A Lua no Beco
"She walks in beauty, like the night
Of cloudless climes and starry skies;
And all that’s best of dark and bright
Meet in her aspect and her eyes;
Thus mellowed to that tender light
Which heaven to gaudy day denies"
(She walks in beauty - Lord Byron)
Ela caminhava elegantemente, despojando os passos na calçada de aparência áspera. As paredes das construções ao redor sentiam o toque daquelas mãos delicadas e macias que tateavam os muros da cidade vazia na calada da noite.
O vento cálido noturno esvoaçava os seus negros cabelos que caiam sobre os seus ombros como uma penugem semelhante às penas de um corvo, enquanto o olhar buscava seu objetivo pela noite. Com olhos penetrantes carregados por um brilho lunar perfurando almas.
Suas longas vestes emolduravam a silhueta semelhante a um violino. Ela se assemelhava a uma princesa ou jovem idealizada na mente de Românticos poetas! Lá estava ela a imaginar sua presa, preparando-se para a caça.
Da noite era condessa, perambulava por ruas mal iluminadas rodeadas por edifícios descuidados pelo tempo. Em algum lugar, algum boêmio descuidado e sonhador, algum louco homem espera por ela. Esperando que ela enfim o encontre.
Na porta dos fundos de um bar fajuto, a espreita nas sombras ela o vê. Inalando a fumaça que o tão despreocupado exala do cigarro... Fixando os olhos na presa, aguçando os sentidos para perceber o pulsante sangue nas veias da vitima, ainda ao longe sentindo o calor daquela pele que se arrepiara ao sentir um calafrio causado pelo vento.
As luzes estremecidas, a algoz se aproximou do condenado. Calmamente ela exibindo um sorriso sedutor, o rapaz condenado a olhava da cabeça aos pés retribuindo o sorriso. Porém, uma única palavra não disse.
A beleza da sua própria morte o paralisava, o entorpecia. Aos poucos sendo revelada a figura da ceifeira na luz do poste ainda trêmula. O som abafado da música do bar é a única coisa que quebra o silêncio no jardim da morte posta a ele. Assim, ele se aproximou do seu algoz tocando o rosto macio, gelado que o observava ali. Assim, acariciando as maçãs de mármore delicadamente esculpidas ele atreveu-se a questionar:
- Como se chama tal anjo noturno?
Sorridente ela reinou com o silêncio e beijou a ousada mão que lhe tocou a face. Fazendo a vitima estonteante recuar o olhar. Ousadamente a presa tornou a questionar enquanto o seu hálito de álcool se revelava:
- De onde vem, de onde surge beleza tal? De onde nascem olhos tão agudos que invadem e com angustia o torpor preenchem a dor da carne? A morte é assim tão bela? Não me assusta que de te venha minha carruagem que guiará meu caminho para o Paraíso ou Inferno! Uma palavra única de tua boca eu quero ouvir.
E continuava a vitima a falar enquanto ébria
- Espirito misterioso me responde e me leva contigo. Eu chamei teu nome no profundo da mente, se nela te criei, por favor, me responde minha miragem, minha porta! Decifra-me minha morte, minha morte...
Ali, ela escutou o apelo iludido de um homem. Ela não o respondeu. Mordeu a mão que a tocava, perplexo o homem ficou paralisado com a mão ainda tocar-lhe o rosto.
Ele libertou um sussurro de agonia enquanto ela se entrelaçou no corpo dele, os seus olhos de algoz tornaram-se ternos por alguns segundos. A morte e o caixão que seduz e que abraça.
Um vento cortês desmascarou a lua no céu empurrando as nuvens cinzentas que a encobriam, o casal naquele cenário, ambos ergueram o olhar para aprecia-la. A Lua os observava. Voltando a face para a sua vitima ela recostou a boca nos lábios dele em um beijo árduo a ser experimentado.
No sabor dos lábios frios, avermelhados e alucinantes ele provou o próprio sangue. O Corpo ainda afogado no imóvel tremeu avidamente e um suspiro nervoso escapou. O beijo que finalizou ali trouxe o medo ao escolhido, ao profundo de sua alma.
Assustado e atônito ele foi empurrado para fora dos limites da luz do poste, sabendo ser verdadeiramente a esperada hora. Ela o jogou precipitado em uma parede degradada, os ombros dele atingiram tijolos húmidos e grosseiros.
A mão pálida o calou em um movimento brusco de tamanha força inimaginável por aquele descuidado, já absorvido pelo medo. As batidas do coração medroso foram ouvidas por ela ao encostar o ouvido no peito ansioso. O pedido do socorro veio à tona e os movimentos de esquiva sem sucesso, impedindo qualquer saída.
Engolindo o próprio pranto, ele notou que estava se contraindo enquanto ela o prendia. O tecido macio e fino do vestido dela aconchegava as mãos dele que se debatiam e os cabelos dela tocavam-lhe a face. Aquele era o momento, ela falou sussurrante em seu ouvido:
- Meu nome é Bárbara.
Restava apenas a lua no céu e o beco escuro. O bar já ia fechar, quando um homem alto e barbudo com a cara carrancuda apareceu do lado de fora. Ele estava procurando um rapaz que havia ido fumar, aparentemente fugira sem pagar a conta. A luz do poste havia quebrado. Ninguém estava no lugar além de uma sombra feminina que indicou uma falsa direção por onde o rapaz poderia ter ido.