos.

 Enquanto trocavam informações pessoais, os olhares eram acompanhados por um som lamentoso de um violino bem afinado, cujo serviço ele havia previamente contratado para que fosse tocado durante o encontro, e deseja fosse memorável com uma mulher que bem merecia um jantar de mais de cem talheres de prata. 

Ela vestia uma roupa escura e bem colante que realçava as belas formas arredondadas nos seus lugares certos. Presa à cabeça exibia uma tiara de tom dourado que contrastava com os lindos e sedosos cabelos escuros, demonstrando excelente trato. Os dedos de pianista exibiam unhas bem cuidadas e o hálito possuía um leve frescor de alfazema. 

A voz, doce e pausada, revelava a existência de uma imensa paz interior nessa imagem especial, aliada aos gestos delicados que evidenciavam se tratar de uma mulher de fino trato, embora lhe parecesse ser um pouco misteriosa. Mas essa impressão o entusiasmou ainda mais, já que gostava de decifrar enigmas, principalmente o que estava à sua frente. 

A noite seguiu o seu curso e passou sem que sentissem. Terminado o jantar, sempre regado com bons vinhos, mas sem exageros, combinaram terminar o período numa elegante boate próxima, local em que dançariam e jogariam conversa fora.

Ela concordou, mas demonstrou preocupação em chegar tarde em casa, sob a alegação de ter um compromisso importante bem cedo. 

Enquanto dançavam, sempre que tentava encostar o seu corpo ao dela era delicadamente afastado com um sorriso maroto, por mais que insistisse. Mas isso não o perturbou, pois a companhia era agradabilíssima e já fazia planos para algo mais do que uma noite dançante, que acabou se prolongando quase até o alvorecer. 

Na saída da casa noturna achou por bem deixar o carro em um estacionamento vinte e quatro horas, devido haver ingerido bebida alcoólica. 
Mesmo que se sentisse bem para dirigir, não arriscaria pegar uma fiscalização que o fizesse perder a carteira e estragar o momento que desfrutava com uma bela e enigmática mulher. 

Então, resolveram pegar um taxi e ele deu como destino o endereço de seu apartamento na zona sul da cidade, mas ela pediu que não o fizesse, pois necessitava descansar antes de raiar o dia e talvez fosse melhor deixar para a outra oportunidade. 

Ficou surpreso com essa decisão, por achar que tudo caminhava nesse sentido, mas se desculpou pela iniciativa intempestiva e solicitou ao motorista que atendesse ao pedido da dama, ainda que profundamente decepcionado com o desfecho imprevisto dos seus planos de levá-la à sua alcova. 

Chegando ao endereço solicitado, percebeu que ela morava em suntuoso prédio de um apartamento por andar com uma deslumbrante vista para o mar. Bem condizente com a criatura maravilhosa que o acompanhava. 

Ao descer do carro, ela agradeceu os momentos maravilhosos e manifestou interesse de um novo encontro em data a ser marcada.

 Antes que ele desse o beijo de despedida, num movimento brusco virou-lhe as costas e caminhou rapidamente em direção ao prédio, passando aparentemente por uma abertura existente entre as grandes que o circundavam. 

Embora decepcionado, resolveu voltar para casa pois o dia já se anunciava. 
Enquanto o taxi percorria as ruas desertas da cidade, percebeu um par de brincos caído no lado do banco em que ela sentara. Imediatamente os recolheu para que fossem devolvidos na primeira oportunidade. 

O que seria ótimo, pois assim teria a desculpa de um novo encontro em que desfrutasse de momentos mais íntimos com aquela bela mulher. 
Por não ter conseguido dormir direito, face à intensa ansiedade que ela lhe causara, por volta das dez horas da manhã resolveu ir até o estacionamento em que havia deixado o carro e de lá seguiu direto para devolver os brincos; caso não a encontrasse deixaria com alguém da família. 

Ao tocar no interfone o número do apartamento que lhe havia sido fornecido previamente - uma voz feminina atendeu e perguntou o que desejava. Dada as explicações necessárias, foi-lhe solicitado que aguardasse, pois alguém desceria para atendê-lo. 

Após alguns minutos de espera, percebeu que uma senhora idosa caminhava em sua direção em passos vacilantes. Ao chegar, pediu que lhe mostrasse os brincos, e após examiná-los detidamente, perguntou-lhe onde os achara. 
Ele contou rapidamente sobre o fato de terem sido esquecidos no taxi. Foi quando a mulher se identificou como mãe dela e disse que essa explicação estava fora de propósito. 

Surpreso, ele indagou a razão de suas palavras estarem sendo questionadas, pois apenas havia relatado o que de fato ocorrera. Mas o que ouviu como resposta mudou a sua percepção do mundo radicalmente.  
Após uma pausa, a idosa disse que os brincos de fato pertenceram à sua filha, mas que ela falecera há mais de um ano, sendo, portanto, inadmissível que os houvesse esquecido no veículo. 

Diante dessa afirmativa, ele perdeu totalmente o compasso e ficou num estado de aparente transe, enquanto a senhora continuava falando coisas que ele simplesmente não mais ouvia.

Voltando à realidade, saiu dali o mais rapidamente possível, sem ao menos se despedir, deixando a sua interlocutora falando sozinha, enquanto entrava em seu carro e dirigia sem destino como se estivesse totalmente anestesiado. 
A partir desse dia passou a acreditar que existiam desencarnados que não aceitavam estar mortos e perambulavam até que encontrassem o caminho através da luz divina que os direcionasse ao derradeiro destino.
Cronista
Enviado por Cronista em 17/01/2018
Reeditado em 17/01/2018
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